Três lições sobre ser um jornalista dedicado à escrita
Com o que você trabalha? Com textos. Eu conto história através de palavras. Até mesmo a outra parte do meu trabalho, apurar histórias, que confesso gostar mais do que escrever, também só faz sentido se depois elas forem escritas. Ou pelo menos era assim, quando a minha ‘skin’ repórter estava mais aflorada. Hoje estou mais dedicado ao ensino, mas ainda me considero jornalista e ponto. Mas a parte de ser jornalista propriamente de texto já me causou algumas inseguranças – e todas elas me fizeram tirar boas lições. Um desses momentos em que me questionei foi quando eu passei pelo então ID 126, mas talvez seja melhor eu contar do começo.
Escrever se tornou um porto seguro para mim desde a infância. Uma forma de me expressar sem muita censura sobre minha voz, o jeito que eu falava e gesticulava – traumas de “criança viada”, sabe? Péssimo! Eu escrevia muitas peças de teatro quando era adolescente, minhas redações se destacavam no ensino médio, na aula da minha professora de Portugês, Simone. Faria então jornalismo por gostar de escrever.
Cheguei, então, na faculdade “cheio de mim”, como dizem. Pelo menos escrever eu achava que sabia. Mas eu lembro como hoje do revés de um dos primeiros textos que o professor de Oficina de Escrita me entregou corrigido à mão, completamente riscado. Naquele dia, eu almocei com um amigo em um daqueles ‘coma à vontade’ na Avenida Carlos Gomes e nem apetite eu tive direito. “Não dou pra isso. E agora?”. As deficiências do ensino básico e o pouco contato com pessoas letradas gritavam que não bastavam criatividade, boas narrativas. Havia regras que eu precisava seguir e aprender. Essa foi a lição número um.
A faculdade, seja ela qual for, tem uma função essencial de nos mostrar possibilidades, uma função pedagógica baseada na “perigosa” exposição às coisas do mundo ou das possibilidades da profissão. Eu cheguei decidido a ser um profissional de texto. Lembra? Fotografar não é pra mim, check! TV? Deus me livre! Check. Humm, rádio é legal. Mas ainda prefiro escrever. Então, check: serei um profissional do texto. Mas o ID 126 tinha um imperativo que questionava esse lugar do “texto ou…” para pensar “o texto e…”. A professora Suzana provocava. E o multímidia? Cabe um infográfico? Não vai fazer um vídeo disso aqui não? Talvez ainda seja assim, visto que até quando me convidou para colaborar com esta coluna, pontuou: “é para você escrever… ou outro formato que você queira”. Lição número 2: o texto, mesmo que seja sua forma de expressão de deleite, pode não ser a melhor forma para contar a história que você quer contar; ou, no digital, não precisa ser a única.
Mesmo que escolha o texto, questionar se é o formato ideal faz bem, até para escrever melhor, convicto disso. Ou talvez essa seja uma desculpa que inventei depois de, ironicamente, me pegar escrevendo isso aqui depois de me perguntar se não era melhor ter gravado uma coluna em forma de vídeo para galera. Um reels ou um TikTok com “três lições que aprendi me decepcionando com o texto”. Quem sabe? De qualquer modo, foi bom lembrar de redes sociais. Foram elas que me impuseram a terceira onda de crise. Depois de anos trabalhando para um jornal impresso e para veículos baseados essencialmente em texto, foram elas que me colocaram à prova para pensar se ainda hoje há lugar para um profissional de texto. Olha que eu nem estou com medo da IA, mas me assusta o imperativo do vídeo, formatos rápidos e, principalmente, os dados de comportamento que indicam uma média de 26 segundos para consumo de textos na internet (Inclusive, você ainda está aí?).
Talvez eu não tenha ainda uma lição em relação a esse terceiro momento de questionamento (vide esse texto com quase 850 palavras e dez minutos de tempo médio de leitura), mas isso tem me instigado a, no último ano, buscar me atualizar sobre a escrita para internet. Já reparou que há inovações sendo vendidas para vários formatos, mas quando o assunto é texto, principalmente jornalístico, parece que tudo ainda é como antes? Claro que tem uma discussão sobre UX Writing interessante (embora exija muito garimpo, como quase tudo desse mercado de marketing digital); o trabalho da Axios e sua metodologia Smart Brevity parecem promissores (até escrevi uma matéria sobre isso – olha, Suzana, não tem multimídia, mas tem hiperlinks). Mas ainda sinto que temos o que aprender nesse fronte.
O que eu sei é que não posso reclamar de bloqueio de escrita ou algo do tipo, o que, ainda bem, diminui o risco de virar mais um desses escritores de romance ou roteirista de filme que, não sabendo o que escrever ou querendo a empatia de tantos outros profissionais de dedos inertes, aumentam o volume de produções sobre o tema. Mas a crise sobre a escrita tem me rendido boas reflexões e, sobretudo, tem me feito, olha só, escrever coisas, como essa aqui que, por sorte minha, encontrou sua leitura.
* Alexandro Mota é jornalista com atuação em Salvador-BA. Já colaborou para veículos como UOL Tab, Estadão Verifica, O Globo, G1 e Correio* (onde iniciou a carreira), além de ser um dos fundadores do Coletivo Interface. É mestre e doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, está como professor substituto na FACOM | UFBA pela segunda vez (2019; 2024) e é pesquisador do Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line (GJOL) desde 2016. Foi da turma de 2009.2 de Jornalismo na FACOM | UFBA e passou pela disciplina Oficina de Jornalismo Digital no semestre 2012.1, sob a condução da Profa. Suzana Barbosa, com a participação do tirocinista Vitor Torres, quando atuou no produto laboratorial ID 126. Foi vencedor naquele ano com reportagem produzida para o ID 126 na Expocom Nordeste e na Expocom Nacional, prêmios conferidos pela Intercom.