A história de um prédio abandonado no Centro de Salvador que foi ocupado e voltou a ser esvaziado
Gustavo Nascimento (@gustavnf_) e Theo Fernandes (@theofernandest)
Um prédio na Praça Castro Alves, na esquina entre a Avenida Sete e a Rua Carlos Gomes e próximo ao Hotel Fasano, esteve ocupado pelo Movimento de Lutas em Bairros, Vilas e Favelas (MLB) entre 2021 e 2024. Segundo a entidade, cerca de 290 famílias viviam na “Ocupação Carlos Marighella”, no edifício que outrora abrigou o Centro Educacional Magalhães Neto e pertence à Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa). Em junho de 2024, o prédio foi esvaziado sob o argumento de que seria leiloado, mas voltou a ser abandonado e continua vazio depois de 18 meses.
Segundo o MLB, o Governo do Estado, acionista majoritário da Embasa, informou que o prédio seria leiloado e o terreno passaria a abrigar um hotel. O plano não se concretizou, e atualmente as janelas da construção estão fechadas com tijolos.

Procurada pelo Impressão Digital, a Embasa não enviou nota de posicionamento até a publicação desta reportagem. O MLB alega que o prédio estava abandonado desde 2009.
Em abril de 2024, dois meses antes da desocupação, o deputado estadual Tiago Correia (PSDB) solicitou ao Governo do Estado uma vistoria da construção e acompanhamento da situação do edifício. Em janeiro do ano anterior, uma decisão judicial determinou que o prédio só poderia ser esvaziado caso as famílias fossem realocadas para novas moradias. Em 7 de junho de 2024, as famílias foram notificadas que teriam 15 dias para esvaziarem o prédio.

O MLB alega que 90 famílias passaram a ser beneficiadas com o Auxílio Moradia da prefeitura, e o restante estaria aguardando moradias do Minha Casa Minha Vida – Entidades. O projeto é uma vertente do Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, que prevê “concessão de financiamento subsidiado a famílias organizadas por meio de entidades privadas sem fins lucrativos para produção de unidades habitacionais urbanas, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS)”.
O Auxílio Moradia prevê R$ 300 mensais. Segundo Joana Silva, 16, uma das pessoas que ocupava o prédio da Avenida Sete, o acordo foi conquistado depois de negociação do MLB com a prefeitura.
Joana faz parte de uma das famílias que moravam na Ocupação Carlos Marighella e hoje integra a Ocupação Maria Felipa, no Pelourinho, também organizada pelo MLB e criada depois da desocupação do prédio da Praça Castro Alves. A nova ocupação funciona em um prédio de três andares, com paredes de tapume, pisos com buracos e frequentes quedas de energia.

Joana não quis ser identificada pelo Impressão Digital, que deu a ela um nome fictício. Ela mora com seu pai e sua filha na Ocupação Maria Felipa.
Ex-moradores ouvidos pelo Impressão Digital alegam que a Ocupação Carlos Marighella foi alvo de diversas operações policiais ao longo dos três anos em que esteve ativa. Os relatos são de que os policiais alegavam a existência de pontos de tráfico de drogas.
Lorena Bonfim, 39, diz que passou a morar na Ocupação Maria Felipa por uma questão de necessidade. “Eu não tinha trabalho, não tinha um meio de ter as coisas com duas filhas. Então, eu não tive outra opção”, conta.
“Quando eu passava aqui eu dizia: ‘eu não vou entrar aí não, parece que só tem doido’. Eu criticava. [É bom morar aqui porque tem] muita gente, dá risada, tem briga, tem discussão”, explica Lorena.
“É melhor [que morar sozinha], porque assim não tenho medo de nada”, completa Joana.
O que pode ser feito?
Segundo pesquisa da prefeitura em 2024, Salvador tem 5.130 pessoas em situação de rua. Um relatório da Defesa Civil de Salvador apontou, em 2023, que mais de 2.700 imóveis da cidade estavam abandonados.
Essa contradição é explicada por Felipe Santos do Canto pela falta de motivação das esferas estadual e municipal em dar uso aos imóveis abandonados. Ele é doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Faufba da dissertação de mestrado “Disputas por centralidade na práxis dos movimentos sociais por moradia no Centro Antigo de Salvador/BA”, defendida em 2023.
“Não é interessante financeiramente para o Governo e para a Prefeitura dar usos reais para esses edifícios no final do dia. Então, a ocupação é uma maneira de resistência, de reivindicar direitos por moradia, pelo direito da cidade”, explica o arquiteto.
Ele analisa o método do MLB e o uso das ocupações como meio político. Enquanto entidades da mesma causa, como o Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), ocupam construções em longo prazo com intenção de dar moradia permanente às famílias, o MLB busca dar holofotes ao descaso e ao abandono.
“O MLB tem esse viés de ocupar, mas não para permanecer nos casarões, mas ocupar para mostrar que eles existem, que existem famílias que não têm onde morar. E, no fim, conseguir alguma habitação que não seja necessariamente naquele casarão que eles ocuparam. Isso é uma característica muito específica do MLB”.
“Tinha muitas famílias naquele edifício [Ocupação Carlos Marighella]. As pessoas moravam em cubículos, dividindo o povo com tapumes. Era um tipo de ocupação diferente, de política de resistência para conseguir direitos habitacionais”, completa.
Para ele, fechar as janelas com tijolos não só mostra intenção de evitar novas ocupações como indica que o novo uso do prédio, caso exista, deve demorar muito tempo para começar a ser posto em prática.
Por fim, para Felipe, a solução é fazer com que os prédios abandonados, sobretudo no Centro Antigo de Salvador, sejam usados também como moradia, e não só para fins turísticos.
“Hoje, o investimento que a gente tem para o Centro com os casarões é investimento com foco turístico, com foco em comércio ou com foco em hotéis, por exemplo, ou então habitacionais de alta renda. Então, se você não dá uma destinação que também entende que esse é um uso que faz sentido, a gente vai continuar com casarões abandonados por muito tempo”.

Crédito: Theo Fernandes.
“E aí a gente vai ter tantos casarões abandonados que são públicos, mas também muitos que são de pessoas físicas, privadas, que só abandonaram e o Estado não intervém. Eles vão intervir, vão tomar o edifício, por exemplo, mas e aí? Eles vão ter recursos para investir e dar de fato o uso para aquele casarão? Talvez não”.
“Por exemplo, a Rua Chile, que tem os hotéis Fasano e Fera Palace. Aquela rua inteira é do domínio privado, de um grande conglomerado de um hotel que comprou anos atrás e vem ocupando, ano após ano, aqueles edifícios com usos para fins de turismo, hotelaria, habitação de alta renda. Falta um olhar estratégico do Estado, entendendo que o Centro é diverso, não dá só para investir a partir do turismo e do comércio, mas precisa também garantir a habitação para várias classes sociais”, conclui Felipe.
A história da Ocupação Marighella, portanto, deixa mais perguntas que respostas. Principalmente sobre o destino do prédio: por que o prédio continua abandonado? Quais os planos para o futuro do edifício? Por que a Embasa fechou as janelas?
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Gustavo Nascimento é estudante de Jornalismo na UFBA desde 2023, mesmo ano em que se tornou membro da Liga de Jornalismo Esportivo da UFBA (LJEU), onde permaneceu até o final de 2024. Profissionalmente, atuou na Comunicação do Esporte Clube Ypiranga e do Esporte Clube Vitória entre 2024 e 2025, e hoje integra a redação do portal Varela Net. É um dos apresentadores do podcast esportivo Debate-se, produto da Rádio FACOM, desde 2024, além de administrar o perfil debateydebate nas redes sociais desde 2021.
Theo Fernandes estuda Jornalismo desde 2023 na UFBA, onde também participou por mais de dois anos da Liga de Jornalismo Esportivo (LJEU). Desde fevereiro de 2025, é estagiário na Rede Bahia e atua como repórter do portal esportivo ge.globo. Entre 2024 e 2025, foi estagiário e atuou como repórter no caderno impresso de esportes do Jornal MASSA! por sete meses. Apresenta o podcast esportivo Debate-se, produto da Rádio FACOM, desde 2024.
Esta reportagem foi motivada pelo interesse em entender a história e as contradições por trás da Ocupação Carlos Marighella. Um prédio abandonado no coração de Salvador, próximo a hotéis de luxo e ocupado por quase 300 famílias sem teto é uma história complexa e controversa por si só, o que se intensifica ao buscar descobrir os motivos e os responsáveis.



