Organizadores enfrentam dificuldades para promover festas na universidade após ocorrências durante o “Paredão da FACOM”
Leo Prado (@leopradoxs) e Thyffanny Ellen (@thyffannyellen)
Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o início de cada semestre letivo é marcado por festas gratuitas que funcionam como acolhimento aos novos alunos. As chamadas “calouradas” são organizadas pelas atléticas e centros acadêmicos de cada curso e costumam ocorrer dentro dos campi, reunindo calouros e veteranos em momentos de integração. Nos últimos meses, porém, estudantes e organizadores estão sem garantia sobre a realização das próximas edições.
O “Paredão da FACOM”, festa promovida pelo Centro Acadêmico Vladimir Herzog em setembro deste ano gerou polêmica após a circulação de vídeos nas redes sociais de uma briga generalizada ocorrendo no local de realização, em frente a Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (FACOM/UFBA). Desde o ocorrido, devido à repercussão negativa, nenhuma outra festa aconteceu nos espaços dos campi universitários. Algumas foram barradas pelas unidades responsáveis e outras tiveram dificuldades para cumprir as exigências necessárias de segurança e saúde.
A briga em questão foi noticiada nos principais veículos jornalísticos da capital baiana, em sites e perfis online. Conforme o site Alô Juca, a confusão teria iniciado por motivos de ciúmes, entre dois homens e uma mulher, e não envolveria estudantes da FACOM ou da UFBA. Nos comentários das postagens, parte do público criticava a realização de um evento do tipo em um ambiente universitário, além de questionar a segurança.
Além da confusão, a festa gerou revolta em moradores do entorno, que se manifestaram nas redes sociais alegando incômodo pelo som alto além do horário permitido (veja na publicação abaixo):
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Em nota, à época, a UFBA repudiou os eventos ocorridos durante o Paredão, dizendo que a poluição sonora e o episódio de violência estavam “em completo desacordo com os normativos internos da Universidade e com os princípios de convivência institucional”. O comunicado dizia ainda que medidas administrativas estavam sendo tomadas para apurar os fatos, e que o objetivo era “assegurar que eventos desta natureza não se repitam”.
O Centro Acadêmico Vladimir Herzog, por sua vez, também publicou uma nota. No perfil do Instagram, o texto reforça que o Paredão da FACOM é “um evento cultural, gratuito e acessível, organizado por estudantes e aberto à comunidade”, defendendo que o propósito é fortalecer vínculos entre universidade e sociedade. O C.A. rejeitou a forma como o episódio foi repercutido, dizendo que “um momento isolado” foi usado para reforçar estigmas e que o evento, na verdade, “valoriza e celebra a cultura negra e periférica dentro da universidade pública”.
Consequências
Uma das primeiras vítimas da repercussão foi a Pinguçu, atlética do Instituto de Matemática e Estatística (IME), que teve sua festa, a “Pinguçada”, barrada pela Congregação da unidade.
Então presidente da Pinguçu, o estudante Lourran Novaes explica que o evento já possuía uma autorização verbal da direção do IME, mas após a avaliação formal, que ocorreu na semana seguinte aos eventos na FACOM, a festa não foi autorizada. “Até hoje estamos vendendo as bebidas que já tínhamos comprado, além de várias outras coisas que já estavam pagas”, comenta.
“Já estava totalmente organizada, seguindo todas as exigências que a UFBA solicitava e a documentação, mas não pôde acontecer, justamente por conta da polêmica com a festa da FACOM. Foi uma repercussão negativa numa escala que eu nunca tinha visto antes na universidade”, conta o ex-presidente.
Segundo ele, a Congregação utilizou os eventos da semana anterior na justificativa formal para a não autorização, além de alegar que o público estimado, cerca de 300 pessoas, seria inviável para o local de realização, no prédio do instituto. “Apesar de chateados, nós compreendemos, é uma consequência do que ocorreu. A imagem da UFBA estava manchada, então, de fato, não seria viável fazer uma outra festa dentro do mesmo campus, seria pedir demais”.
Desde abril deste ano, o sistema de avaliação e aprovação das festas tem de passar por estas congregações das unidades, formadas por diretor, vice-diretor, coordenadores, professores e servidores. Esta mudança ocorre após a Reitoria da UFBA publicar uma portaria de regulamentação com exigências para realização destes eventos, já que antes a autorização acontecia de forma mais “informal”, cabendo apenas à direção de cada departamento.
Assim, além de listar os critérios obrigatórios a serem atendidos, como plano de segurança, pronto-atendimento de saúde e presença de bombeiros, a regulamentação exige que a congregação da unidade seja a responsável pela avaliação e aprovação do pedido de realização de uma festa.
Veja a resolução completa da Portaria Nº. 094, de 03 de abril de 2025:
Vice-diretor do IME, o professor Joilson Oliveira explica a decisão referente à Pinguçada: “Mesmo que o pedido da festa esteja totalmente alinhado com as exigências da portaria, a Congregação tem o poder de simplesmente decidir que não quer que o evento aconteça no seu espaço, e foi isso que aconteceu”.
“De fato, a repercussão na imprensa e nas redes sociais por conta da festa passada foi um dos motivos para avaliarmos que não seria adequado acontecer. O nome da universidade fica ‘na rua’, então é arriscado”, completa.
A realização do Paredão
Em reunião ordinária do Conselho Universitário da UFBA, realizada no dia 30 de setembro de 2025, o então diretor em atividade da FACOM, Washington Filho, esclareceu o envolvimento da unidade com a realização do Paredão. Conforme ata, o professor justificou que a Congregação deliberou que o evento ocorresse com a promessa de que se limitaria à área externa do prédio de comunicação, conhecida como “varandinha”, o que não aconteceu.
A reportagem ainda teve acesso ao documento oficial enviado pela FACOM ao C.A. Vladmir Herzog após o aval da Congregação. Nele, o texto reiterou a “importância do alinhamento com a COSEG [Coordenação de Segurança] quanto ao plano de segurança e logística”, e colocou a direção da unidade “à disposição para os devidos trâmites e para garantir que o evento ocorra em conformidade com as normas da instituição, preservando o patrimônio e assegurando o sucesso da atividade”.
Segundo ela, a organização buscou seguir todos os trâmites institucionais, entrando em contato com os órgãos administrativos e tentando apoio da COSEG. Apesar disso, a discente afirma que “não houve um diálogo efetivo” com a coordenação, que manteve uma equipe nos portões de acesso para controlar a entrada de ambulantes. Além disso, o pedido oficial de realização da festa não foi feito dentro do prazo mínimo de 45 dias de antecedência exigido pela universidade, o que foi relevado pela avaliação da Congregação. “Teve puxão de orelha, mas houve essa ‘passada de pano'”, brinca.
Com isso, boa parte da estrutura precisou ser adaptada em pouco tempo. O palco, os pontos de som e as áreas de circulação foram definidos de última hora, o que, segundo Ana, comprometeu parte do planejamento inicial. A segurança terceirizada contratada atuou apenas por um período, estando ausente na parte da madrugada, e sem o espaço adequado e com o público crescendo rapidamente, a festa acabou se estendendo para além da área prevista.

A discente reconhece que, embora o evento tenha se destacado pela grande adesão e visibilidade, acabou saindo do controle. Segundo ela, “quando a festa acontece em uma instituição pública e viraliza nas redes, é preciso estar preparado para todo tipo de público”. Ainda assim, ela avalia que o resultado foi positivo pelo alcance e pela visibilidade conquistada: “foi uma festa que conseguiu furar a bolha e movimentar muita gente, mesmo com poucos recursos”. Até a publicação desta reportagem, houve tentativa de contato com a COSEG para comentar o caso, mas não obtivemos retorno.
Veja na na íntegra a entrevista com Ana Marcele Maciel:
O que diz a UFBA
Com o desaparecimento das calouradas já no início do semestre, a especulação da comunidade estudantil sobre um possível fim dessas festas foi inevitável. Foi aí que surgiram boatos, em redes sociais e corredores, de que a própria Reitoria da UFBA teria banido este tipo de evento.
Por meio da assessoria de comunicação, a universidade desmentiu a especulação e disse que “quando há medidas como proibição e mudança de regulamento isso é amplamente divulgado, então é só um rumor”. A resposta ainda ressalta que a última atualização oficial sobre o assunto é a publicação da portaria de abril, e que as congregações das unidades seguem como as responsáveis pelas aprovações ou desaprovações.
Mas outra calourada bastante conhecida pelos estudantes que precisou ser cancelada foi a do curso de química, a “Quimicarregue”, organizada pela Atlética Reativa e o Centro Acadêmico Profa. Nair da França e Araújo. Em 2025, a festa só teve sua primeira edição no ano, em abril.
Pedro Macêdo, ex-presidente da atlética do curso de química (Reativa), explica que houve uma dificuldade maior de tramitação neste semestre comparado aos demais, devido às novas exigências estabelecidas “Essa portaria exigiu diversas coisas em relação a som, organização, contratação de bombeiros, preenchimento de inúmeros formulários que a gente procurava, não achava, entrava em contato e demoravam para responder”. Com essa situação, a organização da festa não conseguiu juntar todos os documentos necessários à tempo para realizar o evento.
Mesmo com o impasse, ele assegura que a Reativa não deixará de tentar realizar o evento nos próximos semestres. “O Quimicarregue não morreu, a gente sempre levou como uma festa de calourada, então no próximo semestre tentaremos retomar, fazer toda a documentação com precedência, tentar de novo as tratativas iniciais com a superintendência”.
Para Osny Guimarães, coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE), a portaria em vigor teve efeito direto às entidades estudantis. “O que causou a não realização das atividades das Atléticas e dos C.A.s foi o medo da penalização por não cumprimento da minuta”. Ele relata que grupos que tradicionalmente organizavam festas nos próprios campi passaram a evitar esses espaços por receio das exigências.
“As Atléticas, os C.A.s e os coletivos que fazem atividades na UFBA ficaram muito preocupados em serem penalizados pelo não cumprimento dessa minuta, atrapalhou a realização das atividades”. Osny conta que atléticas que faziam festas nos seus campi passaram a solicitar o prédio do DCE para poder fazer atividades. “A gente teve acho que quatro ou cinco festas, mais eu acho. Só essa semana foram três na sede do DCE”.
Assim, no semestre 2025.2, apenas duas das tradicionais calouradas ocorreram: o Paredão e a Cachorrada, festa do curso de Farmácia, realizada na semana anterior à de Comunicação. Maurício Guimarães, presidente da atlética de Farmácia, a Magistral, afirma que a intenção é manter a tradição, mas o cenário ainda é incerto. “Não sabemos se a UFBA irá liberar essa confraternização novamente após o acontecimento com a última festa realizada em setembro”, diz.
Segundo ele, mesmo com o crescimento do público ao longo das edições, o propósito da Cachorrada permanece o mesmo. “O nosso objetivo é justamente a integração. E essa integração funciona mesmo tendo a entrada de gente externa. Mas o nosso objetivo, 100%, é a integração dos alunos, calouros com veteranos, de Farmácia”.
Efeito borboleta
Para além da integração entre os estudantes não apenas do curso, mas da universidade, as calouradas servem também como uma forma de visibilizar as faculdades. Ao acompanhar a evolução das três edições do Quimicarregue, Pedro revela que o impacto do evento ultrapassou as noites que foi realizado. “Foi bastante benéfico para o curso, porque é um curso bastante desagregado. A gente via que a evasão era muito grande”.
Em mais de um ano, a festa, junto a outras ações da atlética, trouxeram aos estudantes o sentimento de pertencimento ao instituto. “O estudante sente um pouco mais de orgulho e mais vontade de permanecer no Instituto de Química. É um curso bastante pesado, e as pessoas queriam, quanto menos ficar no Instituto de Química, melhor”.
Fora do efeito no corpo discente, a realização da festa ajuda diretamente no sustento financeiro da Reativa: “Buscamos ter um certo lucro porque é a partir dessa monetização que a gente consegue verba para manter a nossa atlética esportivamente dizendo ativa para a compra de materiais esportivos e de roupas”.
Mesmo com uma reserva acumulada, o cancelamento do Quimicarregue neste semestre atingiu negativamente a equipe. “Impactou um pouco a atlética, mas a gente tinha uma certa reserva. Nós fizemos um investimento relativamente alto agora, porque vai ter o Jufba, então com certeza impactou, mas não de forma significativa com a gente”.
Segundo Maurício, a possível interrupção da Cachorrada afetaria diretamente a integração dos estudantes. Ele explica que a festa, organizada junto ao Diretório Acadêmico (DA), sempre funcionou como um dos principais espaços de encontro entre calouros e veteranos. “A cachorrada é um momento muito bom para os alunos que estão entrando agora conhecerem os veteranos, fazerem contato, conversar e se encontrar dentro da universidade”, diz. Segundo ele, essa troca é essencial para quem chega à UFBA sem referências. “Quando você entra na universidade, não tem um tutorial. O veterano te orienta. Sem esse encontro, isso fica muito defasado”.
No aspecto financeiro, a festa também cumpre papel central. “É uma forma do DA conseguir dinheiro para fazer as coisas para o estudante de Farmácia”, afirma, lembrando que os recursos mantêm desde a estrutura do DA até as atividades esportivas da atlética, como as práticas de vôlei e futsal. A verba garante materiais, uniformes e a participação da Magistral em campeonatos, além de permitir ampliar modalidades para contemplar mais estudantes. Sem as confraternizações, ele diz, a atlética ficaria limitada. “A gente fica muito defasado para comprar material esportivo e participar de competições. Esses eventos são essenciais para manter o esporte vivo dentro da universidade”.
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O coordenador do DCE reforça que manter esses eventos não é só uma questão prática, mas também simbólica, já que eles são parte do que sustenta a própria experiência estudantil. “Na parte mais abstrata, é a valorização do fomento da cultura, a arte, o direito dos estudantes de se expressar, o direito ao lazer”, afirma. Ao mesmo tempo, lembra que existe toda uma estrutura que depende diretamente dessas festas: “As entidades, e atléticas principalmente, se dedicam para fazer uma semana de acolhimento, mesa de debate ou roda de conversa. As festas são espaços que eles conseguem recursos ao vender seus produtos, marcas, canecas e camisas, para poder ter condição de fazer essas outras atividades durante o ano”.
Ele também destaca o papel político e de acolhimento que essas atividades cumprem no cotidiano da UFBA, algo que, segundo ele, não pode ser desconsiderado. “Tudo isso é acolhimento, é cultura, é arte, é lazer”. Por isso, acredita que impedir ou restringir essas iniciativas descaracteriza a universidade. “Não adianta a gente ter uma universidade com 55 mil estudantes e não conseguir manifestar isso de forma artística e cultural.” Na avaliação de Osny, a minuta apresentada vai na direção oposta: “As pessoas não querem só estar dentro da sala de aula a semana toda. Se elas querem sair, divertir e usar o espaço da universidade para fazer isso, tem que ser um direito. Tem que celebrar, porque senão a gente vai ficar numa universidade quadrada”.
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Leo Prado é de Salvador (BA) e estuda Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente estagia na assessoria de comunicação da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP/BA), e já atuou como repórter do jornal A Tarde na editoria Salvador.
Thyffanny Ellen é de Livramento de Nossa Senhora (BA) e estuda Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente estagia como repórter do jornal A Tarde na editoria Salvador.
O interesse por esta pauta surgiu após os rumores sobre um possível fim das calouradas na UFBA, que mobilizam milhares de estudantes todos os semestres. O objetivo foi entender como surgiram esses boatos e qual seria o impacto disso na comunidade acadêmica.







