Coworking em Salvador: oportunidades, barreiras geográficas e novas formas de trabalhar

Mapeamento revela perfil dos usuários e desafios enfrentados por quem utiliza os espaços compartilhados na capital

 

Ana Catharina Rocha (@anacatharinafr) e Rosana Vieira (@rosa_viieira)

 

O modelo de trabalho remoto se consolidou nos últimos anos por permitir a realização do trabalho de qualquer lugar. Principalmente ao decorrer da pandemia da Covid-19, se estabeleceu como uma alternativa viável e eficiente tanto para as empresas quanto para seus funcionários.  Porém, existem inúmeros motivos que fazem uma pessoa pensar em trabalhar remotamente fora do seu ambiente doméstico: barulho de vizinho, interrupções de membros da família ou falta de conectividade. É nesse contexto que os espaços de coworking surgem como uma proposta que viabiliza um espaço funcional e prático.

 

A pesquisadora e gerente administrativa da Engclin Soluções LTDA, Megmécia Prazeres (36), mestre em Administração pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, realizou sua dissertação em 2022 com o tema “O Trabalho em Espaços de Coworking: Seus aspectos e sentidos para trabalhadores-frequentadores em Salvador-Bahia”. No seu levantamento foram mapeados 27 espaços de coworking ativos na cidade, e os bairros do Rio Vermelho e Caminho das Árvores apresentaram o maior número de espaços operantes.

 

Em entrevista sobre o tema, Megmécia constatou que as motivações para frequentar coworkings eram variadas e iam muito além de fatores práticos. Um número expressivo de entrevistados relatou dificuldade em manter a produtividade trabalhando em casa, devido à associação do lar com o descanso. “Tem gente que não consegue trabalhar de casa porque vincula a ideia de casa com conforto, e não com trabalho. Mesmo com o trabalho on-line, a pessoa precisava sair de casa para se sentir ativa”, explicou.

 

Foto: Currículo Lattes

 

O custo-benefício também apareceu de forma recorrente entre os relatos. Muitos usuários preferem pagar por uma estação em coworking do que arcar com todas as despesas de um escritório próprio. Para a pesquisadora, o motivo é claro: “Você tem ali a internet, uma mesa, um espaço gourmet, uma área de interação… Tudo isso é muito mais em conta do que alugar um escritório tradicional e ter que bancar tudo sozinho”.

 

Além do preço e da praticidade, a troca de experiências também atrai. O coworking, segundo ela, é visto por muitos como um ambiente estratégico para criar conexões e até conquistar novos clientes. “Muitas empresas de marketing e publicidade viam nos colegas de espaço potenciais clientes. Isso pesava na escolha do local de trabalho”, conta.

 

Por outro lado, o uso coletivo também traz desafios. A pesquisadora identificou que entre os problemas mais citados estavam o excesso de barulho e a dificuldade de garantir privacidade, especialmente em reuniões. Ela relata que “tinha gente que queria fazer uma reunião com um potencial cliente, mas as salas privadas já estavam ocupadas. Eles precisavam conversar em meio a todos, e esse ambiente não dá segurança para quem está fechando um negócio. Isso gera desconforto.”

 

Outro ponto levantado pela pesquisadora foi a desigualdade no acesso a esses espaços. A maioria dos coworkings está localizada na cidade alta — em bairros como Itaigara, Barra, Pituba e Paralela. “Só encontrei um mais próximo da cidade baixa, no Comércio”, afirma. Ela destaca que esse tipo de concentração geográfica restringe o alcance desses ambientes a determinados perfis.

 

Mapa com os espços de coworkings ativos na cidade de Salvador (2025)

 

O Hub do Comércio, segundo ela, se destacava por atender tanto quem vinha da cidade alta quanto da Cidade Baixa. “Nos outros bairros, o acesso é mais difícil para quem vive na periferia. Isso acaba elitizando o uso”, observa. Megmécia acredita que a expansão para regiões como o Subúrbio Ferroviário, incluindo bairros como Paripe, poderia ampliar o alcance do modelo. “As pessoas só precisam da oportunidade de ter um espaço desses perto de casa”, conclui.

 

Apesar das barreiras, Megmécia acredita que a ampliação desses espaços para outras regiões pode tornar o coworking uma alternativa real para uma parcela maior da população. Ela conclui: “Se houvesse coworkings mais próximos da Suburbana, ou em bairros como Paripe, acredito que teriam muita adesão. As pessoas só precisam da oportunidade de ter um espaço desses perto de casa”.

 

O impacto da pandemia no trabalho remoto 

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), cerca de 4,5 milhões de pessoas em 2019 realizavam trabalho em domicílio. Em 2022, esse número mais que dobrou, alcançando 9,5 milhões de pessoas trabalhando remotamente no país. O isolamento social, adotado como medida de contenção do vírus, aliou-se às restrições sanitárias e à necessidade de proteger a saúde dos trabalhadores, especialmente aqueles em áreas urbanas e setores administrativos. 

 

Diante do cenário de incertezas e riscos, muitas organizações precisaram reorganizar suas rotinas e espaços de trabalho. Segundo a pesquisa “Gestão de Pessoas na Crise Covid-19”, realizada pela Fundação Instituto de Administração (FIA), 46% das empresas brasileiras adotaram o home office como estratégia de continuidade e sobrevivência durante o período pandêmico. 

 

Foto: Arquivo pessoal

Caio Lima (33), assistente financeiro pleno de uma empresa de comércio exterior, conta que passou a trabalhar em casa quando o lockdown foi decretado em Salvador, em 2020, com isso, precisou adaptar o quarto para virar escritório. Nesse contexto, a empresa teve que fechar as portas e aderiu completamente ao trabalho home office. “A gente teve que levar os computadores para casa. Só que a empresa já estava preparada para o home office, a dona da empresa estava ajustando o sistema e equipou a empresa com notebooks. A pandemia só acelerou esse processo. E todos ficaram home office por três anos” , comenta.

Passados cinco anos, a adoção do modelo permanece como uma marca importante daquele momento, ainda que com novas configurações e desafios. Os espaços de coworking surgiram como uma resposta à crescente demanda por ambientes híbridos, que conciliam a autonomia do trabalho remoto com a estrutura física e os recursos de um escritório tradicional. O termo coworking foi utilizado pela primeira vez em 2005 pelo programador de software Brad Neuberg, que idealizou um modelo de espaço compartilhado voltado a profissionais independentes que buscavam mais liberdade, mas também estrutura e comunidade.

O primeiro espaço de coworking físico com registro oficial foi o San Francisco Coworking Space, inaugurado por Neuberg em São Francisco (EUA), oferecendo acesso gratuito dois dias por semana. A internet já estava amplamente disseminada, especialmente com a popularização do Wi-Fi e o avanço de tecnologias móveis, como baterias portáteis e dispositivos mais leves, o que favorecia o trabalho remoto. Diante da necessidade de equilibrar dois projetos pessoais e profissionais, Neuberg criou um ambiente colaborativo que se tornaria referência para um novo modelo de organização do trabalho: mais flexível, descentralizado e conectado.

 

Mesmo antes da pandemia, profissionais e empresas já experimentaram o modelo de trabalho remoto e buscavam alternativas fora do ambiente doméstico. A procura era por espaços que proporcionam mais tranquilidade e condições adequadas para desenvolver suas atividades profissionais. No Brasil, os primeiros  espaços de coworking começaram a surgir entre 2008 e 2010, sobretudo em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro. Em Salvador, o primeiro registro desse tipo de ambiente foi o CWK Coworking, fundado em 18 de agosto de 2011, sendo também o primeiro da Bahia.

 

Foto: CWK Coworking Salvador

 

O Coworking Brasil faz um mapeamento da evolução do mercado destes espaços de trabalho desde 2015. O projeto surgiu em 2011, com diversos fundadores de espaços coworking brasileiros. No censo de 2019, foram mapeados 1.497 espaços no país encontrados em 195 municípios brasileiros, e o único estado onde não foi encontrado nenhum registro desses espaços foi em Roraima. Houve um crescimento significativo de 25% em relação ao ano de 2018, no mercado de coworking brasileiro, com novas empresas buscando alternativas para aumentar a produtividade ou sair do ócio. 

 

 

Ranking por estado e por cidade dos coworkings existentes no Brasil. Fonte: Censo Coworking Brasil 2019

 

Relatos de quem vive a experiência

Alex Barbosa (37), programador, conta que trabalha remotamente e utiliza espaços de coworking em Salvador há 7 anos. E que a principal motivação pela procura desses espaços é  a possibilidade de conexões. “Costumo variar. Por inúmeros motivos como: barulho, necessidade de alimentação, ergonomia, estacionamento, preços.” conta. 

 

Ele critica, porém, o horário de funcionamento limitado da maioria dos espaços. “ A cultura da cidade impede que o estilo cresça. Eu não tenho horário fixo, sempre passo das 20h mas a maioria dos estabelecimentos fecha, eu sempre preciso me deslocar novamente ou parar de trabalhar. Evito ir para locais assim pela tarde.” opina. 

 

Para ele, Salvador perde oportunidades de desenvolvimento por não fomentar ambientes que estimulem a economia criativa.  “Nossa orla fica praticamente inabitada ao entardecer. A prefeitura pode estar perdendo oportunidade de crescimento. O próprio coworking do Parque da Cidade parece que fechou, a WeWork não está mais em SSA, o Hub fecha às 17h, se preciso de uma sala para reunião vejo que alguns locais exigem uma diária um pouco salgada.”, lamenta.  

 

Foto: Arquivo pessoal

Já a docente da Universidade Federal da Bahia, Thatiana Helena (38), conta que começou a utilizar os espaços de coworking há mais ou menos 3 meses. Para ela, o ambiente contribui para o foco. “Dentro de casa a gente fica procrastinando mais, e então eu acho que um espaço fora de casa te proporciona mais concentração naquilo que você tá fazendo” , comenta. 

 

 

Ela comentou que frequenta o coworking localizado no Shopping Barra, que fica próximo a sua casa e é uma opção gratuita. “Esse modelo veio sim para ficar por conta de toda a proposta porque você vai pro coworking, você tem todo o acesso de internet, de energia para os seus equipamentos. Então, você consegue fazer reunião, você consegue trabalhar em em em outras em pesquisa,em outras coisas específicas do seu trabalho, então eu acho que é uma tendência que veio para ficar e cada vez ter um número maior de coworkings.” afirma. 

 

 

Apesar das limitações de acesso, da concentração geográfica e dos desafios estruturais, os coworkings seguem como alternativas viáveis — e em alguns casos, necessárias — para quem trabalha remotamente em Salvador. A cidade ainda precisa amadurecer políticas públicas e investimentos que democratizem esses espaços, aproximando-os das diversas realidades urbanas. À medida que o modelo híbrido se consolida, o coworking deixa de ser uma tendência passageira e se estabelece como uma engrenagem importante da nova lógica do trabalho contemporâneo.

 

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Rosana Vieira, bacharela em Humanidades e graduanda do 6º semestre de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia. Estagiária da ASSUFBA-Sindicato. Faz parte da pesquisa do Atlas da Notícia pelo Projor, como pesquisadora voluntária na Bahia. Apaixonada pela vida e muito comunicativa.

Ana Catharina Rocha, bacharela em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia e graduanda do 6º semestre do curso de Jornalismo na mesma instituição. Pesquisadora e bolsista SANKOFA (21-22) na linha das epistemológicas do sul e saúde nas comunidades quilombolas e a noção de linha abissal. Também atuei na assessoria de comunicação da cantora Daniela Mercury e mais recentemente como produtora e apresentadora na Rádio Metrópole de Salvador.

 

A ideia da pauta surgiu a partir da nossa observação acerca do novo modelo de trabalho, que levou a criação de espaços compartilhados de coworking. Os espaços surgiram  no Brasil a partir de 2008 e tiveram um crescimento vertiginoso com a pandemia de Covid-19. Esse modelo, ao mesmo tempo que tem aspectos que facilitam, também se esbarram em aspectos locais e socioeconômicos. Com isso, surgiu a curiosidade de contar um pouco da realidade atual de profissionais que utilizam esses espaços e os desafios que enfrentam.

 

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