Iniciativas privadas de cooperativas, catadores e startups são as únicas responsáveis pelo serviço de coleta seletiva do lixo na cidade
Yan Inácio (@inacioy)
O percurso do lixo em Salvador começa com a coleta nas ruas, que é realizada pela Empresa de Limpeza Urbana (Limpurb). Todos os resíduos captados pelos garis – sem distinção entre recicláveis ou não – passam por estações de transbordo e, por fim, são levados para o único aterro sanitário da cidade, que está localizado a 30km da área urbana, às margens da rodovia BA-526
Quando materiais que demoram centenas de anos para se decompor, como plástico, metal e vidro, são encaminhados para aterros sanitários, eles ocupam o espaço de dejetos orgânicos. A saturação desses lugares abre espaço para os lixões, que não são adequados para descarte, gerando impactos ambientais, como a contaminação do solo e da água.
A solução para este problema é o manejo correto dos reaproveitáveis. Na capital soteropolitana, porém, não há gestão pública de resíduos recicláveis. De acordo com dados do Relatório de Atividades da Limpurb de 2020, a taxa de cobertura da coleta seletiva em Salvador é inferior a 2%.
Os principais responsáveis por esse serviço são os catadores, cooperativas e startups. Esses agentes comandam a logística desde a captação, passando pela triagem, até a venda desses materiais para a indústria.

A Cooperativa Bariri, no Engenho Velho de Brotas, é uma das 13 empresas de reciclagem cadastradas na Limpurb. O presidente Elias Júnior aponta que as despesas com logística são um dos principais desafios do ofício. “O trabalho feito aqui é de formiguinha. O custo que as cooperativas têm com gasolina e mão de obra, nem a prefeitura, nem o Estado pagam”, revela.
Prefeitura precisa apoiar mais
A empresa é uma das maiores no ramo da reciclagem na cidade. De acordo com dados do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS), elaborado pela Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra), a Bariri foi responsável por reciclar 1,2 tonelada de resíduos sólidos em 2021.
Assim como todas as cooperativas do ramo em Salvador, a Cooperbari trabalha com doações e depende de incentivos financeiros da prefeitura para funcionar. É o caso do terreno onde fica localizada, que é cedido através de um contrato de comodato. Além disso, recentemente, houve uma reforma nas instalações e a criação de mecanismos para a construção de uma casa de apoio aos catadores.
No entanto, há uma reivindicação pela remuneração contínua para que as cooperativas possam realizar a coleta diária para a população. Uma das metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), criada em 2010, diz respeito à necessidade de cooperação técnica e financeira entre os órgãos públicos e as empresas recicladoras para a gestão integrada do lixo produzido diariamente no país.
“Assim como é pago às empresas [Limpurb] que fazem a coleta e o tratamento na disposição final no aterro, também poderia ser feito, já de imediato, o pagamento pela tonelada desviada do aterro sanitário para essas cooperativas”, destaca Joilson Santana, que além de ser catador de materiais recicláveis, é coordenador executivo da ONG Cama (Centro de Arte e Meio Ambiente) e doutorando em Território, Ambiente e Sociedade na Universidade Católica de Salvador (UCSal).

Ferros velhos são “atravessadores”
A informalidade do trabalho dos catadores torna a apreensão de dados mais dificultosa, mas um perfil socioeconômico de catadores cooperativados na cidade de Salvador, elaborado pela ONG Cama, em 2019, oferece apontamentos sobre a situação desses trabalhadores. O estudo demonstra que 85% dos catadores avulsos declararam receber entre R$150 e R$350 mensalmente.
Como não há uma maior integração entre as cooperativas e os catadores atualmente, os materiais reciclados coletados costumam ser vendidos para ferros-velhos. “Esse trabalhador termina ficando entre a cruz e a espada. Aquele intermediário realiza a compra dos materiais próximo à comunidade dele, na maioria das vezes, praticando valores extremamente inferiores ao que poderia garantir ao comercializar seus rejeitos”, explica Joilson.

Além do trabalho de coleta de sucata dos catadores, quem não está inserido no ramo também procura vender os descartes para conseguir lucros. Um dos materiais mais valiosos, o lixo eletrônico é um grande exemplo de como a falta de conscientização sobre o trabalho das cooperativas pode prejudicar esses empreendimentos. Gentil Alves, um dos trabalhadores da Bariri, descreve como a interceptação prejudica o serviço da empresa.
“A população também tem uma parcela muito grande de responsabilidade e não ajuda. O material que podia ser coletado, poderia ser destinado para cá. Mas as pessoas não querem doar, querem vender, porque existe o atravessador. Então os órgãos públicos devem combater essas ações”, denuncia.
Startups fazem a diferença
Em conjunto com a prefeitura, cooperativas e catadores, a startup baiana SOLOS oferece infraestrutura para o descarte e coleta de resíduos em eventos de larga escala. A empresa atua na coleta seletiva no Carnaval de Salvador desde 2020. Saville Alves, sócia fundadora do projeto, diz que ações como estas têm reduzido a distância entre as cooperativas e os catadores.

“O reflexo desse contato que as cooperativas tiveram durante o Carnaval, nos últimos anos, tem dado para elas a luz de que é possível e que seria super interessante elas trabalharem também com compra de material dos catadores autônomos e fortalecendo para eles condições mais justas e dignas do que hoje os sucateiros oferecem”, diz.
Além da atuação em grandes festas, a SOLOS também desenvolve iniciativas de implementação de sistemas inteligentes de coleta. Uma das principais ações foi em Fortaleza, onde a startup ajudou a transformar um projeto em política pública, aumentando significativamente a renda dos catadores e garantindo a remuneração das cooperativas pelos serviços prestados.
Salvador também conta com pontos de coleta espalhados pela cidade administrados por outra startup, a So+ma, que também funciona no Paraná e em Santa Catarina. A iniciativa substituiu os Pontos de Entrega Voluntária (PEVs), que eram administrados pela Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Resiliência e Bem-Estar (SECIS).
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Yan Inácio é jornalista em formação pela Facom/UFBA. Atua como repórter e rabisca na crítica cinematográfica, fotografia e design. Tem interesse em filmes, teatro e estudos culturais.
Escolhi a pauta depois de observar o quanto de lixo é descartado inapropriadamente em Salvador. Isso me motivou a pesquisar sobre o funcionamento da logística dos resíduos na cidade.