Não me leve a mal. Eu amo o jornalismo. Me entrego a cada reportagem, em todo projeto.
*Thais Borges
Escrevo esse artigo algumas horas após ter feito um vestibular. Por isso, eu preciso me dirigir aos estudantes e dizer o que eu gostaria que tivessem me dito quando eu ainda estava na faculdade: ainda há tempo de mudar. Você já está na Ufba, ainda na graduação. Pode fazer transferência interna ou externa. Talvez cursar algo fora do país, se ainda tiver um Enem recente.
“Essa mulher enlouqueceu”, talvez você esteja pensando isso agora. De fato, por que escrever algo assim para um produto de estudantes de jornalismo? Porque já estive aí como aluna e já estive aí como convidada algumas vezes. E, a cada vez que sou chamada para falar em faculdades, fico mais pessimista.
Sempre que encontro uma turma, independente do semestre ou de qual seja a instituição, costumo perguntar o que os alunos acompanham. Quero saber que veículos leem – principalmente diários – e que profissionais admiram. Peço para indicarem um nome nacional e um nome regional. Gasto 5 a 10 minutos do meu próprio tempo de fala toda vez para isso, mas vale a pena toda vez. É sempre um tapa na cara. É sempre um choque diferente.
Ninguém lê os veículos locais. Alguns admitem que acompanham “pelo Instagram”. Spoiler: isso não conta. Não conhecem os profissionais locais a não ser os próprios professores ou um ou outro âncora de televisão. Não fazem a menor ideia do mercado que os espera. (E, preciso admitir: por mais triste que me deixe, parece que o cenário é sempre pior e mais fora da realidade nas universidades públicas, inclusive nessa minha querida alma mater. Todo mundo parece achar que vai ser a nova editora ou editor-executivo de Piauí ou do Nexo. Spoiler de novo: provavelmente isso não vai acontecer, não porque seu trabalho não seja incrível, mas porque realmente não existem tantas vagas assim mesmo).
Não me leve a mal. Eu amo o jornalismo. Me entrego a cada reportagem, em todo projeto. Mas costumo brincar, entre os amigos, que a relação não é saudável. O jornalismo dificilmente vai nos amar de volta.
O que realmente te espera quando sair da faculdade – e, talvez, ainda antes disso, em alguns estágios – é um mercado totalmente estrangulado, 80% baseado em assessorias de comunicação ou portais que cobrem política, polícia e famosos. O restante, que talvez eu esteja sendo generosa ao estimar em 20%, está morrendo aos poucos. Está na UTI, mas naquele quadro de coma que os médicos já pedem para chamar a família.
Por isso, o que te digo aqui não é uma realidade só de um local de trabalho ou de uma cidade. Obviamente, trabalhei em Salvador desde que me formei, em 2014, mas já circulei muito por esse país e conheço jornalistas da maioria dos estados. Não achem que o Sudeste está muito melhor. A quantidade de ex-faconianos incríveis que foram tentar a vida em São Paulo e 1) mudaram de área ou 2) voltaram para Salvador faria vocês chorarem. Acreditem: o número é maior do que aquelas histórias de sucesso que servem para mostrar que alguém que conhecemos trabalha na BBC ou no Jornal Nacional. Sim, você pode explodir nacionalmente – e torço por isso. Mas as estatísticas estão jogando contra.
Dito isso, preciso reforçar que a gente precisa ter o direito de trabalhar no próprio estado. Temos que ter o direito de não nos mudar daqui para ter mais oportunidades. Sempre acreditei que eu deveria fazer o melhor jornalismo possível, independente de onde estivesse. Mas se você nem sabe o que esperar do mercado local, pode muito bem ser engolida por ele.
A verdade é que, se você encontrar algum raro emprego em jornalismo (que costuma ser o sonho da maioria das pessoas que fazem o curso), tem grandes chances de parar em empresas que só querem contratar como pessoa jurídica, mas te exigem como um funcionário celetista. Vai se deparar com salários pouco acima do mínimo e uma rotina de trabalho 6×1. Sabe essa mobilização nacional contra essa escala? Pois, se você não engrossava o coro com os manifestantes, deveria, porque essa é a jornada legal dos jornalistas. Domingo será um dia de trabalho normal na sua vida. Espere perder datas importantes com sua família e amigos. Vai acontecer. “Ah, mas a gente sabe disso e na área de saúde acontece também”. Sim, mas geralmente profissionais de saúde recebem por plantão. Jornalista não recebe nada além do salário normal.
(Para ser bem sincera, eu não sei nem como alguns colegas jornalistas conseguem ter filhos, porque o malabarismo orçamentário para equilibrar as contas está além da minha compreensão).
Reportagens aprofundadas? Tempo para apurar? Só se você for ótima e tiver um pouco de sorte. Felizmente, faço parte do grupo que tem um pouco mais de tempo para fazer um texto… Mas a realidade quando olho para todos os lados é outra. Como alguém que está numa posição um pouco privilegiada no aspecto de produção, eu digo: somos cada vez mais raras. Pautas produzidas indicando fonte e caminhos? Esqueça, a menos que você mesma escreva sua pauta. As redações só diminuem, então ninguém tem tempo de fazer isso para você.
O salário continuará sendo ridículo. Você pode ser promovida uma, duas, três vezes e vai continuar recebendo menos do que os colegas de escola. É uma coisa estrutural mesmo e que, infelizmente, é institucionalizada. Lembro de ir para congressos de jornalismo em São Paulo quando estava na faculdade e ouvir dos palestrantes: “a gente ganha muito pouco mesmo, mas faz umas coisas legais”. Não, gente. Discordo que temos que naturalizar isso.
Realmente, o jornalismo já me deu oportunidades incríveis. Já conheci e entrevistei pessoas que nunca imaginaria ter a chance. Conheci outros países porque sou uma jornalista que fala inglês (ou seja, mesmo que na maioria das empresas não mude salário, o inglês te leva para os lugares mesmo). Fiz amizades incríveis por conta da profissão. Mas a gente não pode passar a mão na cabeça. A bagagem é linda, mas não paga conta. E a geração de vocês precisa questionar isso, já que todas as anteriores até a minha falharam em aceitar que essa realidade se tornasse o normal no país.
Por enquanto, não tem previsão de melhora. Sabe por quê? Porque nem você, que quer entrar no mercado, lê, escuta ou assiste o trabalho dos colegas. Nem você assina os conteúdos exclusivos de veículos de comunicação. Eu assino alguns e sou uma das poucas pessoas que conheço que ainda faz isso. Então, como vai melhorar?
Ao mesmo tempo, estamos assistindo a uma das ascensões mais abjetas que poderia imaginar. Se você quer ser jornalista e não está preocupada com o que – ou quem, para ser mais exata – se tornou referência de jornalismo na nossa cidade, é porque deve estar vivendo em Velaris. Se estiver em Salvador, basta prestar atenção nos outdoors.
Não vai melhorar.
A menos que você faça parte de um dos poucos grupos para quem ainda vale a pena fazer jornalismo: aqueles que querem produzir conteúdo próprio para plataformas digitais e empreender também por si. Se você tem ou quer ter seu canal no YouTube ou no TikTok – seja lá de qual área for – e está aqui para aprender como fazer o jornalismo da melhor qualidade, tudo bem. Nesse caso, eu te dou a maior força (desde que não tenha a ingenuidade de achar que detém os meios de produção; porque as plataformas não são suas).
Se você tem isso em mente – e não aquele jornalismo idealizado que possivelmente te fez escolher o curso -, aí você tem uma chance. Aí, sim, você pode ser muito feliz na sua profissão.
Se não tem, volto a dizer: ainda dá tempo de desistir do jornalismo.
Thais Borges é jornalista e mestra em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É estudante de Letras-Inglês e professora de inglês. É diretora da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) desde 2024 e tem experiência de 14 anos em redações jornalísticas. Já ganhou prêmios como Petrobras de Jornalismo, INMA Media Awards e menção honrosa no Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog. É repórter do Correio e já publicou em O Globo, El País Brasil e Colabora. Nas horas vagas, fala de livros no TikTok.