Muito longe da sétima arte

Apenas 23 dos 417 municípios baianos possuem cinema. Salvador tem metade das salas, seguida por Feira de Santana e Vitória da Conquista

 

Roger Caroso (@roger_caroso) e Vítor Rocha

 

Quarto maior estado do Brasil, as 147 salas de cinema em funcionamento na Bahia estão distribuídas em apenas 5,5% das cidades. Segundo o painel interativo da Agência Nacional do Cinema (Ancine), entre os 417 municípios em território baiano, somente 23 comportam todos os complexos cinematográficos da unidade federativa. A escassez de ambientes cinematográficos no estado também se dá por uma disparidade econômica entre as regiões do país, uma vez que o eixo Sul-Sudeste representa mais de dois terços dos 3.496 espaços em funcionamento. 

 

Entre as localidades com acesso à sétima arte, 19 estão entre as 30 mais populosas do estado, e a capital baiana concentra praticamente metade das salas disponíveis, com 72 (49%). Completando o pódio, Feira de Santana e Vitória da Conquista figuram com nove salas cada. 

 

 

Contexto Estadual

 

Por mais que os números da Bahia pareçam mínimos, no contexto nacional,  apenas 8,1% dos municípios possuem cinema, alcançando aproximadamente 59% da população, ou seja, 119 milhões de pessoas. Contudo, no estado esses 5,5% de cidades, contemplam apenas seis dos 14 milhões dos baianos, ou seja, 43% dos habitantes, um número já consideravelmente menor que a média brasileira. 

 

Dentro do recorte das 23 cidades com complexos cinematográficos, é possível traçar uma lógica demográfica dentro do estado. As mesorregiões Metropolitana de Salvador, Centro-Sul e Sul possuem juntas 85% dos espaços, totalizando 124 salas. Os outros 15% se encontram nas mesorregiões do Extremo-Oeste, do Vale São-Franciscano, Centro-Norte e Nordeste baiano, com 23 salas. Ressaltando assim, uma grande disparidade das zonas de mata atlântica na comparação com cerrado e caatinga. 

 

Por mais que no século XXI o interior do estado seja enxergado como um local sem acesso à cultura, em outros momentos da história era comum para as pessoas irem aos cinemas como um evento aos fins de semana, frequentando as saudosas salas de rua. É o que conta a jequieense Glória Souza, “Durante toda minha infância nos anos 70, ir ao cinema era um programa regular da minha família, que tratava a experiência como um evento”. Todavia, ela relata que a situação mudou ao longo das décadas seguintes: “A partir do final dos anos 80 os dois cinemas que tinham em Jequié fecharam, e a cidade só voltou a ter um espaço desse tipo em 2019”.

 

A experiência vivida por Glória pode ser observada em todo Brasil na segunda metade do século XX. Segundo o diretor do Cine Glauber Rocha, Cláudio Marques, o cenário dos cinemas de rua passaram por uma forte queda com a chegada da televisão e aumento da criminalidade nos centros urbanos:

 

 

Em Santa Teresinha, no Centro-Norte baiano, Danilo Santana, um dos fundadores do Instituto Cultural Mafuá, mitigou o problema com a criação do cineclube de mesmo nome. No terceiro domingo de todo o mês, gratuitamente, as crianças, adultos e idosos do município de dez mil habitantes podem assistir a um filme nacional da escolha da instituição. “Na maioria das cidades do interior da Bahia, o acesso aos espaços convencionais de cinema é praticamente inexistente . A maioria das pessoas nunca foi  ao cinema e ainda depende de televisão, do streaming – quando há acesso a internet – e da pirataria para conseguir ver filmes”, explica Santana.

 

A utilização da pirataria possui um papel dúbio no setor cinematográfico, como apontou o economista e consultor de finanças Antonio Carvalho. Para ele, a democratização é válida para os consumidores, mas destacou o prejuízo aos artistas. “A pirataria lesa os produtores dos filmes, que não obtêm lucro sobre suas criações e esforços. No entanto, é preciso olhar a perspectiva de que amplia o acesso às obras para pessoas de menor renda, aumentando o interesse da população e o alcance dos filmes”, detalhou. 

 

 Disparidade regional

 

Média de habitantes por sala de cinema nas regiões do Brasil. Crédito: elaborado pelos autores

 

As salas de cinema na Bahia e no Brasil apresentam uma recuperação lenta após os impactos severos da pandemia de COVID-19. Ainda segundo o mais recente relatório da Ancine, em 2023 o mercado brasileiro mostrou crescimento, mas ainda está longe de atingir os níveis pré-pandemia. 

 

No âmbito nacional, houve um aumento de 20% no público e 17,5% na renda total, somando R$2,2 bilhões e 114 milhões de ingressos vendidos. O parque exibidor apresentou uma recuperação de 1,6% em relação a 2022, mas ainda 36% abaixo do público registrado em 2019. Na Bahia, observa-se que os desafios refletem o contexto nacional, com um mercado que luta para se estabilizar. 

 

Embora os lançamentos internacionais como “Barbie” e “Super Mario Bros.” tenham dominado as bilheterias, o cinema nacional ainda enfrenta dificuldades. Apenas 3,2% do público de 2023 assistiu a produções brasileiras, marcando uma queda significativa em relação a 2019. No entanto, o setor aposta na retomada da cota de tela e em investimentos como os R$ 1,6 bilhão anunciado pelo BNDES para fomentar a produção nacional. 

 

O início de 2024 traz sinais de otimismo, com um aumento significativo no público de filmes nacionais e iniciativas que incluem chamadas públicas para coproduções internacionais e maior apoio a distribuidoras regionais. No estado, foi aprovado pela Assembleia Legislativa a criação da Bahia Filmes, a primeira empresa estadual de cinema do país. A iniciativa, conforme apontou o secretario de Cultura do Estado da Bahia Bruno Monteiro, tem o intuito de fomentar a produção de obras na região.

 

“A  gente está lidando com a democratização e o acesso a cultura, durante muito tempo no estado a cultura foi vista como acessória; Hoje vivemos outro momento em questão de recursos, houve uma construção histórica de que os verbas estavam concentradas apenas em Salvador para determinados tipos de arte. É um processo de territorialização, entendendo a Bahia como um estado amplo e diverso, pois a cultura é território. “, declarou o líder da pasta durante a primeira edição do 1° edição do Seminário da Juventude de Cultura e Comunicação (Sejucom).

 

Bruno Monteiro durante o Sejucom - Crédito: Divulgação
Bruno Monteiro durante o Sejucom – Crédito: Divulgação

 

Assim, o próximo passo é impulsionar o setor e analisar a viabilidade da companhia criada pelo Governo do Estado. É o que apontou a sócia do circuito Saladearte Suzana Argolo, que ressalta a necessidade das novas medidas para uma futura expansão das salas. “Historicamente, os recursos do audiovisual têm se concentrado majoritariamente na produção e, em menor escala, na distribuição, deixando os exibidores quase sempre à margem. Essa abordagem integrada pode fortalecer as salas que valorizam o cinema nacional e impulsionar o crescimento do circuito exibidor, além de consolidar o audiovisual baiano como uma parte estratégica da cultura e da economia criativa do estado ”, projeta.

 


Roger Caroso é estudante de jornalismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA), estagiário da BandNews FM  e faz parte do portal de conteúdos de cinema, Moqueka, de onde surgiu o interesse em abordar a atual situação das salas no estado. 


Vitor Rocha é estudante de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA), estagiário do Correio*  e faz parte do portal de conteúdos de cinema, Moqueka. O interesse pela pauta surgiu da paixão pela sétima arte e a noção da escassez de cinemas de rua no estado.

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