ONU decreta 2025 o “Ano Internacional do Cooperativismo”, fomentando a discussão sobre este modelo de negócio que estimula a equidade e a intercooperação
Beatriz Castellucio (@beatrizcastellucio) e Rebeca Mascarenhas (@rebecamascarennhas)
Não é incomum associar “cooperativismo” apenas com cooperativas de reciclagem de lixo. Isso porque o conceito do modelo de negócio cooperativista ainda é um assunto desconhecido e incipiente no Brasil, quando se compara com outros países. Mas o que é mesmo “Cooperativismo” e como ele afeta, na prática, a vida dos cidadãos?
Em 1844, junto com o termo, a primeira cooperativa foi fundada na cidade de Rochdale (Manchester, na Inglaterra). Já no Brasil, a primeira cooperativa surgiu em 1889, em Minas Gerais. A Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, tinha como foco o consumo de produção agrícola. Hoje, o Brasil conta com mais de 4.509 cooperativas em diversos ramos: crédito, agropecuária, saúde – como na área de odontologia e fisioterapia -, infraestrutura, transporte, entre outros.
O Cooperativismo é um modelo de negócio originado a partir da motivação de trabalhadores, insatisfeitos com as taxas tributárias, buscarem meios para melhorar suas atividades: reduzir os custos de produção, além de adquirir novas máquinas e equipamentos necessários para o trabalho. Este movimento social e econômico é caracterizado pela união entre pessoas com o mesmo interesse que buscam, através da colaboração entre si, ter benefícios como menores taxas e custos de produção, redução de impostos, ao mesmo tempo que oferecem à sociedade um serviço de qualidade e com preços abaixo do mercado.
Segundo o economista e educador financeiro Márcio Araújo, um dos pontos principais do cooperativismo, que difere de outros modelos, é que o principal objetivo não é o lucro. “A essência é a ideia de não ter apenas o lucro, logo as margens são incomparáveis com uma empresa de outra categoria. O que o modelo quer é o benefício em comum entre os seus membros, então os preços são menores. Além de que a legislação tributária brasileira oferece benefícios em relação aos impostos, esses valores são menores ou mais justos, relacionados ao segmento em que ela atua”. A legislação, a qual o economista se refere, está baseada na lei Nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo.
O movimento cooperativista possui assim outros objetivos além do lucro, como o alto impacto social e a gestão empresarial de forma colaborativa e democrática. No entanto, o Sistema OCB, órgão responsável por desenvolver e representar o cooperativismo no Brasil, reforça em sua comunicação que esse modelo de negócio é lucrativo para os envolvidos. Campanhas promovidas pela entidade, como “O cooperativismo é um bom negócio” vai contra a ideia do senso comum de que o cooperativismo moderno não leva em consideração o dinheiro. O que os dados mostram é que esse modelo é sim um negócio financeiramente viável. Segundo o órgão, em 2023 o cooperativismo gerou R$692 bilhões, sendo responsável pela criação de mais de 550 mil empregos formais e sendo fonte de renda para mais de 23 milhões de cooperados.
Dados financeiros do cooperativismo brasileiro em 2023 divulgado pelo Anuário COOP. Fonte: As autoras.
Os preços mais acessíveis oferecidos pelas cooperativas também se refletem na economia e na qualidade de vida das pessoas. Segundo o economista Araújo, quando se fala de cooperativa de crédito, por exemplo, é possível ver em números o quanto este tipo de modelo impacta. “A cada R$1,00 que uma cooperativa libera de crédito em uma cidade,

incrementa-se R$2,45 no PIB”, explica Araújo. As cooperativas de crédito são as mais conhecidas no Brasil. O Sicoob Coopere, integrante do Sistema Sicoob que é a maior rede de cooperativas financeiras do país, é um modelo cooperativista que oferece aos beneficiários menores taxas e oportunidades de financiamentos facilitadas. A presidente do Sicoob Coopere, Vandalva Oliveira, explica que um dos objetivos da cooperativa consiste na educação e na formação dos cooperados e beneficiários. “Um grande diferencial do Sicoob está no propósito de “conectar pessoas para promover justiça financeira e prosperidade” e, para isso acontecer, tem como destaque a capacidade de chegar em regiões e municípios distantes dos centros urbanos, que são desprovidos de serviços financeiros e têm uma população que necessita de inclusão e cidadania financeira”.
Os serviços mais acessíveis oferecidos pelas cooperativas refletem também em diversas áreas da sociedade e contribuem para honrar os princípios deste modelo empresarial que busca, sobretudo, a equidade, a intercooperação e a educação. Na Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá, a COOPERCUP, a empresa não só mexe com a economia local desses municípios do sertão baiano, mas também promove a sustentabilidade e a preservação dos costumes locais. “Nossos produtos são frutos da agricultura familiar. Prezamos pelas histórias encontradas em campo e pensamos em como podemos trazer benefícios aos cooperados. Com o trabalho realizado, é possível levar projetos e trazer mais inovação. Isso acontece por preservarmos a parte ambiental, entendendo que é de lá que vem nossas inspirações considerando que nossos produtos são baseados na cultura e tradição”, declara Carla Pereira, diretora financeira da cooperativa.
Para além dos valores acessíveis e da preocupação social, o que se vê no funcionamento interno das cooperativas é a transparência – como no site do Sicoob onde estão disponíveis relatórios e prestações de contas -, a gestão democrática horizontal, na qual predomina a mobilidade nos cargos de direção. O Estatuto Social da Cooperativa criado no ano de 1844 e reformulados nos Congressos de 1937, 1966 e 1995 da Aliança Cooperativa Internacional (ACI) apresenta os “07 Princípios do Cooperativismo”, sendo um deles a “Gestão democrática pelos membros”. Dessa forma, a direção da empresa, assim como o conselho fiscal e outros cargos são voláteis dando a oportunidade do negócio ser coordenado por diferentes cooperados. “Outra grande diferença [do modelo de sociedade mercantil] está no modelo de gestão do negócio cooperativo: representantes do quadro social são eleitos para tomar decisões numa gestão democrática”, declara Vandalva Oliveira.
Veja a seguir os Princípios do Cooperativismo:
Slideshow elaborado pelas autoras.
ONU declara 2025 como “Ano Internacional do Cooperativismo”
A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2025 como o “Ano Internacional do Cooperativismo”, reforçando o papel das cooperativas no desenvolvimento sustentável. A decisão foi tomada em Setembro de 2024 na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, Estados Unidos, e aprovada com unanimidade devido ao alinhamento e compromisso do modelo de trabalho cooperativista com a Agenda 30 da ONU, uma série de acordos para o desenvolvimento social no planeta. Segundo a ACI, os cooperados somam mais de 12% da população mundial e geraram mais de 280 milhões de empregos.
O tema definido foi “Cooperativas constroem um mundo melhor”, e busca refletir o impacto que as cooperativas geram na sociedade e caráter humano de gestão. Essa é a segunda vez que a ONU chama atenção para o Cooperativismo, sendo a primeira em 2012. Na época, a proposta era destacar o papel das cooperativas em situações de crise, como na crise financeira mundial de 2008, momento em que esse modelo de negócio se mostrou estável.
Para a presidente do Sicoob Coopere, Vandalva Oliveira, essa é uma oportunidade para mais pessoas conhecerem o cooperativismo. “É um momento propício para comunicarmos mais e melhor o diferencial do nosso negócio, que na sua essência fortalece a empregabilidade e as economias locais; gera e distribui riquezas; promove inclusão, diversidade e equidade; dissemina e implementa princípios de Educação, Formação e Informação, de Intercooperação e Interesse pela Comunidade”, declarou.
Visando aproveitar a oportunidade do Ano Internacional das Cooperativas, as empresas têm se preparado de diferentes formas. A COOPERCUC possui sete objetivos, entre eles a expansão dos negócios comerciais, promoção da sustentabilidade, consolidando a referência em sustentabilidade no semiárido da Bahia, capacitação dos cooperados, ampliando a inclusão de jovens e mulheres na cadeia produtiva. “Também é uma oportunidade de consolidar seu papel como modelo de cooperativismo sustentável, inclusivo e inovador. Mostrando ao mundo a importância do trabalho coletivo na promoção do desenvolvimento regional e da conservação ambiental”, concluiu a diretora financeira da organização, Carla Pereira.
O Sistema Oceb, órgão responsável por desenvolver e representar o cooperativismo na Bahia, também tem grandes objetivos para 2025. O presidente do sistema, Cergio Tecchio, destacou que essa é a oportunidade de mostrar que o modelo cooperativista é a melhor alternativa de negociação. “Negócio para todas as sociedades, seja qual for a atividade profissional, o cooperativismo oferece ferramentas, trabalho e dignidade para os que queiram participar. Com isso, a Oceb tem o foco principal na divulgação do que o cooperativismo faz, oferece e da importância da sociedade se organizar em forma cooperativista para o desenvolvimento das pessoas, das famílias e da sociedade. Com isso, para o Ano Internacional do cooperativismo, existe toda uma programação em nível local, em nível nacional que a gente integra um sistema nacional do Sistema OCB e juntos vamos fazendo um trabalho muito forte no sentido que a sociedade participa e conheça a força do cooperativismo e a oportunidade que lhe oferece”, declarou.
Gráfico com iniciativas das cooperativas que impactam nas ODS da ONU
Educação cooperativista na Bahia
A educação, como forma de conscientização e promoção de conhecimento, é um importante caminho para o desenvolvimento das cooperativas e dos cooperados. Na Bahia, iniciativas como o Sistema Oceb possuem um papel fundamental para a ampliação do modelo de negócio. “O Sistema Oceb tem uma estrutura de planejamento estratégico aprovado e sugerido pelas cooperativas e nisso a gente desenvolve um trabalho integrado com todas as cooperativas registradas. Isso faz com que se possa desenvolver o cooperativismo no estado com toda a organização que nós temos e com a participação do nosso SESCOOP, que é o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo”, declarou Cergio Tecchio.
O conhecimento sobre este modelo de negócio também chegou ao ambiente acadêmico. A Universidade Federal do Recôncavo Baiano, em Cruz das Almas (BA), foi pioneira ao fundar o Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Cooperativas, em 2008, com o objetivo de suprir uma lacuna no ensino do cooperativismo e do associativismo na educação superior. O curso possui um papel importante no desenvolvimento de cooperados, principalmente das cooperativas agropecuárias. Dos estados nordestinos, a Bahia é o que apresenta o maior número de estabelecimentos agropecuários, são 762.848 (32,8% do total do Nordeste), conforme os dados do Censo Agropecuário. Do total de estabelecimentos de estabelecimentos agropecuários baianos, 14.567 estão associados a cooperativas (43,4% do total de estabelecimentos associados da região). “O curso tem promovido a qualificação de grupos informais, empreendimentos associativos e cooperativos e de economia solidária por meio do ensino, com a formação de gestores de cooperativas para atuar no campo, na pesquisa e extensão, na medida que tem se dedicado a projetos em parceria com a comunidade, se destacando por seu caráter extensionista”, explica Daciane de Oliveira, administradora e coordenadora do curso.
O futuro é cooperativista
O cooperativismo se mostra um modelo estável de negócio e, devido ao princípio de interesse pela comunidade, possui um papel relevante para a construção do futuro. Pesquisa realizada pela Global Consumer Pulse mostrou que 83% dos brasileiros preferem adquirir produtos que defendem os mesmos propósitos que seus valores de vida, dando uma vantagem competitiva para as cooperativas. “É um modelo que agrega muita à sociedade. Pelo nome, às vezes a gente não identifica que é uma cooperativa. A maioria dos alimentos que os brasileiros consomem, o arroz e o feijão, é oriundo de cooperativa. 80% da carne de frango que é exportada é de cooperativas”, declara Márcio Araújo.

Uma das cooperativas mais antigas da Bahia, a Uniodonto, que se caracteriza por ser uma cooperativa de plano de saúde odontológico, representa esse passado estável e futuro promissor. A empresa, que tem 40 anos de atividade, está presente em todas as capitais do Brasil e possui 5 unidades no estado da Bahia. Para Tatiana Santos, gerente administrativa da Uniodonto, um dos motivos que explica a longevidade e o sucesso empresarial é a flexibilidade e objetivos bem definidos. “Não existe um dono. A gestão vai mudando a cada 4 anos. Não se pode ter uma ideia engessada sobre o produto ou sobre o serviço que está sendo oferecido, tem que ter renovação sempre. Acredito que é isso que tem mantido a Uniodonto tanto tempo no mercado: é estar se adaptando e se moldando às necessidades”, completa.
Por fim, para aqueles que nunca consumiram produtos das cooperativas, Tatiana Santos, chama atenção para a necessidade da população conhecer e consumir produtos de origem cooperativista. “A gente precisa que o Cooperativismo ganhe visibilidade, que as pessoas entendam o diferencial de contratar um serviço de uma cooperativa. Que as pessoas entendam a importância do cooperativismo para a sobrevivência. Não só no crédito, na saúde, o pessoal do agro e etc”.
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Beatriz Castellucio é estudante do 6º semestre de Jornalismo na FACOM | UFBA. Faz estágio na TV UFBA.
Rebeca Mascarenhas é estudante do 6º semestre de Jornalismo na FACOM | UFBA. Pesquisa sobre a gestão de crise de imagens. O tema foi escolhido a partir de experiências pessoais com empresas cooperativistas.