A ascensão do consumismo digital, impulsionado pela comodidade, desafia lojas físicas e shoppings a se reinventarem como espaços de experiência e convivência
Adam Souza (@souzadam) e Lizy Teixeira (@lizytown_)
A ascensão vertiginosa do e-commerce e a consolidação do consumidor “híbrido” impuseram um desafio existencial ao varejo tradicional. Lojas de rua e principalmente shopping centers estão em plena mutação, buscando redefinir seu valor em um mercado onde a compra pela internet oferece preço e conveniência logística inigualáveis. O diagnóstico é claro: o comércio físico não morreu, mas a velha ideia de que basta abrir as portas e esperar o cliente chegar, essa sim, ficou para trás.
O primeiro e mais evidente desafio é a queda no fluxo de visitantes que buscam as lojas apenas para comprar, o que coloca em xeque a função primária do espaço físico. A resposta mais robusta a essa crise de identidade veio dos shopping centers. O modelo de sucesso não é mais ser um mero aglomerado de lojas; ele está se transformando em um verdadeiro Centro de Experiência. Segundo Renan Lopes, Gerente de Marketing do Salvador Norte Shopping, essa é a principal diretriz estratégica hoje: “transformar o Salvador Norte Shopping em um verdadeiro ‘hub’ de conexões, onde a compra se torna uma consequência natural, e não o único objetivo da visita. Percebemos que o consumidor busca momentos e conveniência, e investimos em experiências que o digital não conseguirá replicar”.
Para isso, o investimento em lazer e entretenimento se tornou crucial. Lopes detalha que o shopping tem apostado em eventos proprietários de grande impacto, buscando ser o motivo forte para a visita. “Em datas comemorativas como o Dia das Mães, por exemplo, trouxemos um show exclusivo de Tony Garrido. Para o Dia dos Pais, criamos um evento gastronômico de sucesso como o Clube do Fogo, um festival de churrasco que atrai um público específico. Já no Natal, vamos além da decoração, investindo pesadamente para proporcionar uma experiência mágica e imersiva ao nosso cliente, reforçando a memória afetiva.” O sucesso hoje, segundo ele, não é apenas o volume de vendas, mas a vitalidade do empreendimento, sendo que a atração gerada por esses eventos comprovadamente eleva o tempo médio de permanência.
Reprodução: Salvador Norte Shopping
Ainda no eixo da transformação, as estratégias de experiência integrada entre o físico e o digital (englobadas no consceito de Omnichannel e Figital) exigem que o físico atue como facilitador do digital. “Nosso papel é ser a ‘ponte’ para essa estratégia,” afirma Lopes. A tecnologia também apoia essa jornada, pois o shopping utiliza smart data de fluxo e aplicativos não apenas para eliminar atritos (como no estacionamento), mas para comunicar ofertas personalizadas e apoiar os lojistas.

Dentro dos centros comerciais e nas ruas, as lojas também precisaram mudar sua função. Deixaram de ser apenas armazéns para se tornarem showrooms ou pontos de experimentação. Para Renan Lopes, o varejo físico compete em experiência e conveniência. “É por isso que adotamos ações estratégicas que só o ambiente físico permite: estendemos nosso horário de funcionamento de forma especial na Black Friday e no Natal, permitindo que o cliente maximize seu tempo. Além disso, utilizamos promoções de grande impacto, como sorteios de carros ou viagens, que recompensam o cliente pela compra no mall e geram um senso de exclusividade e credibilidade,” explica.
O físico elimina qualquer dúvida e valoriza a escolha do cliente pela loja. O gerente de vendas Bruno Gomes complementa que a loja compete em segurança e confiança na entrega. “Nossa principal vantagem não é preço; é eliminar o medo do cliente de errar na compra online. Oferecemos a garantia imediata, montagem e a tranquilidade de saber quem procurar se houver um problema,” diz.
Essa mudança de estratégia afeta diretamente o papel dos colaboradores. O vendedor, que antes era quem detinha a informação, viu a sua função ser alterada para a de consultor
O fenômeno mais intrigante é a migração das marcas nativas digitais (DNVBs) – que nasceram e cresceram apenas no e-commerce – para o ambiente físico. Renan Lopes vê isso como a maior validação da importância do shopping. “Essas marcas digitais atingem um teto de crescimento online. Para conquistar confiança, credibilidade e, principalmente, reduzir o custo de aquisição de novos clientes (CAC), elas precisam do contato físico.” Para ele, a presença dessas DNVBs moderniza o mix do shopping e reforça que o varejo físico não vai morrer; ele está evoluindo para ser o ponto de consolidação da marca, o local onde o cliente fecha o ciclo de conhecimento, prova e fidelização que começou no ambiente online. O shopping é, de fato, o showroom da era digital.
No entanto, essa praticidade não eliminou por completo o ambiente físico. Surge o consumidor híbrido, que transita entre canais digitais e físicos. O empresário Marcio Rocha, 53, revela que suas idas ao shopping mudaram de propósito: “Hoje, é um passeio de fim de semana com minha esposa e filhos. Vamos ao cinema, almoçamos, e aproveito para dar uma olhada nas lojas. Tornou-se um lazer, não uma obrigação de compra”. É nesse contexto de lazer que ele utiliza o ambiente físico a seu favor, em uma prática conhecida como showrooming. Rocha tem o hábito de ir às lojas físicas para experimentar e verificar a qualidade dos produtos. “Se aprovada, primeiro eu entro no site e se a diferença de preço for significativa e eu não tiver com pressa eu faço a transação online”. Essa diferença, explica ele, justifica a espera pela entrega. “Muitas vezes a economia passa de 30%. O varejista online não tem os mesmos custos fixos de uma loja fixa. Já economizei muito dinheiro com essa prática”, revela.
Esse novo comportamento do cliente tem forçado o varejo a repensar sua função. Bruno Gomes, 38 anos, gerente de vendas de uma loja de móveis no Salvador Norte Shopping, confirma que o showrooming é uma realidade diária, especialmente em categorias como TVs e sofás, onde a dimensão e o acabamento são cruciais. “Hoje, a loja física deixou de ser a primeira fonte de informação e se tornou o ponto de confirmação da compra. Se o cliente veio à loja depois de pesquisar, ele está no estágio final da decisão,” explica. Para reverter o showrooming em venda, a estratégia da loja é oferecer algo que o online não consegue: uma solução personalizada. Gomes detalha: ‘Nossa principal aposta é no Crédito e Financiamento Imediatos. Podemos analisar o perfil do cliente na hora e oferecer condições que um algoritmo demoraria a aprovar.’
E-commerce, do inglês Electronic Commerce, ou Comércio Eletrônico, é a compra de produtos e serviços pela internet. O modelo de negócio vem crescendo exponencialmente nos últimos anos, e engloba transações realizadas em plataformas, aplicativos e marketplaces. À frente de países como França, Canadá e Alemanha, o Brasil tem se consolidado como um dos principais mercados de e-commerce no mundo, demonstrando uma tendência de expansão que redefine permanentemente o mapa do consumo nacional.
Em 2024, o setor registrou um faturamento superior a R$200 bilhões, conforme dados da Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (Abiacom). As projeções mantêm o otimismo, indicando um crescimento robusto de 15% para 2025, com a expectativa de ultrapassar a marca dos R$235 bilhões.

Fonte: Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (Abiacom)
Essa expressiva realidade tem uma origem relativamente recente. A aceitação massiva do comércio eletrônico se deu no período pós-pandemia, com um salto de 40% nas transações, impulsionando a digitalização acelerada da economia e firmando novos hábitos de compra na população. Essa mudança estrutural moldou um novo perfil de comprador, fiel à praticidade e à busca por valor.

Fonte: Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (Abiacom)
O novo perfil do consumidor
Com mais de 400 milhões de pedidos feitos no último ano, o país já conta com 91,3 milhões de compradores online, um número que representa aproximadamente metade da população brasileira. O perfil desse novo consumidor é majoritariamente guiado pela busca por praticidade e melhores preços, um fator que impulsiona o consumo por impulso, facilitado pela navegação rápida e pela conveniência de telas móveis.

Fonte: Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (Abiacom)
Na Bahia, o cenário não é diferente. Baianos e baianas correspondem a mais de 30% dos consumidores do e-commerce no Nordeste, o que coloca o estado em 6º lugar no ranking geral de Unidades Federativas (UF) que mais compram através de dispositivos eletrônicos. A estudante de psicologia Alexandra Lobo, 23, sintetiza a preferência pela conveniência: “Costumo comprar na internet com frequência. Hoje em dia frequento o shopping muito pouco, mais ou menos a cada quatro meses”. Para ela, o digital eliminou os principais atritos da compra física: “Evito o custo do uber, as filas e, até a abordagem inapropriada de alguns vendedores”.

Fonte: Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (Abiacom)
Alexandra explica que a experiência física foi substituída quase completamente pela internet. “Para mim, o maior diferencial do e-commerce é a praticidade. Não sinto falta de ‘ver’ o produto, pois hoje eu vejo dezenas de reviews em vídeo, fotos de outras compradoras e até unboxing de influenciadoras”.
Consumismo digital (Ou Gatilhos Mentais)
Com foco na posse e aquisição constante, o consumismo é a tendência de adquirir produtos e serviços de forma exagerada e impulsiva, sem necessidade real de compra. Geralmente motivada pelo desejo de satisfação momentânea conquistado após o término da ação, ele leva o indivíduo a gastos exacerbados em itens supérfluos. O consumismo digital é potencializado pelos recursos do ambiente online, onde a facilidade, a acessibilidade e a personalização eliminam quase totalmente o atrito da compra. Impulsionado pelo avanço das redes sociais, por propagandas hiper-segmentadas e por gatilhos de urgência (como ofertas-relâmpago e a contagem de estoque), o ambiente digital transforma o rolar a tela casualmente em um ato de aquisição imediato, agindo de forma menos racional e mais frequente.

A fisioterapeuta Marina Rodrigues, 35, relata a dificuldade em resistir às ofertas: “Eu entro no Instagram só para dar uma olhada e acabo comprando. O impulso é muito forte porque é fácil demais.” Ela detalha que a transação não é apenas pelo produto, mas pela sensação de oportunidade. “Você vê o anúncio daquele vestido, uma influenciadora que você segue usando, e pensa ‘é o último em estoque’. Com o Pix ou o cartão salvo, você finaliza em segundos. Muitas vezes, só paro para pensar se realmente precisava da roupa depois que já estou com a peça em mãos”. Quem confirma isso é Sibele Aquino, pesquisadora de comportamento de compra. Segundo ela, os gatilhos mentais são ferramentas estratégicas cruciais para o marketing e as vendas. “O princípio é similar ao observado em jogos e interações em redes sociais. A combinação de desafio e tempo limitado ativa sistemas cerebrais e mentais que geram excitação e urgência em reagir. Portanto, essas estratégias tendem a intensificar a predisposição à compra por impulso, especialmente quando há um envolvimento emocional prévio com o produto ou um desejo anterior”, revela Sibele.
Bruno Gomes reitera a eficácia dos gatilhos digitais. “As redes sociais são motores de desejo instantâneo. É muito comum o cliente chegar com um print do Instagram ou de um anúncio que viu no celular dizendo: ‘Vi essa oferta, vocês têm na loja?’ A loja física se torna o balcão onde a urgência criada pelo digital encontra a satisfação imediata,” afirma.Heloísa Dantas, 48, tem visto isso na prática. A comerciante comanda um e-commerce de moda feminina e utiliza o Instagram como principal vitrine. Ela conta que percebe um padrão: “O pico de vendas é sempre à noite ou nos finais de semana”. Heloísa explica como usa as ferramentas da plataforma para maximizar esse comportamento. “Os Reels trazem novas seguidoras, é a descoberta. Mas a venda acontece nos Stories. É ali que criamos a urgência, mostrando os bastidores, o ‘último M’, a correria para embalar. Quando o cliente está no meio do impulso, o que faz a diferença é a rapidez”.
Esse comportamento de impulso é possibilitado por uma arquitetura tecnológica complexa. A dominância de gigantes como Mercado Livre, Shopee e Amazon não se deve apenas ao vasto catálogo. O motor que une os diferentes canais de compra é a algoritmização. No Brasil, o cenário se divide em três frentes principais, com lógicas distintas. A maior fatia do volume está nos Marketplaces (como Mercado Livre e Amazon). Eles funcionam como “shoppings virtuais”: plataformas onde milhares de lojistas vendem, e para onde o cliente vai ativamente com a intenção de buscar e comparar produtos, confiando na logística e segurança da plataforma. Em seguida, vêm as Lojas Virtuais próprias, focadas na construção da identidade da marca. A terceira frente é o Social Commerce, onde as vendas ocorrem dentro das redes sociais (Instagram, TikTok) e aplicativos de mensagem. Aqui, a lógica é oposta à do marketplace: o cliente não está procurando ativamente; ele está navegando e é surpreendido pelo produto, transformando o impulso em necessidade.

Maiores e-commerces no Brasil Fonte: Conversion (Agência Brasileira de SEO)
A vinculação entre esses canais, especialmente as redes sociais e os marketplaces, é a chave do e-commerce moderno. As redes sociais funcionam como a maior vitrine de descoberta do mundo, mas sua principal função econômica é a coleta de dados em massa. O algoritmo rastreia cada segundo que um usuário passa assistindo a um vídeo, cada clique, cada perfil seguido. Ele aprende os desejos latentes do consumidor antes mesmo que ele os perceba. “Essa ferramenta é essencial no impulsionamento das vendas uma vez que mapeia a jornada do consumidor através de cliques e outras ações dentro dessas plataformas”, declara o especialista em marketing e consumo.
Gustavo Coutinho reitera que a figura do Social Commerce existe desde o início do Instagram. “O que muda é que de lá pra cá, a profissão foi ganhando notoriedade no digital e em outros canais na divulgação de ações institucionais e promocionais das marcas”. Para o especialista, ele tem o objetivo principal de atrair vendas, mas também pode entreter, educar e até enviar mensagens com outros fins da marca. “A técnica ainda está longe de alcançar a força e performance dos grandes marketplaces, mas o social commerce tem um efeito avassalador quando divulgado para um grande número de público nas redes sociais”, completa.
