Criando pontes entre o conhecimento e a tradição

A mestra Japira Pataxó ensina sobre ervas, espiritualidade e ancestralidade na UFBA como uma das professoras  integrantes do Programa Saberes Tradicionais

 

Yan Gustavo Souza Barbosa ( @yan_rhuriz   )

 

Cercada por flores amarelas que combinam com o adorno em sua cabeça, a Pajé da Aldeia Novos Guerreiros, localizada no Extremo Sul baiano entre os municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, sorri com o olhar marejado ao falar sobre a experiência de ensinar na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Japira Pataxó, 65, integra o Programa do Edital Professor Visitante Notório Saber, iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão  (PROEXT),  que busca valorizar mestres de  comunidades indígenas, quilombolas e populares. O programa aproxima o ensino superior dos saberes comunitários e espirituais, criando pontes entre a academia e a tradição. No total, 22 mestres e mestras de saberes tradicionais e culturas populares que obtiveram o reconhecimento de Notório Saber foram contratados como professores visitantes pela UFBA por meio deste programa que, em 2025, teve a sua terceira edição.

 

Japira Pataxó é professora Notório Saber, um reconhecimento concedido a mestres e mestras que têm seus conhecimentos valorizados pela relevância social e cultural, mesmo sem formação acadêmica formal. No caso dela, obteve o título pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela UFBA.  

Japira Pataxó / Foto: Yan Gustavo

 

Antes de chegar à UFBA, Japira já era reconhecida como liderança espiritual e guardiã de saberes tradicionais. Durante anos, ministrou palestras sobre medicina natural e espiritualidade indígena em diversas instituições, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de São Paulo (USP). Seu caminho até a docência foi sendo construído aos poucos a partir dessas experiências. Fez palestra em faculdade da Federal do Sul da Bahia (UFSB), localizada em Porto Seguro, mas não tinha esperança de dar aula em Salvador. “Pensei: meu Deus, será que eu vou conseguir? Mas vim. E me deram o diploma como professora Notório Saber”, conta.

 

A presença de Japira na universidade também se expressa pelo acolhimento entre estudantes indígenas e não indígenas, criando um espaço onde as trocas são horizontais e afetivas. “Quando eles vêm pra cá e têm uma pessoa da minha idade pra conversar, pra passar o saber, eles me veem como uma mãe, se sentem amparados. Para quem deixa sua aldeia e a família para estudar na capital, esse apoio se torna essencial”. Nesse caso, tanto para indígena como para quem não é indígena.

 

 

O que eu faço é passar o que aprendi com os mais velhos. E ver que isso tá chegando em quem tá estudando hoje me deixa muito feliz. É o saber caminhando junto com o coração

 

 

 

 

 

Registros do livro físico de Japira / Foto: Yan Gustavo

 

 

Nas aulas, o aprendizado nasce do contato direto com as plantas e das histórias que acompanham cada uso. Japira explica sobre ervas medicinais, mostrando como algumas aliviam dores, outras são usadas para banhos ritualísticos, e outras servem para preparar garrafadas, tradicionais infusões de ervas guardadas em garrafas e usadas para fins terapêuticos. Ela também ensina a fazer o óleo da mesca, produzido a partir da maceração de ervas em óleo, utilizado em práticas de cura e cuidado corporal. Cada gesto, segundo ela, é parte de um saber que se aprende vivendo — sempre em diálogo com os mais velhos. Esse conhecimento está registrado no livro Saberes dos Matos Pataxó, lançado por Japira em 2022. 

 

Livro de Japira / Foto: Yan Gustavo

 

A trajetória de Japira ultrapassa paredes e formalidades. Sua presença na UFBA é, ao mesmo tempo, gesto de continuidade e resistência — uma aproximação entre o saber científico e o saber ancestral, entre a vida universitária e o território comunitário. Em cada planta que apresenta e em cada história que compartilha, ela reafirma que o conhecimento é vivo, transmitido no encontro entre pessoas, experiências e memórias. Mais do que ensinar, Japira cria caminhos. Sua presença lembra que aprender é também um gesto de cuidado, e que cada prática ancestral guardada e compartilhada é uma semente lançada para o futuro

 

 

Mini bio: Yan Gustavo Souza Barbosa – Yan Rhuiz, é meu nome indigna. Sou da etnia Mongoyó, cuja aldeia fica no Sudoeste da Bahia. Sou estudante do 6o. Semestre de Jornalismo na FACOM | UFBA. Tenho interesse em assuntos que cruzam ancestralidade, juventude e comunicação comunitária. Sou membro da Articulação Brasileira de Indígenas Jornalistas (Abrinjor).

 

Minha motivação para escrever esta reportagem nasce do meu interesse por jornalismo comunitário, ativismos e narrativas que valorizam a cultura. Contar essa história significa olhar para um modo de educar que rompe expectativas: a trajetória de uma professora que conquistou seu espaço não pelos caminhos acadêmicos tradicionais, mas pela força de sua experiência, cultura e história de vida. Ao narrar sua atuação, busco reconhecer e legitimar saberes que muitas vezes ficam à margem, mas que são fundamentais para repensar o que entendemos como educação.

 

 

 

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