De trends a votos na direita, o comportamento dos jovens nativos digitais tem mudado sob influência das redes sociais
Carlos Eduardo Ferreira (@cefs_2003) e Liz Barretto (@_lizbarretto)
A música ‘Como nossos pais’, composta por Belchior e lançada em seu álbum Alucinação, de 1976, retrata o conflito de gerações acentuado pela repressão da ditadura militar. A canção, eternizada na voz de Elis Regina, é uma crítica a uma juventude que se acomodou e parou de questionar.
Quase cinquenta anos depois de seu lançamento, a faixa é utilizada em uma trend (conteúdos que se popularizam e recebem muitas replicações dos usuários) em que jovens destacam hábitos herdados de seus pais e avós. Nos vídeos, os internautas exaltam um conservadorismo moral, político e religioso, e rejeitam valores progressistas, nomeados em algumas publicações como “inovações tolas”.

Esses jovens fazem parte da geração Z, grupo de pessoas nascidas entre 1995 e 2010. Nativos digitais, eles costumam realizar as mais variadas ações no ambiente online, desde compras até conversar sobre política.
Como é o caso do morador do Nordeste de Amaralina, em Salvador, Kailan Matos, de 21 anos, que é evangélico e se considera eleitor da direita. Tendo as redes sociais como principal meio de consumir informações, ele acredita que os direitistas souberam ocupar melhor as lacunas presentes no ambiente virtual.
“Após a pandemia, o mundo ficou extremamente politizado com diversos debates. Como as pessoas não podiam sair na rua, o único meio de informações eram as redes sociais ou os veículos de comunicação tradicionais. E foi aí que a direita viu uma oportunidade de se comunicar com os jovens, e hoje tem tido frutos”, afirma.
Crescimento da direita
Um estudo, divulgado em abril de 2024, da agência internacional de pesquisa Glocalities, indica que “sentimentos de desesperança, desilusão social e revolta contra os valores cosmopolitas” são alguns dos fatores que explicam o crescimento de partidos de direita.
O levantamento, que incluiu mais de 300 mil pesquisas em 20 países, incluindo o Brasil, ressalta que o aumento da desilusão dos jovens com a política tradicional também influencia esse fenômeno, principalmente entre os homens dessa faixa etária.
Professor do Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da UFBA e do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação da UFBA, Paulo Fonseca, aponta que as redes sociais têm papel significativo nessa ascensão.

O pesquisador ainda pontua que outros fatores precisam ser considerados nesse fenômeno. Segundo ele, a falência do modelo de globalização neoliberal e a necessidade de novas estratégias de discurso são alguns dos aspectos a serem observados.
“É importante considerar a conjuntura contemporânea de exaustão do modelo de globalização neoliberal e a ineficácia de algumas estratégias discursivas de segmentos políticos progressistas frente a este esgotamento”, observa Paulo.
No Brasil, a insatisfação com os governos de esquerda do início do século XXI, questões religiosas, principalmente entre os evangélicos, e ideias progressistas também estão entre os fatores.
“A direita hoje tem crescido em público mais jovem, muitos deles de igrejas com ideias conservadoras e muitos outros apenas não acreditam em outro espectro político devido ao histórico político do Brasil. O Brasil ficou mais de uma década com presidentes de esquerda no comando e não há percepção de melhora no país”, ressalta Kailan.
Recordistas nas redes e nas urnas
A estudante de Bacharelado Interdisciplinar de Artes na UFBA, Amanda Maciel, de 22 anos, é outra jovem que se identifica com os valores de direita. Evangélica, conta que os valores desse espectro político são os que mais se alinham com os dela.
“A sociedade está caminhando para um exacerbado liberalismo disfarçado de liberdade de expressão. Essa condição pode agradar a alguns que são reféns de seus próprios desejos; mas desagrada a outros (como eu) que crê em uma sociedade organizada e que não é levada por ideologias esquerdistas. Consequentemente, o conservadorismo se apresenta como melhor opção”, disse.
Assim como Kailan, ela usa as redes sociais para se informar sobre política, seguindo perfis de “ambos os lados”. Questionada sobre os políticos que ela acompanha, ela aponta dois nomes: a deputada estadual de Santa Catarina, Ana Campagnolo (PL), e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).
Os dois representam bem o domínio de políticos conservadores nas redes e a utilização delas para ganhar popularidade e, consequentemente, votos. Com 1,4 milhão de seguidores no Instagram, Campagnolo, de 34 anos, foi reeleita para o seu segundo mandato de deputada, com 196.571 votos — um recorde no estado. No seu perfil, a parlamentar faz publicações criticando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o feminismo e exaltando os valores cristãos e da família.
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Nikolas Ferreira tem sua trajetória política atravessada pelas redes sociais. Aos 17 anos, o deputado, hoje com 28, viralizou com um texto em que critica uma questão sobre transgeneridade na prova de sociologia de sua escola. Ele também foi coordenador do grupo no Facebook “Direita Minas”, que cresceu nos protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Em meio à onda bolsonarista de 2018, dois líderes do grupo, o Cabo Junior Amaral e Bruno Engler, foram eleitos deputado federal e estadual, respectivamente.
Deputado federal mais votado do Brasil em 2022, com 1.492.047 votos, Nikolas acumula mais de 12 milhões de seguidores no Instagram e 6 milhões no TikTok. Com vídeos curtos, que abordam temas que estão em alta e sempre exaltando a família, a fé e a liberdade de expressão, o político tem publicações que chegam a mais de um milhão de curtidas e já é considerado um futuro presidenciável.
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“O que podemos constatar é que, até o momento, políticos de direita, em geral, têm tido mais eficácia na difusão de seus conteúdos. Conforme apontado anteriormente, isso pode sim estar relacionado ao acoplamento das estratégias discursivas destes políticos com a lógica algorítmica das plataformas, que priorizam conteúdos que geram engajamento rápido e elevado, como emoções intensas e polêmicas”, explica o professor Paulo Fonseca.
Nas eleições municipais deste ano, Sandro Filho (PP), de 19 anos, foi o vereador mais novo eleito em Salvador. O jovem morador de Coutos fez sua campanha majoritariamente pelas redes sociais, onde acumula 145 mil seguidores. No seu perfil, ele se define como “Cristão, guiado por Deus”.
Ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL), o futuro vereador ganhou notoriedade com seus vídeos criticando a segurança pública na Bahia, o governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT), e outros políticos de esquerda. No período eleitoral, o jovem se envolveu em uma discussão acalorada com o então candidato a prefeito da capital, Kleber Rosa (PSOL). Em um vídeo publicado nas redes de Sandro, e com alguns cortes, o psolista aparece exaltado depois de ser questionado sobre o crescimento das facções em território baiano.
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Outras figuras de direita também ficaram em evidência e foram destaque no pleito desse ano. O influencer bolsonarista de 26 anos, Lucas Pavanato (PL), foi o vereador mais votado de São Paulo, com 161,3 mil votos. Acumulando cerca de 1,4 milhões de seguidores no Instagram, Pavanato se destacou com vídeos criticando a ‘ideologia de gênero’ e atacando adversários.
Seguindo lógicos parecidas, Pablo Marçal (PRTB), em São Paulo, Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte, e André Fernandes (PL), em Fortaleza, não foram eleitos, mas conquistaram capital político importante para as próximas eleições.
Resistência progressista
Mesmo com o sucesso de políticos de direita, alguns progressistas também têm conseguido se destacar no meio digital. Eles se adaptaram à lógica das plataformas e vêm ganhando popularidade nesses meios e nas urnas. O prefeito reeleito de Recife, João Campos (PSB), é a personificação disso.
Com 2 milhões de seguidores no Instagram e oito vezes mais engajamento que seus rivais, o prefeito alcançou a reeleição com 78% dos votos. Sua postura digital foi apontada como um ponto-chave para a popularidade e sucesso nas urnas.
Além de ser conhecido pela avaliação positiva de sua gestão, Campos ganhou admiradores por todo o Brasil e virou tema dos famosos edits, vídeos curtos feitos com fotos e momentos de uma pessoa, geralmente personagens de séries ou artistas. Aparições com o cabelo platinado e usando o óculos do modelo ‘juliette’ foram algumas das cenas protagonizadas pelo recifense que viralizaram nas redes.
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No Congresso Nacional, Erika Hilton (PSOL) acumula 3 milhões de seguidores no Instagram e muito engajamento por parte dos progressistas e identitários. Em diversas oportunidades, a deputada federal deixa claro seu plano de tornar a política um ambiente menos “cafona” e despertar nos jovens o interesse pela mudança.
Um exemplo da força de Hilton foi sua mobilização contra um projeto de lei (PL) que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio. Em junho deste ano, a parlamentar liderou a campanha #CriançaNãoÉMãe, que contou com a participação dos fãs-clubes (fandoms) de artistas como Beyoncé, Rihanna e Taylor Swift. Com a pressão popular, o projeto não foi colocado em votação no plenário da Câmara dos Deputados.
A deputada voltou a movimentar as redes em meio à discussão sobre o fim da escala 6X1, criada pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT) no TikTok. A parlamentar usou seus perfis para engajar internautas e cobrar que outros deputados assinassem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema, para que ela pudesse começar a tramitar na Câmara.
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Os dois são exemplos da possibilidade de novos caminhos para a esquerda que, se modernizada, ainda é capaz de assumir mais protagonismo no ambiente digital. “Com inflexões nos discursos políticos da esquerda ou em determinadas configurações algorítmicas, o cenário pode se transformar para um maior equilíbrio”, destaca Paulo Fonseca.
Lógica dos cortes e notícias falsas
Outro aspecto dessa onda conservadora é a presença dos “cortes”, trechos de discussões ou discursos publicados sem contexto prévio ou respostas dos demais envolvidos. Além disso, esses cortes, que muitas vezes propagam informações incompletas, estão ligados à disseminação de notícias falsas, outro problema relacionado à política nas redes.
Já nas eleições de 2018, a disseminação desse tipo de conteúdo influenciou diretamente os resultados. Grupos ligados a Jair Bolsonaro (à época no PSL), que seria eleito naquele pleito, espalharam informações mentirosas sobre o candidato Fernando Haddad (PT) e seu eventual governo.
Seis anos depois, o candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), publicou em seu perfil um laudo falso que dizia que o também candidato Guilherme Boulos (PSOL) recebeu atendimento por uso de drogas ilícitas. Antes de ser derrubada pela justiça, a publicação já contava com 373 mil curtidas e 70 mil comentários.
Para o professor Paulo Fonseca, as plataformas possuem papel central na disseminação desse tipo de conteúdo.
“Notícias falsas frequentemente são mais sensacionalistas e emocionais, tornando-as mais propensas a viralizar. Além disso, o design das plataformas facilita a criação de bolhas informacionais, onde usuários são expostos predominantemente a conteúdos alinhados às suas crenças, o que dificulta a contestação de informações falsas”, afirma.
Fonseca pontua que a regulação das plataformas digitais é imprescindível para resolver os problemas causados pelo espalhamento de conteúdos mentirosos na internet. No entanto, ele ressalta que o lobby exercido pelas grandes empresas pode dificultar a aprovação de uma legislação desse tipo no país.
“Isso não é uma tarefa fácil de alcançar, sobretudo tendo em vista o forte lobby exercido pelas grandes empresas que lideram este setor. Assim, é fundamental promover um debate público consistente sobre o tema. É preciso que haja uma sensibilização da sociedade e, consequentemente, dos legisladores, para que alcancemos a implementação de uma legislação adequada e desejável”, acrescentou.
Veja a comparação de duas publicações sobre a participação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, em uma sessão da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados para falar sobre queimadas. A primeira publicação é o vídeo da sessão na íntegra e a segunda é a um corte feito pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

*OBS: Entramos em contato com o vereador Sandro Filho (PP) para participação na reportagem, mas até o fechamento, não obtivemos retorno.
Foto de capa: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
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Carlos Eduardo Ferreira é estudante do 6° semestre de Jornalismo. Tem experiência em sites e rádio. Atualmente, é estagiário da Rádio Sociedade da Bahia.
Liz Barretto é estudante do 6° semestre de Jornalismo. Tem passagens em site, rádio e TV. Atualmente, é estagiária da Record Bahia.
Escolhemos a pauta por estarmos inseridos no contexto digital e notarmos uma forte presença de jovens conservadores nesses meios.