Vinho baiano ganha reconhecimento na vinicultura nacional

Com clima tropical e solo semiárido, as regiões do Vale do São Francisco e da Chapada Diamantina se destacam no enoturismo brasileiro

Maria Clara Costa

 

O turismo de vinho na Bahia tem ganhado mais evidência. Em maio de 2024, foi sancionada a  Lei que oficializa o município de Morro do Chapéu como a “Capital do Vinho da Chapada Diamantina”, instituindo o “Festival do Vinho”, como parte do Festival de Inverno, que costuma ser realizado anualmente em agosto. Além disso, acontecem eventos e atividades promovidas pelas próprias vinícolas ao longo do ano com o intuito de atrair visitantes e apreciadores de vinho. 

 

Outro grande atrativo é a Rota do Vinho, na Chapada Diamantina, promovida pela Secretaria de Turismo do Estado da Bahia (Setur-BA), que lista as principais vinícolas da área com o objetivo de incentivar o enoturismo no estado. Entre elas estão as vinícolas Vaz, Uvva, Reconvexo, Santa Maria e Sertania, localizadas no município de Morro do Chapéu, que fica a quase 400 quilômetro de Salvador. Em entrevista, o agrônomo e empresário Jairo Vaz, fundador da primeira vinícola da Chapada, a “Vaz”, enfatiza que: “Depois do lançamento da rota do vinho, nós dobramos o nosso fluxo de turistas aqui na Chapada Diamantina. Essas iniciativas são fundamentais para que a gente possa progredir”. Vaz ainda destaca que “o vinho não é o nosso principal produto. O nosso principal produto é o enoturismo, a experiência”.

 

 

Acesse o mapa abaixo para conhecer as principais vinícolas da Bahia.

 

 

O Nordeste, em geral, é conhecido pelas suas terras semiáridas e de clima tropical. Era de se imaginar que a produção de uvas viníferas – próprias para vinho – em um território como esse seria inviável devido ao clima quente e solo seco. Apesar disso, além da Chapada, o Vale do São Francisco é a primeira e única em uma região distinta como essa, onde a safra é dobrada. O enólogo Marcos Marinho, da Vinícola TerraNova, relata a importância de uma certificação como essa, mas ressalta a necessidade do reconhecimento público e governamental: “Uma das dificuldades que a gente tem é a de acesso. Não existem políticas públicas de incentivo ao enoturismo. Na Chapada, por exemplo, a gente vê que é algo mais comum, mas não por aqui”. Ele destaca as condições precárias das rodovias do estado e a falta de divulgação de vinícolas como opções de turismo local. 

 

A produção de vinho no Vale do São Francisco remonta à década de 1980, com a imigração de japoneses e italianos no Brasil, mas foi em 2022 que passou a ser reconhecida como uma IP – Indicação de Procedência. As  IP’s são determinações geográficas que distinguem uma região pela sua vinicultura. No Brasil, temos vários IP’s na região Sul (Vale dos Vinhedos e Altos Montes, Rio Grande do Sul, por exemplo) e em outros pontos do país. 

 

Alguns rótulos da região já ganharam prêmios nacionais e internacionais. O vinho Testardi Syrah da Vinícola TerraNova foi medalha de ouro na grande prova do Brasil de 2025. Na Chapada Diamantina, a Vinícola Vaz também se sobressaiu na premiação ao ganhar a medalha de ouro pelo vinho Malbec “Ferro Doido”. Além desses, tem os vinhos espumantes e tintos encorpados das marcas Vale e Chapada, respectivamente. 

 

Mesmo com os prêmios conquistados, na opinião de Marinho, o baiano, numa perspectiva geral, não está acostumado a sentar e reunir-se com os amigos para beber um vinho ou a ver a degustação como uma forma de lazer. A bebida favorita do baiano é a cerveja e é ela que está presente nos momentos de festa e encontro.

 

Beatriz Abreu, 66 anos, aposentada, conta que há dois anos encontrou no vinho um substituto para a cerveja, que a incomodava por causar ganho de peso e problemas de saúde. E desde então se tornou uma consumidora ávida. Ela conta que consome muito do mercado internacional, vinhos espanhóis são seus favoritos, mas que encontra nos  nacionais tanta variedade quanto. Quando perguntada sobre a produção especificamente baiana, ela faz uma ressalva: “Eu já consumi vários vinhos do Vale São Francisco, são muito bons. O que está faltando é divulgação. Outro dia, eu vi o mesmo vinho que eu comprei, que ganhou um prêmio, lá no canto do supermercado. Era um vinho que precisava estar escrito ‘prêmio’, em destaque”, comenta.

 

Ilnah Oliveira, do setor de Segmentação da Secretária do Turismo na Bahia, a  Setur, afirma que: “Hoje, a gente tem duas rotas de vinho no estado, a do Vale do São Francisco e a da Chapada Diamantina. Mas, a que mais cresce é a da Chapada Diamantina, porque ela ganhou vetores. O segmento do Vale do São Francisco começou a ser trabalhado agora”. Ela reconhece a importância da região e coloca em perspectiva os projetos futuros em parceria com vinícolas franciscanas. 

 

Vinho o ano inteiro 

Desde 2022, todos os vinhos preparados na região do Vale do São Francisco são demarcados como dessa área e ganham relevância pela sua origem. Em especial, em se tratando do São Francisco, isso se dá em grande parte graças ao clima tropical e solo árido que possibilitam a colheita de duas ou mais safras anuais. Como aponta o pesquisador Caio Veríssimo, no seu artigo “Perfil físico-químico e sensorial de vinhos tropicais comerciais da futura Indicação Geográfica Vale do São Francisco”, geralmente, a vindima é feita durante o Verão, um período mais quente em que ocorre o florescimento e maturação das uvas. No Hemisfério Norte … – Europa, Estados Unidos –  esse intervalo de tempo se dá entre agosto e outubro, no Hemisfério Sul – Chile, Brasil, Argentina … — entre janeiro e março. Mas no Vale a influência das estações não é tão determinante. As condições de Verão duram o ano inteiro, o que permite que a colheita aconteça mais de uma vez ao ano. 

 

Porém, produzir uvas viníferas em terroirs como esse não são só vantagens. Segundo o pesquisador da Embrapa Giuliano Pereira, em  seu artigo “Vinhos tropicais do semiárido do Brasil”, para que a colheita aconteça, novas tecnologias foram implantadas. O sistema de irrigação das videiras em gotejamento garante a manutenção de um solo úmido ao levar água diretamente à raiz da planta e evitar o excesso de umidade e desperdício, ao invés de molhar todo o solo como é comumente feito. Esse processo é realizado com as águas do Rio São Francisco promovendo uma economia hidráulica ainda maior. 

 

Além da irrigação, a forma como o crescimento da uva é estimulado é essencial para a produção. No Vale, as uvas são plantadas em parreira, com as folhas e galhos em horizontal, protegendo os cachos do sol quente. 

Figura 1. Cultivar Moscato Itália conduzida em pérgola, em empresa vinícola localizada no município de Casa Nova – BA.
Cultivo de uvas Moscato em parreira na  vinícola TerraNova localizada no município de Casa Nova, BA –  Foto: Giuliano Elias Pereira 

 

 

Chapada Diamantina: a capital do vinho 

A Chapada compartilha de condições climáticas similares ao Vale, o clima quente e solo seco, mas com um adendo, o relevo. Novamente, apesar de parecer um fator limitante, a região é um dos grandes expoentes na Bahia, não apenas na produção de vinhos, mas também na degustação. 

 

No estudo feito por Caio Veríssimo, a poda dupla é determinante para o plantio das uvas. Normalmente, em plantações de uvas para vinho, o corte de galhos é feito uma vez por ano. Mas, devido ao clima temperado de altitude – dias quentes e noites frias –  e chuvoso, a poda é feita duas vezes ao ano. O primeiro corte, durante o Verão,  prepara a planta para a formação do fruto, mas impede que a uva cresça ao cortar os cachos. Mais tarde, na segunda poda, produtos químicos são aplicados e apenas os galhos são cortados ajudando no crescimento rápido e saudável da uva. A colheita é realizada no Inverno em um solo ainda úmido, porém mais seco, sem a interferência das chuvas. Essas uvas produzem vinhos chamados de “Vinhos de Inverno”.

 

Jairo Vaz ainda enfatiza que, antes de se estabelecer em Morro de Chapéu, ele fez uma pesquisa extensa não apenas tratando dos aspectos geográficos da região, mas também turísticos. Durante suas viagens por outros países viticultores, além do vinho, o atrativo desses locais era o enoturismo. Ele ainda afirma: “Qualquer pequeno produtor que vai investir na produção de vinhos, ele não consegue viabilizar o seu empreendimento se não tiver uma estrutura enoturística”.  

 

Jairo Vaz (centro) na plantação de videiras em Morro do Chapéu em 2012 – Foto: Arquivo Pessoal | Jairo Vaz

 

Alguns desafios ainda precisam ser superados e, para isso, Jairo destaca a implantação de políticas públicas de incentivo aos pequenos produtores, cursos de capacitação de profissionais, maior acessibilidade em rodovias e deixa um recado final para a população baiana: “Existe uma coisa que a gente precisa colocar na cabeça das pessoas do nosso estado. Dar prioridade aos nossos produtos. O produto made in Bahia é fantástico. As pessoas, pelo menos, deveriam experimentar. Não é à toa que esses produtos estão ganhando prêmios. A gente tem coisas maravilhosas na Bahia, vamos valorizar o produto baiano”.

 

Segundo dados da Embrapa Uva e Vinho do ano de 2022, a Bahia é o sexto maior estado em produção de uvas de vinho no país. Além de ser o segundo estado mais produtivo em uvas por hectare, logo atrás de Pernambuco. Se feita uma comparação direta com todo o território nacional, na Bahia são produzidas 1,5 vez mais uvas que no resto do Brasil. 

 

Atualmente, segundo a OIV (International Organization of Vine and Wine), o país ocupa a 18° posição entre os maiores produtores de vinho no mundo. Atrás dos gigantes europeus Itália, França e Espanha que, juntos, somam 50% da produção global. Mas daqui a alguns anos os dados podem ter uma amostragem diferente. 

 

 


Maria Clara Costa – Estudante de Jornalismo na FACOM | UFBA e membro da Liga de Jornalismo Esportivo da UFBA (LJEU).

 

A motivação para a escolha da pauta surgiu após a descoberta de vinícolas no Vale do São Francisco e o contato com o vinho franciscano. A matéria objetiva trazer mais visibilidade para os vinhos produzidos no Vale e na Chapada Diamantina e ao enoturismo.

 

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