Falta de materiais, equipe reduzida e capacitação profissional são as principais queixas
Elis Dourado ( @elis.douradooo )
Para ver de perto como este atendimento funciona, fomos até a Escola Municipal do Parque São Cristóvão Professor João Fernandes da Cunha, localizada no bairro de São Cristóvão – Salvador. Lá, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) foi implementado desde 2010.
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é direcionado a alunos que possuem alguma necessidade especial como autismo, síndrome de Down, deficiências físicas e intelectuais, Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), dificuldade de aprendizagem, entre outros. O programa tem o objetivo de assegurar a inclusão do aluno público alvo da Educação Especial a partir da Resolução CME Nº 038/2013 da Secretaria de Educação.
Imagem: Print da resolução CME Nº. 038/2013 da Secretaria Municipal de Educação de Salvador
Entretanto, apesar de a educação especial ser um direito garantido por lei, com a obrigatoriedade de oferta em todas as escolas da Educação Básica, a realidade mostra um cenário diferente. Ao procurar a lista de escolas municipais de Salvador que disponibilizam o AEE, é possível notar que tal lista não é fornecida, tendo em vista que, por lei, todas as escolas deveriam oferecer o atendimento. Porém, na prática, muitas unidades não contam com a estrutura necessária para implementar o serviço.
“Pela lei, todas as escolas deveriam ter uma sala de recursos multifuncionais, entretanto, tem escolas que não têm, por conta da estrutura física, de recursos” , comentou Lidiane Santos, professora do AEE da Escola do Parque São Cristóvão. A profissional nos relatou que a escola, quando tem vagas disponíveis, atende alunos de outras unidades, como o caso de uma criança do bairro Cassange, que precisa se deslocar com seu responsável até lá para receber o atendimento adequado.
Sala de recursos multifuncionais da Escola Parque
Falta de materiais e estrutura
A falta de materiais e estrutura para um melhor atendimento às crianças especiais também foi citado pelas Auxiliares de Desenvolvimento Infantil. Mais conhecidas como ADI´S, elas são responsáveis por ficarem na sala de aula auxiliando as crianças especiais e, muitas vezes, não possuem materiais e recursos para estimular e acalmar esses alunos. Os poucos materiais disponíveis são restritos à sala do AEE.
“Eu mesma faço coisas com reciclagem, porque eles não têm esse material específico na escola. Esse material tem no AEE, mas material mesmo pra trabalhar dentro da sala de aula, não tem”, comentou uma ADI.
Perguntada sobre os maiores desafios de trabalhar com alunos especiais em sua sala de aula, a primeira coisa que a professora principal de uma das turmas do ensino básico falou foi sobre a falta de materiais, que muitas vezes ela tem que parar para produzir ferramentas, brinquedos e materiais para conseguir agregar estes alunos na sala de aula.
Confira um trecho do que ela nos relatou
Número reduzido de ADI´S
Atualmente, o maior desafio da Escola do Parque São Cristóvão é a quantidade desproporcional das Auxiliares de Desenvolvimento Infantil comparado ao número de alunos atendidos pelo AEE, que necessitam de um acompanhamento mais próximo dentro da sala de aula, o qual muitas vezes tem que ser integral e individual, a depender da condição e do nível de cada criança.
São aproximadamente 45 alunos (diagnosticados) que recebem o apoio do AEE, para um total de 12 auxiliares de desenvolvimento infantil. Por sala ficam de 4 a 5 alunos especiais. Em um valor aproximado, é como se cada profissional ficasse responsável por cuidar de 4 crianças ao mesmo tempo, o que nem sempre é possível, devido à demanda particular de cada um. Esse é o caso de uma das ADI´s da escola, que comentou sobre as dificuldades da falta de colegas de profissão.
Pelo fato de o aluno que ela é responsável estar no nível 3 do espectro autista – que é o mais avançado – ele precisa de um suporte substancial em todas as suas atividades.
“Ele depende totalmente de mim, não come com suas próprias mãos, faz todas as necessidades na fralda, então é uma responsabilidade muito grande.”
Conversamos com outra auxiliar de desenvolvimento infantil da Escola Parque, que também aponta para a mesma problemática: “Eu tenho que cuidar de um, mas ao mesmo tempo tenho que passar o olho em mais 3 que não têm ADI… Quando o meu está agitado, eu não consigo dar atenção aos outros, então eles ficam meio sozinhos.”
* OBS: As auxiliares de desenvolvimento infantil citadas acima não quiseram revelar suas identidades, pois são funcionárias terceirizadas.
3 A CADA 4 CRIANÇAS ESPECIAIS NÃO POSSUEM UMA ADI

Perguntada sobre os principais desafios enfrentados no dia a dia na sala de aula, a professora Cleide Galdino nos contou sobre algumas dessas dificuldades e apontou a falta de ADI´S como um desses desafios.
Confira um trecho da entrevista:
Nem se considerássemos apenas os 32 alunos que estão no espectro autista, que é a condição com maior incidência na Escola Parque, às 12 auxiliares de desenvolvimento infantil seriam compatíveis com a demanda para dar atenção e cuidados individualizados para todos.
O gráfico abaixo traz os dados numéricos da quantidade de alunos especiais na escola, quantos deles estão no espectro autista e a quantidade de ADI´S disponíveis.
Perguntada sobre a contratação de mais auxiliares de desenvolvimento infantil, a diretora da escola, Sandra Conceição, nos informou que já efetuou a solicitação diversas vezes à Secretaria Municipal de Educação de Salvador, mas nada foi feito. A última contratação de ADI ocorreu em julho de 2023.
Falta de diagnóstico
Outro obstáculo enfrentado é a falta de diagnóstico e a aceitação da família a respeito da deficiência do filho(a), que sem o laudo médico comprovando a condição, não pode receber o Atendimento Educacional Especializado e nem ter uma ADI responsável por auxiliar este aluno de maneira mais próxima, fato que atrasa o desenvolvimento destes estudantes do ensino básico.
“É muito complicado chegar para uma família e dizer que seu filho possivelmente tem algum transtorno. Então, levar, de maneira bem fundamentada para essa família, de acordo com as avaliações e os protocolos, é fundamental”, comenta a psicopedagoga Verena Santos.
Confira na íntegra o que a profissional disse sobre o tema:
Capacitação profissional
A falta de capacitação profissional para trabalhar com as crianças especiais também foi um tema abordado pelas professoras de sala, ADI´S e professoras do AEE durante as entrevistas.
As profissionais nos relataram que não existe nenhum tipo de capacitação oferecida pela Secretaria Municipal da Educação e nenhum programa de formação continuada. Os conhecimentos que elas possuem foram buscados de maneira independente, com cursos particulares e investimento do seu próprio bolso. Uma das auxiliares de desenvolvimento infantil nos contou que não fez nenhum curso antes de entrar para trabalhar na escola e só descobriu depois que iria trabalhar com alunos especiais.
“Eu vim fazer curso depois que eu entrei aqui, entrei sem saber nada. Eu tive que buscar e pagar para entender melhor porque eu fiquei perdida aqui”, disse uma das ADI´S.
O mesmo acontece com as professoras Liliane Lima e Lidiane Santos, que comentam não ter recebido nenhum treinamento ou curso disponibilizado pela Prefeitura de Salvador por meio da Secretaria Municipal da Educação para trabalhar com os alunos especiais. “Treinamento não tem nenhum, é só o que recebemos na faculdade, a matéria de educação inclusiva, fora isso, não tem”, disse Liliane Lima.
A professora do AEE, que trabalha diretamente com os alunos especiais, também mencionou a mesma questão.
Confira no áudio abaixo:
Inclusão: benefícios e limitações
Alguns questionamentos ainda são feitos quando se fala da inclusão de alunos especiais na mesma sala que os demais alunos. Há quem pense que essa junção é prejudicial e gera um déficit de aprendizagem na sala de uma maneira geral. Mas os professores acreditam que essa junção tem um impacto positivo tanto para os alunos especiais quanto para os sem necessidades especiais, mas destacam algumas ressalvas.
A professora Liliane Lima comenta que integrar os alunos especiais junto com a turma nem sempre é possível: “Tem momentos que infelizmente eles [os alunos especiais] ficam lá no cantinho com a ADI e ficam esperando um tempo vago para um professor tentar chegar neles e tentar auxiliar nas atividades”, explica.
A mesma situação foi pontuada pela professora Cleide Galdino, que fala sobre a dificuldade de conseguir dar atenção individualizada para as crianças especiais por conta da quantidade de alunos em cada sala;
Veja a entrevista:
Por outro lado, Lucilene Mendes – que é mãe de uma aluna que não necessita de atendimento especializado – acredita que o impacto dessa junção é muito positivo e considera importante a convivência da filha com pessoas diversas e que sempre a orienta a incluir os colegas nas atividades diárias.
Escola Modelo
Apesar de todos os desafios listados nesta reportagem, o Atendimento Educacional Especializado da Escola Parque São Cristóvão é considerado modelo e recebe muitos elogios dos pais de alunos que fazem parte do programa. Esse é o caso de Ivanilda Souza da Silva, mãe de Isabelle Silva dos Santos, de 7 anos, que possui Síndrome de Down e recebe o atendimento desde que saiu da creche e entrou na escola.


“Belle tem desenvolvido bastante, tanto no social quanto na alfabetização dela, então isso para mim é muito importante, esse acolhimento que ela recebe aqui”, disse a mãe da aluna.
Ivanilda Souza nos relatou que, atualmente, ela não tem enfrentado muitos desafios na educação da filha e se sente grata pelo atendimento especializado realizado pela Escola Parque. Contudo, revela ter receio do futuro, quando Isabelle tiver que ir para outra escola. Ivanilda também destacou o trabalho em equipe desempenhado pelas professoras do AEE, pelas ADI´S e pelas professoras de sala e elogiou a comunicação entre a família e a escola, que a deixa a par de todas as estratégias desenvolvidas com a filha.

Izabel Santos, mãe de Davi Santos, de 8 anos, também faz muitos elogios à escola e aos profissionais da educação inclusiva e comenta que não tem do que reclamar, pois o filho está se desenvolvendo e melhorando com o passar do tempo.
* OBS: Tentamos ouvir a fonte da Secretaria Municipal da Educação (SMED) para falar sobre o assunto desta reportagem desde o dia 5 de agosto. Porém, mesmo tendo enviado as informações solicitadas pela assessoria de comunicação da pasta, não obtivemos retorno efetivo para a realização da entrevista.
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Elis Dourado é estudante de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Social Media. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) da Escola Do Parque São Cristóvão foi escolhido por ser considerada uma Escola modelo para um tema tão atual e de grande relevância para a educação.
Excelente reportagem! A inclusão é muito positiva para a sociedade haja vista que a convivência com pessoas diversas transforma e evolui a comunidade. O poder público deve ser cobrado constantemente no aparelhamento das unidades educacionais sobretudo quanto ao material humano especializado.
Parabéns pela excelente cobertura e por publicar um tema tão sensível a diversas famílias!
Achei lindíssima a reportagem, muito completa em todos os sentidos! Parabéns aos envolvidos, e sem dúvida essa é uma questão que deveria ser tratada já como prioridade. Temos muitas crianças que sofrem com a falta de acesso, falta de acompanhamento.