Projeto estimula a presença de mulheres negras no mercado da tecnologia

Plataforma PretaLab é considerada referência quanto a iniciativas que promovem  inclusão e diversidade no país, embora enfrente dificuldade para conseguir financiar projetos

 

Manoela Santos (@mano_ela_maria)

 

A presença de mulheres negras nas áreas de tecnologia tem sido uma questão crucial para a construção de um setor mais diverso, inovador e representativo. Em um mundo cada vez mais dependente de soluções tecnológicas, garantir a inclusão de vozes diferentes, histórias e perspectivas não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia para o desenvolvimento do setor. 

Apesar de as mulheres negras corresponderem a 28% da população brasileira, segundo o IBGE, representam apenas 11% dos profissionais em empresas do setor no país. O perfil deles é majoritariamente masculino: segundo a pesquisa “Quem Coda BR, a área é formada sobretudo por homens (68%), brancos (58%), com idade entre 18 e 34 anos (77%). 

Os dados foram levantados em 2018 pela PretaLab, com o objetivo de mapear a presença (invisibilizada) de mulheres negras no setor. Acontece que além dos estudos, a Pretalab oferece diversas iniciativas para mudar esses dados, dentre elas, consultorias, palestras, cursos de capacitação, e outros serviços voltados para profissionais negras interessadas em trabalhar em áreas relacionadas à tecnologia. 

A plataforma PretaLab surgiu em 2017 e é uma iniciativa da OLABI, organização social que desde 2014 trabalha por ampliar a diversidade nas áreas de tecnologia e inovação. A criação do projeto partiu justamente do incômodo da atual coordenadora da Olabi, Silvana Bahia, em relação à ausência de mulheres negras no campo da tecnologia. “O projeto surgiu principalmente por conta da falta de mulheres negras nesse campo. Não era uma coisa comum. Não tinham pessoas, projetos, iniciativas que discutissem essa interseccionalidade no campo da tecnologia”, afirmou Silvana. 

Silvana Bahia, idealizadora da iniciativa PretaLab/ Fonte: arquivo pessoal/instagram

 

Apesar de a iniciativa ser considerada referência em inclusão e diversidade no país, a idealizadora aponta a falta de financiamento e apoio como principal barreira. “Acho que o desafio desse projeto, em geral, está muito no campo do financiamento. Embora o Preta Lab tenha financiamento de alguma organização. Manter o projeto ativo não é só sobre dinheiro é também, é sobre estar atualizado nas linguagens, fazer com que a comunidade funcione.” Lamenta Silvana. 

 

Mulheres impactadas pelo projeto 

 

De 2017 para cá a PretaLab já realizou diversos cursos formativos em várias áreas e foi em um deles que a Engenheira de Software Amanda Silva entrou em contato pela primeira vez com a iniciativa. “eu fiz o ciclo formativo avançado. Eu lembro que eu já estava trabalhando na área. Eu tinha entrado no meu primeiro emprego ali e eu tinha muita dificuldade, porque no começo era difícil. Eu lembro que foi uma formação para quem já estava trabalhando na área e precisava se aprofundar mais para conseguir subir para pleno”, explica Amanda. 

 

A coordenadora pedagógica do pretalab Amanda Silva/ Fonte: Arquivo pessoal

 

Depois de participar ativamente do ciclo formativo, Amanda passou a integrar a equipe do projeto e hoje atua como coordenadora pedagógica. “Eu aprendi muito depois que eu entrei, principalmente, a valorizar o meu trabalho. Sabe? Eu pensei: se uma organização social tá me pagando e tá pagando bem, por que eu tô fazendo alguma coisa de graça pra outra empresa? Então eu não saio da minha casa de graça para nada”, explica Amanda. 

Ângela Carvalho também é uma das mulheres impactadas pela iniciativa. A engenheira de software atuava na área da educação quando decidiu realizar a transição de carreira. ”Vi o post do curso de programação da PretaLab, e o que me chamou a atenção foi ver que era para mulheres negras em transição de carreira. Então, fui aluna durante quatro meses, e foram os melhores de toda a minha trajetória, porque era incrível poder estar aprendendo num lugar com tantas pessoas que eram parecidas comigo, vindo de lugares tão próximos”, relata Ângela.

 

A engenheira de software Ângela Carvalho/ Fonte: Arquivo pessoal

 

Apesar de sempre ter nutrido interesse pela área da tecnologia, ”Eu nunca me vi exercendo uma profissão em tecnologia, porque eu nunca me vi com o arquétipo que a sociedade desenhou do profissional de T.I – homem, branco, hetero, introspectivo etc – então, eu não imaginava que era possível, e mesmo tendo feito muitos trabalhos como montagem de redes, formatação de notebooks e desktops e até mesmo de auxiliar outras pessoas a aprenderem a mexer com computadores, eu não me via ali representada” 

Ao longo do seu processo de transição, Ângela já realizou diversos cursos, mas garante que os cursos da PretaLab possuem um diferencial, por conta da conexão que é criada entre as participantes. “Diferencia principalmente pela rede de apoio que se cria durante e após cada curso que fazemos na rede PretaLab, é incrível poder compartilhar experiências, oportunidades e se ajudar dentro da comunidade. Todas se indicam, se ajudam e assim nós vamos crescendo”, explica Ângela, que atualmente é professora de Lógica de programação e Javascript na instituição. 

 

Formação presencial em Salvador 

Os cursos da PretaLab são remotos, em sua grande maioria, desse modo o projeto consegue atender mulheres de várias regiões do Brasil, mas de Julho a Agosto de 2023 o projeto realizou seu primeiro ciclo formativo presencial e a cidade escolhida para sediar a capacitação foi Salvador. “A primeira formação presencial do Pretalab foi em Salvador e se deu porque depois de São Paulo e Rio, Salvador é o lugar que a gente tem mais mulheres na rede do Pretalab”. explica Silvana. 

 

Primeira turma presencial da iniciativa PretaLab/ Fonte: PretaLab

 

Amanda ainda reforça a importância de realizar eventos desse tipo fora do eixo Rio-São Paulo. “Porque sempre tá ali no eixo Rio-São Paulo. Aqui tem tudo. Se eu quiser em um domingo sair para procurar um evento de tecnologia de graça, tem. No Rio de Janeiro não tem tanto quanto São Paulo, mas também tem, então, eu acho que é muito importante, por isso que a gente tem esse objetivo, até de ser online, porque a gente consegue chegar até o pessoal no nordeste, no sul, do leste, de qualquer lugar.” 

O programa de bolsas de estudo realizado em Salvador foi nomeado de “O Poder do Futuro”, e contou com o apoio da The Walt Disney Company Brasil. As participantes tiveram acesso a conteúdos introdutórios da área de TI, foram estimuladas no desenvolvimento de soft skills e carreira, com aulas ministradas por profissionais negras e reconhecidas no mercado. Podiam se inscrever mulheres negras e indígenas, com mais de 16 anos, ensino médio completo ou em curso e com interesse por tecnologia.Elas ainda receberam vale transporte para deslocamento durante a formação. 

Ângela que iniciou como aluna do projeto, foi convidada para ser monitora logo depois de finalizar o curso de 4 meses e posteriormente atuou como professora no ciclo formativo presencial, que ocorreu no bairro dos Barris em Salvador. Apesar de ter conseguido um trabalho como engenheira de softwere na JusBrasil, Ângela segue dando aulas de lógica de programação e Javascript Para a PretaLab, segundo ela é uma forma de juntar sua paixão pelo ensino com os conhecimentos em tecnologia. “Hoje eu posso dizer que foi a melhor decisão que tomei em minha vida, e que também eu consegui ajudar outras mulheres nesse processo, fazendo as duas coisas que mais gosto – ensinar e programar”, relata a engenheira. 

 

Ângela dando aula no curso “o poder do futuro”/ Fonte: PretaLab

 


Manoela Santos é estudante de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (FACOM [ UFBA) e atualmente faz estágio na gerência de educação profissional do Senai.

A pauta foi escolhida por conta da admiração pelo projeto e por compreender a importânica de iniciativas como essas para incentivar mulheres negras no mundo da tecnologia.

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