Censo de 2022 e Anuário da Educação de 2024 apontam que índices da educação básica evoluíram, mas analistas indicam carências persistentes
Paula Eduarda Araujo (as.paulae)
Os primeiros passos da educação e do futuro do Brasil se encontram já nos exercícios para decorar letras no ensino infantil. A Bahia, sobretudo sua capital, Salvador, tem demonstrado avanços, mas as políticas públicas de alfabetização ainda não são suficientes e demandam melhorias, como mostram números e análises de especialistas.
Conforme dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a Bahia foi o estado do Nordeste com menor porcentagem de analfabetismo – chegando a 12,6% contra os 16,6% do Censo 2010. Enquanto isso, em novembro deste ano, Salvador foi premiada pelo Ministério da Educação (MEC) com a categoria Ouro do Selo Nacional Compromisso com a Alfabetização.
Porém, na realidade diária, as famílias soteropolitanas ainda vêem falhas na rede de educação pública, como a falta de vagas. É o exemplo de Elisângela Costa da Silva, 29, trabalhadora autônoma que precisou matricular o filho Pedro Henrique, de 5 anos, em uma escola particular, pela ausência de vagas nas escolas públicas do local onde mora, no Bairro da Paz.
Segundo Elisângela, Pedro começou a frequentar a escola aos 2 anos, mas a maioria das instituições públicas não ofereciam ensino para essa idade, com exceção das creches.

Na avaliação de Elizama Sousa, pedagoga formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista em alfabetização e letramento, a redução do analfabetismo na Bahia é uma conquista importante, mas o processo precisa ser acelerado com investimento em informação continuada para professores, com foco em metodologias inclusivas.
“O fortalecimento do vínculo entre escola e território é fundamental para tornar a privatização um processo significativo e relevante para os sujeitos”, observa Elizama.
Em acordo com a análise de Elizama, Andreia Sena, também especialista em alfabetização e letramento e coordenadora pedagógica, pontuou que a efetividade das políticas públicas de ensino dependem ainda do desenvolvimento de alguns pontos.
Entre eles: a continuidade e financiamento dos projetos educacionais, a adaptação a cada comunidade específica, monitoramento e avaliação, valorização dos professores e participação da família no processo.
“A efetividade aumenta quando essas ações são integradas e acompanhadas de gestão eficiente e compromisso político”, salientou.
Além dos dados do Censo 2022, que revelou a existência de 1,4 milhão de baianos que ainda não sabem ler nem escrever, o Anuário Brasileiro da Educação Básica, elaborado pela organização Todos pela Educação, com dados da Pnad Contínua e do IBGE, apresentou números mais recentes sobre a evolução da alfabetização no Brasil e na Bahia.
O que os dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica dizem sobre a Bahia?
Entre as crianças na faixa etária de 0 a 3 anos, a evolução da Bahia segue inferior à do Brasil, mas ainda próxima às porcentagens dos estados vizinhos do Nordeste. Entre as razões de não frequência dessa população às escolas, 25% citaram a dificuldade de acesso, 35% ser uma opção dos pais e 3% atribuíram a outros motivos.
O professor e pesquisador da Faculdade de Educação da UFBA, Robert Verhine, salientou que o avanço educacional é lento em todo contexto, isto porque seus elementos principais estão baseados em um sistema educacional do passado.
“Os professores são produtos de educação no passado. Os alunos são produtos de pais que estudaram no passado. E todo aluno é fortemente influenciado pelos pais. Então, sem professores com nível de educação de boa qualidade, sem pais com nível de educação de boa qualidade, então é claro que o avanço da educação é sempre devagar”, ressalta Verhine.

Já com a faixa etária de 4 a 5 anos, a opção dos pais foi a maior razão para a não frequência das crianças à escola (4%), enquanto a dificuldade de acesso e outros motivos foram apontados como razões por 1% dos entrevistados.
A especialista Andreia Sena afirmou que na Bahia as maiores demandas para o acesso à educação incluem a infraestrutura escolar, o transporte, a formação e valorização dos professores, a oferta de vagas e o enfrentamento às desigualdades regionais.
Sen a indicou que a oferta de vagas para crianças de 0 a 3 anos segue escassa e as desigualdades, sobretudo entre as zonas urbanas e rurais, dificultam a capacitação e remuneração adequada dos professores.
Em paralelo a isso, o professor Verhine, um dos pesquisadores de referência na área da educação, comentou sobre outro ponto que trava a evolução da alfabetização na Bahia: o fato da educação, segundo ele, ser usada para interesses políticos partidários.
“A influência política não positiva para a educação tem sido muito evidente pela distribuição de recursos baseado em interesses políticos e pelas mudanças constantes nas secretarias de educação, tanto no nível do estado como nos municípios. Muitos dos secretários de educação, inclusive do estado, não têm uma formação na área de educação e essas pessoas são indicadas politicamente”, alertou.
Além disso, a gestão das escolas também têm problemas de qualidade, ao passo que, em muitos locais, há indicação política de diretores, e mesmo onde há eleições nesse sentido, às vezes a popularidade se sobressai na hora da escolha, não garantindo ser eleito o melhor administrador, explicou Verhine.
Falhas nas políticas públicas
Conforme informações da Prefeitura de Salvador, uma série de políticas públicas foram pensadas para reforçar o ensino básico, como a contratação de 400 ADI (Auxiliares de Desenvolvimento Infantil), que trabalham no apoio a alunos com necessidades especiais.
No entanto, a realidade vivida por Claudiane Sacramento de Souza, 35, e seu filho Vinicius, 7, revela dificuldades com relação às iniciativas do Poder Executivo Municipal. A criança, que tem transtorno do espectro autista e estuda na Escola Municipal Nova do Bairro da Paz, está enfrentando dificuldades com a alfabetização, segundo a mãe, e no momento se encontra sem ADI.
Claudiane, que também tem outra filha neurotípica, Jaiane, que está no Ensino Médio, afirmou não conseguir trabalhar, pois precisa cuidar dos filhos. Em suas tentativas de resolver a situação do filho mais novo, ela já acionou a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Conselho Municipal de Pessoas com Deficiência (COMPED) e enviou uma lista com o nome de crianças com deficiência, incluindo Vinícius, pedindo uma atenção especial à Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre), mas ainda sem resultados.
“Acredito que [Vinícius terá um ADI] só no próximo ano. O processo de alfabetização dele tem dificuldades, mas ele consegue. Agora no final do ano, ele regrediu um pouco em relação à leitura, pois ele não é alfabetizado, só conhece algumas letras, consegue juntar algumas sílabas, reconhece números e consegue somar”, explicou Claudiane.
Mas a família está empenhada em ajudar no processo educacional de Vinícius e a mãe se esforça para ter um preparo mínimo e estar atenta às novidades que podem ser positivas para seus filhos.

“Estou ensinando ele em casa, fazemos as atividades propostas, eu também procuro artigos para imprimir, mas como não tenho impressora fico com um pouco mais de dificuldade. Sempre procuro ter materiais adaptados para ajudar eles”, relatou Claudiane.
A mãe mencionou sentir falta de materiais adaptados e um plano de desenvolvimento individual para cada criança portadora de deficiência intelectual, não apenas através do ADI, mas também com o AEE (Atendimento Individual Especializado).
A participação da família é fundamental nesse processo, reforçou a educadora Elizama Sousa, pois o núcleo especializado cumpre um papel de mediador, mas, às vezes, o letramento dificulta que a família tenha condições de auxiliar no ensino.
“É essencial criar programas que engajem as famílias, mostrando que a alfabetização é uma conquista coletiva. Bell Hooks fala da importância da comunidade de aprendizagem e acredito que envolver as famílias de forma efetiva e colaborativa é a chave para superar algumas dessas dificuldades”, disse Sousa.
Bell Hooks, pseudônimo da professora estadunidense Gloria Jean Watkins, uma escritora e ativista estadunidense que faleceu em 2021.
A influência dos professores
Para um percurso de alfabetização bem sucedido, a outra figura além da família que protagoniza o aprendizado dos alunos: os profissionais da educação. Como indicam dados do Anuário Brasileiro da Educação, houve progresso nos quesitos de formação e remuneração dos professores, mas os índices ainda chamam atenção para melhorias necessárias.
Nos números gerais do Brasil, agrupados pela entidade Todos pela Educação, no quesito formação do corpo docente, cerca de 12,8% dos profissionais da educação básica não tinham graduação, em 2023. Sendo que, na educação infantil, 1 a cada 5 profissionais não têm curso superior.
Robert Verhine explicou que o problema começa pela falta de professores para ocupar disciplinas relevantes do ensino, como português e matemática .
“Temos um problema de salário. Pessoas altamente qualificadas para ensinar conteúdos, por exemplo, na área de ciências, na área de matemática, também têm oportunidades fora da área de educação que pagam bem melhor. Então, atrair pessoas para educação com essas competências mais especializadas é muito, muito difícil”, disse o professor.
A observação se confirma também nos dados reunidos no Anuário, com a indicação de que o rendimento médio dos professores com ensino superior é de R$4.942, um valor equivalente a 86% do rendimento de profissionais com o mesmo nível de escolaridade e que atuam em outras áreas (R$ 5.747).
O pesquisador salientou que a Bahia tem problemas com a falta de professores no geral, visto que muitos professores ensinam em mais de uma escola ao mesmo tempo, o que os sobrecarrega e compromete a qualidade do ensino.
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Paula Eduarda Araujo é estudante de jornalismo da Universidade Federal da Bahia, atualmente trabalha na área de economia e escreve sobre o mercado financeiro e política. O que motivou a escolha da pauta foi o fato que Bahia tem ocupado o posto de estado menos alfabetizado do país há 30 anos.