Primeira empresa pública da área do país tem previsão de investimento anual de R$22 milhões, mas ainda enfrenta entraves para sair do papel
Milena Rocha (@mil3nar)
Conhecida nacionalmente como a “Cidade da Música”, Salvador é berço de artistas que marcaram a cultura brasileira. No entanto, o protagonismo baiano não se limita ao campo musical. A Bahia também tem uma trajetória rica no audiovisual, sendo palco de importantes movimentos e talentos que ganharam destaque dentro e fora do país.
Desde o Cinema Novo, com Glauber Rocha, até nomes como Wagner Moura, Lázaro Ramos e Sérgio Machado, o estado contribuiu fortemente para a história do cinema brasileiro, mesmo convivendo com desafios estruturais, como a concentração de recursos no Sudeste, a irregularidade de editais públicos e a escassez de investimentos.
Nesse contexto, a criação da Bahia Filmes, primeira empresa pública de audiovisual do país, surge como uma iniciativa inédita. Com previsão de investimento anual de R$22 milhões, a empresa tem como objetivo democratizar o acesso à produção cultural, estimular a formação técnica e consolidar a Bahia como referência nacional no setor.
Vinculada ao Governo do estado como sociedade de economia mista, a Bahia Filmes terá sede na antiga Junta Comercial da Bahia (JUCEB), no Centro de Salvador, com inauguração prevista para o início de agosto, segundo o secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro, em entrevista ao Metro1, no dia 15 de julho deste ano. De acordo com a Secult, o processo de implementação da Bahia Filmes ainda está em tramitação burocrática e em maio foi realizado um mapeamento com objetivos de orientar a equipe de transição e a política da empresa.

Para a cineasta Sofia Federico, a criação de uma empresa pública voltada ao audiovisual marca um avanço inédito para o setor na Bahia. “A Bahia Filmes é resultado de anos de diálogo entre diferentes entidades ligadas ao cinema e ao audiovisual. Já temos uma lei que institui a empresa e um regulamento que define sua estrutura organizacional. O próximo passo, é o mais desafiador, é tirá-la do papel e fazê-la funcionar plenamente”.
Sofia destaca a importância de que a implementação aconteça ainda em 2025. “Precisamos garantir que a Bahia Filmes entre em operação neste ano. Se isso não acontecer, corremos o risco de postergar, mais uma vez, um projeto que já vem sendo discutido há muito tempo pelo setor.”
Desigualdade estrutural

A fotógrafa e documentarista Ítala Cortez, estudante do Bacharelado Interdisciplinar de Artes, no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC | UFBA), conta que atua em periferias e terreiros de Salvador, sente esse desequilíbrio no dia a dia: “Produzir é caro, os editais são difíceis de acessar, principalmente para quem está começando ou que atuam em todos os espaços. E a formação técnica ainda é um grande desafio. Tem gente com talento demais, mas sem acesso à técnica, equipamento, apoio. “
O ator Gabriel Vinícius, do Núcleo Teatral Aworan, compartilha visão semelhante: “A Bahia Filmes mostra que o Estado está olhando com mais seriedade para o cinema. Precisamos de apoio contínuo para crescer e sermos valorizados aqui mesmo. Produzir um filme é só metade do caminho, fazer ele chegar no público, seja no cinema, plataformas ou em festivais é difícil quando você está fora do eixo Rio- São Paulo”.
A formação técnica também é um desafio apontado por aqueles que vivem dessa arte, conta Gabriel, “ A galera é criativa, mas nem todos têm acesso à cursos, equipamentos e orientação. Falta incentivo para formar mais técnicos, roteiristas e diretores”.
Para a cineasta Sofia Federico, contou que o maior desafio de quem atua no audiovisual é conseguir se manter em um setor marcado pela irregularidade. Ela defende, ainda, que os mecanismos de incentivo sejam aprimorados e diversificados. “Não podemos depender exclusivamente de editais públicos. É preciso pensar em novos modelos de financiamento para fomentar todo o setor do audiovisual”.
Para Sofia Federico, o maior desafio de quem atua no audiovisual é conseguir se manter em um setor marcado pela irregularidade. Ela defende, ainda, que os mecanismos de incentivo sejam aprimorados e diversificados. “Não podemos depender exclusivamente de editais públicos. É preciso pensar em novos modelos de financiamento para fomentar todo o setor do audiovisual”.
Formação profissional e o papel das universidades

Audio prof Serafim + Prof Guilherme
Para o professor da Área de Concentração em Cinema e Audiovisual da FACOM | UFBA (ofertada para estudantes do BI de Artes do IHAC), José Francisco Serafim, o país vive um momento de reconhecimento internacional no cinema, mas a Bahia ainda está construindo seu espaço: “Temos muitos cineastas baianos, mas muitos precisaram produzir fora do estado. Políticas públicas como a Bahia Filmes podem mudar esse cenário e abrir novas possibilidades.”
Serafim destaca que, após um período de desmonte do setor e os impactos da pandemia, o audiovisual está em reconstrução. “Com as eleições se aproximando, tudo pode mudar. Isso mostra o quanto os profissionais do cinema ainda são extremamente dependentes dessas políticas, por isso a Bahia Filmes é importante, para pensarmos o futuro”.

O professor de Captação e Edição de Som em Cinema e Audiovisual, Guilherme Maia, também da FACOM, ressalta a importância da educação superior no crescimento do setor. Segundo ele, a criação de cursos de cinema nas universidades públicas mudou o cenário da produção baiana: “Hoje temos muito mais profissionais qualificados atuando em séries, curtas, animações e outros formatos. As universidades têm papel fundamental nesse processo.”
Para ele, o apoio estatal é indispensável: “O audiovisual envolve tecnologia, mão de obra qualificada e altos custos. Concorrendo com grandes indústrias, precisamos de uma rede de proteção para garantir a nossa representatividade nas telas.”
Com a criação da Bahia Filmes, o estado dá um passo importante rumo à valorização do seu próprio imaginário e à democratização do acesso à produção cultural. A efetivação desse projeto, no entanto, depende da continuidade dos investimentos e da participação ativa daqueles que atuam em todos os espaços, incluindo as periferias, o interior do estado e os coletivos formados nas universidades.
Ambos os professores falaram sobre a possibilidade de ser implementado um curso de cinema e audiovisual na instituição, como uma forma de fortalecer ainda mais o ensino e formar profissionais cada vez mais qualificados.
Para entender mais sobre os desafios estruturais enfrentados pelo cinema baiano e como a exclusão de territórios impacta a produção cultural, leia também a matéria Muito longe da sétima arte, no site do Impressão Digital.
Milena Rocha, estudante de Jornalismo na Facom|UFBA, atualmente é estagiária em assessoria de comunicação no CRESS-BA.
A escolha da pauta surgiu a partir da observação de como o cinema brasileiro tem ganhado destaque no mercado internacional, especialmente após o sucesso de Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar, e de O Agente Secreto, estrelado pelo baiano Wagner Moura e premiado em Cannes. Diante desse cenário, surgiu a pergunta: e as produções baianas? A Bahia conta com diversos profissionais de destaque na área, por isso senti a necessidade de entender melhor como uma empresa baiana de audiovisual pode contribuir para o fortalecimento das nossas produções locais.