Movimento desestigmatiza uso de substâncias químicas em festas e promove a conscientização de jovens
Caio Pamponét (@caio.pamponet) e Artur Soares (@artt_urito)
Mesmo não sendo legalizado, o consumo de drogas por jovens continua sendo um dos principais problemas enfrentados pela saúde pública no Brasil. Na última década, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começou a investigar o consumo de substâncias químicas entre jovens de 13 a 17 anos e descobriu um crescimento de 47,5% de 2009 a 2019.
Criada na Europa, a Redução de Danos (RD) surgiu como uma forma de lidar com esse problema, assumindo um papel de atendimento aos jovens, principalmente em ambientes de festas. De forma antiproibicionista, a ideia é conscientizar sobre o uso de substâncias químicas, num esforço para minimizar danos graves.
Um dos diferenciais do movimento é o olhar humanizado para os usuários. Entre os métodos utilizados está a distribuição de cartilhas com informações sobre os tipos de drogas. Elas contêm informações como quais substâncias podem ser misturadas com outras sem gerar grandes riscos, os impactos causados por determinadas drogas, dentre outras.

Daniel Souza, ceramista que já vivenciou a experiência da RD em festas, explica que a iniciativa salva vidas de várias formas. “Eu vejo que ela não é apenas focada em coisas lícitas e ilícitas, ela também serve para ajudar psicologicamente aquela pessoa abalada, alguém ‘machucado’ emocionalmente. Eles vão te mostrar um caminho, vão te deixar capacitado para isso”, observa.
Descrevendo a RD como um verdadeiro “estilo de vida”, Daniel aponta que constantemente presencia ações que utilizam essa abordagem de forma multidisciplinar. “Já vi stands de RD fora de eventos, fazendo projetos, palestras, levando as informações para dentro de teatros, de escolas”, detalhou. Rodolfo Reis, publicitário paulista e fundador da Play BPM, um dos maiores portais de música eletrônica do Brasil, acredita que esse crescimento é reflexo do interesse público. “Antigamente isso era um debate nas entrelinhas, as pessoas não falavam sobre isso. Hoje a gente já vê um movimento de discussão, de informação e até dentro das festas”, acrescenta.

São diversos os tipos de festas nas quais atua a Redução de Danos. Apesar de as raves serem normalmente associadas ao uso de drogas, não é apenas esse ambiente que está passível ao consumo. “Creio que existe o estereótipo de as pessoas acharem que a RD é somente necessária em festas eletrônicas. Porém, é também um braço importante quando a gente pensa em outros eventos, pois todo e qualquer tipo de música está suscetível ao uso de entorpecentes”, afirma o DJ e produtor cultural soteropolitano Luan Pugliesi.
Origem e história
No Brasil, a Redução de Danos nasceu em meados da década de 1990, quando houve a necessidade de aplicar medidas para prevenir a disseminação do HIV entre usuários de drogas injetáveis. Nesta época, o país implantou cerca de 200 Programas de Redução de Danos (PRDs) e regulamentou a prática em diversos estados.
Na virada de século, com a dificuldade de manter os projetos, o cenário nacional da Redução de Danos enfrentou uma crise com a diminuição dos PRDs. Porém, entre 2003 e 2006 ocorreu uma virada de chave nesse contexto. O Governo Federal assumiu o tema como uma questão de saúde pública, empregando a Redução de Danos como uma política do Ministério da Saúde (MS).
O primeiro coletivo de RD em festas do país foi criado no início dos anos 2000. O BalanCe se inspirou no sucesso do movimento em outros países para implementar conceitos parecidos por aqui. Desde então, a RD ganhou reconhecimento nacional e se espalhou por vários estados.

O movimento na Bahia
O coletivo Fritos Unidos, que atua em Salvador, engaja uma comunidade em torno de quatro princípios: Paz, Amor, União e Respeito (‘PLUR’, em inglês). “Buscamos manter e criar um ambiente pacífico em todas as nossas interações. Promovemos a harmonia, a calma, a educação e a reeducação do público”, comenta Marcelo Cerqueira Santos, um dos fundadores do coletivo. Criado em 2021, o projeto começou com um grupo de sete amigos, que se reuniam para ir à festas de música eletrônica. Com o tempo, o coletivo cresceu e hoje conta com uma equipe que integra diversos colaboradores, incluindo profissionais de saúde.

Uma dessas é a psicóloga e arteterapeuta Hyrla Almeida, que divide seu tempo de atuação profissional com o Fritos Unidos, de maneira voluntária. Ela detalha as diferentes estratégias utilizadas nos atendimentos. “Primeiro, começamos com instrução e informação para o público do que pode ser utilizado. A gente promove esse combate à estigmatização, uma inclusão para fornecer atividades terapêuticas, yoga, arteterapia, kits de frutas. Tudo isso se complementa e está conectado. Tudo é construído para atingir o público com um profissionalismo, não é para qualquer pessoa estar ali”, explica.

Embora a RD ainda esteja engatinhando no Brasil, se comparado à atuação em outros países, Hyrla revela os impactos positivos. “Há uma psicoeducação que está fazendo com que as pessoas estejam mais alertas e cuidem mais de si e do próximo. Isso estabelece uma conexão e relação de confiança com os serviços de saúde”, conta. Ela ainda ressalta a importância desse tipo de projeto para a conscientização do público. “É uma ferramenta extremamente importante e poderosa, antes de tudo, para propagar o conhecimento e depois, o acolhimento”, afirma.
Um duro golpe
Em 2019, no governo Jair Bolsonaro, o movimento sofreu um grande revés. Foi assinado um decreto que instituiu uma nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), extinguindo a Redução de Danos como política pública e estabelecendo o incentivo da abstinência como única diretriz de Estado. Paulo Aguiar, conselheiro do Conselho Federal de Psicologia (CFP), critica a decisão. “A lógica da redução de danos é o princípio básico de respeito ao sujeito, sua condição, sua autonomia preservada, para que ele possa ressignificar a sua relação com a droga. Ela não se opõe a alcançar abstinência”, esclarece, em depoimento ao site do CFP.
Embora tenha havido uma mudança de governo em 2023, a situação da Redução de Danos ainda não mudou. A falta de incentivo político ameaça o futuro pois, ao não ser considerada uma política pública oficial, há o esvaziamento e pulverização dos coletivos pelo país. Isso dificulta o mapeamento e registro das atividades em diferentes estados.
Conheça mais sobre a Redução de Danos no vídeo abaixo:
________________________________________________________________________________
Artur Soares é estudante de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e repórter de cultura no MASSA!.
Caio Pamponét é estudante de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia e estagiário em redes sociais no A Tarde.
O tema de foi escolhido pelo crescimento do movimento de Redução de Danos e sua importância no combate aos danos causados pelo uso de substancias.