Estudo aponta que jovens brasileiros estão lendo pouco

Segundo a pesquisa retratos da leitura no Brasil, realizada a cada 4 anos, o Brasil perdeu  6,7 milhões de leitores em 2024

 

Manoela Santos (@mano_ela_maria)

 

Quando perguntada sobre a principal incentivadora do seu gosto pela leitura, Nicolle Vitória, de 22 anos, diz com convicção que foi a mãe: “Ela é professora e sempre me incentivou muito a ler. Comprava vários livros e muitas histórias em quadrinhos também e lia todas comigo. Eventualmente, acabei me apaixonando por esse mundo”.  Assim como Nicolle, no levantamento realizado pelo instituto Pró livro em 2024, a figura materna aparece como principal responsável pelo estímulo à leitura, mostrando a importância da família para a construção do hábito.

 

Além desse dado, outras informações importantes sobre os hábitos de leitura do Brasileiro foram trazidas na 6° edição da pesquisa “retratos da leitura no Brasil 2024”, realizada pelo instituto Pró Livro entre os meses de abril e julho deste ano. Segundo a pesquisa, que é realizada a cada 4 anos, o Brasil perdeu  6,7 milhões de leitores em 2024, em comparação à edição de 2019. É a primeira vez que o número de não leitores ultrapassa o de leitores.

 

Fonte: Retratos da leitura no Brasil

 

A amostra foi realizada com 5.504 entrevistas, em 208 municípios Brasileiros e teve como objetivo central analisar o comportamento do leitor medindo intensidade, forma, limitações, motivação, representações e as condições de leitura e de acesso ao livro  pela população brasileira na atualidade. Vale ressaltar que a pesquisa considera como leitor aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro de qualquer gênero, impresso ou digital, nos últimos 3 meses. 

 

O amor de Nicolle pela leitura foi muito além do esperado, pois ela não só começou a ler mais, como também sentiu a necessidade de compartilhar suas opiniões sobre os livros com outras pessoas. “Eu comecei com essa vontade aos 11 anos, mais ou menos. Eu sempre gostei muito de conversar sobre livros, mas não tinha muitas pessoas pra falar sobre, então comecei a pesquisar blogs e canais no youtube que falavam sobre leituras e me apaixonei por isso”. Depois de buscar referências na internet, a influenciadora resolveu criar o seu próprio perfil no instagram e atualmente conta com 21,8 mil seguidores.

 

O prazer de Nicolle começa na infância e se mantém até os dias de hoje. Foto: Arquivo pessoal

 

O prazer pela leitura de Nicole, que hoje tem 22 anos, começou na infância e se mantém até os dias de hoje, um retrato bem diferente do que aparece na pesquisa “retratos da leitura no Brasil”. Segundo a pesquisa, 38% das crianças de 5 a 10 anos entrevistadas, afirmam ler por gosto, porém esse número vai reduzindo com o aumento da idade. Durante a adolescência e até os 24 anos, esse índice varia de 31% a 34%.

 

Para Raí Santana, contador de histórias e pós graduando em literatura infanto-juvenil, a faixa etária de 5 a 10 anos demonstra gostar mais de ler por conta dos estímulos feitos na escola no momento da leitura.“Os educadores sempre buscam  os fantoches, a musicalização, as cantigas de roda, os filmes  e os desenhos. Isso acaba incentivando”, afirma Raí.

 

Raí Santana realizando contação de histórias para o público infantojuvenil. Foto: Arquivo pessoal

 

O professor Jeferson Ferreira, de 34 anos, concorda com Raí e acrescenta que com o passar da idade a criança é afastada do ambiente lúdico da literatura infantil  e passa a enxergar a leitura como uma obrigação.  “Você vai crescendo, se torna uma obrigação a leitura. Você tem que ler livros obrigatórios. Obrigado pela escola, pelo professor de português ou de literatura, livros para redação, e aí eu acho que perde um pouco o gosto”.

 

Jeferson leciona há dez anos na rede privada e pública. Foto: Arquivo pessoal. Foto: Arquivo pessoal

 

Com seus 10 anos de experiência no ensino de linguagens na rede privada e pública, o professor  explica que utilizar adaptações dos livros gera maior interesse para conhecer e ler a obra original. “Se eu passo a adaptação ou a música que foi adaptada no livro, um filme, que foi adaptado ao livro, peça teatral, e eles automaticamente se sentem curiosos para conhecer aquela obra. Eu já percebi isso em diversas turmas minhas que eu utilizei essa tática”, conta Jeferson.

 

Para Nicole, ter uma leitura fixa por mês e conversar com outras pessoas sobre livros estimula e muito a sua vontade de ler, por esse motivo criou com uma amiga um clube de leitura em 2024. “É um clube focado no público jovem, de 16 a 25 anos  e voltado para ficção. Lemos todo mês um livro, intercalando três gêneros: fantasia, romance e suspense”, explica a organizadora do clube.

 

 Segundo ela, o objetivo é ter com quem conversar sobre as histórias lidas, então existe um canal de conversa e os encontros para discussão acontecem tanto online, como presencial. “É muito legal sair das telas e encontrar pessoas com os mesmos gostos que você na vida real, nos divertimos bastante, conversamos muito e os encontros duram em média 4 horas”, relata Nicolle com entusiasmo. 

 

Para Rai, que  também faz parte de coletivos de leitura, os grupos de leitura acabam  servindo como um estímulo para os leitores. ”Eu acredito nessa coisa da coletividade, porque o grupo de leitura tem a questão do bate-papo, dos encontros e isso acaba fortalecendo o hábito.”

 

A escola como espaço de Leitura

 

O ambiente escolar, que é considerado um dos mais importantes no estímulo à leitura, não parece mais cumprir tão bem esse papel. A edição de 2024 da “Retratos da Leitura” no Brasil registrou o menor índice dos que declararam lerem na escola (19%).

 

O projeto “O capítulo que falta” desenvolvido pela professora de história Regina Araújo, prova que a escola ainda pode encontrar recursos para estimular a leitura entre os  jovens. O projeto consiste em um clube de leitura realizado com os estudantes de ensino médio do Instituto Central de Educação Isaías Alves (ICEIA). “Os estudantes vêm voluntariamente e, assim, constituímos um grupo. Nós lemos em conjunto, o que é um fator que estimula bastante, já que, ao invés de lermos sozinhos em casa, nós nos reunimos com eles. Lemos parando e conversando, promovendo diálogos.”, relata a professora.

 

Professora Regina Silva, Idealizadora do projeto “O capítulo que falta”. Foto: Manoela Santos

 

No projeto já foram lidos livros de grandes nomes da literatura nacional, como Conceição Evaristo, Itamar Vieira Júnior e Djamila Ribeiro. “São livros inteiros, que abordam problemas sociais, questões relacionadas à mulher, racismo, transfobia, gordofobia e tantos outros fatores relacionados aos direitos humanos.”, explica a professora.

 

Além da leitura, o projeto também estimula o senso crítico através das rodas de debate sobre a obra, além de estimular a criatividade dos alunos com proposta de atividades artísticas no fim das leituras.

 

A professora explica que houve um aumento significativo na quantidade de livros lidos pelos integrantes do clube. “Nós temos jovens de 14 a 18 anos, e o número de livros que eles liam no ano era, no máximo, um ou dois. Atualmente, com a experiência do clube de leitura, temos trazido jovens que leem, no mínimo, seis livros conosco”, explica Regina.

 

Artes criadas pelos alunos com base nas leitura. Foto: Manoela Santos

 

Além de incentivar o hábito da leitura, a professora garante que a participação no clube desenvolve outras habilidades dos integrantes. “Eles vão tirando dúvidas, eu percebo que isso  claramente  é um fator motivador, porque a gente consegue vencer algumas Barreiras. Por exemplo, alguns deles têm dificuldade de ler em público , mas aqui eles leem em voz alta, para eles é muito difícil, mas a gente consegue criar um espaço em que eles se sentem acolhidos pelos colegas e pelos professores”, relata Regina com orgulho.

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Manoela Santos é estudante de jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente faz estágio na gerência de educação profissional do Senai. A pauta foi escolhida levando em conta o interesse em compreender como a leitura coletiva influencia os hábitos literários da juventude brasileira.

 

 

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