“Profissionalmente, o medo não me paralisa”

Itabunense em Salvador, a jornalista e apresentadora da TV Bahia Andréa Silva é uma daquelas profissionais admirada por colegas e telespectadores

 

Bia Nascimento (@bianascimentocj)

 

Em uma nova era, em que as roupas leves e confortáveis do jornalismo de rua dão lugar ao blazer, à alfaiataria e ao linho; as ruas esburacadas ao estúdio, e o microfone com a canopla da Globo à lapela, Andréa Silva deixa 29 anos de jornalismo factual para o comando do telejornal das 11:45 da manhã.

 

Foi no último dia do mês de março de 2025, uma segunda-feira, que se teve a notícia da ida da jornalista para a ancoragem do Bahia Meio Dia. Isso ocorreu após ela ficar 13 dias na apresentação do Jornal da Manhã durante um período de férias da jornalista Camila Oliveira.  

 

A notícia veio em um bom momento, no qual a profissional começou a tecer autocríticas sobre o próprio desempenho. “O Jornalismo exige cada vez mais assuntos, então você não pode se estender tanto assim. Não fazia com a mesma competência porque eu ficava nervosa e queria devolver [encerrar o ao vivo] logo. Dominava o assunto, mas devolvia logo”, conta. 

 

“Minha história começou assim, por acaso”. É como descreve sua chegada no Jornalismo. Natural de Itabuna, a primeira escolha da repórter (como afirma que sempre será) foi cursar Letras, graduação que iniciou na Universidade Estadual de Santa Cruz, a UESC. 

 

Ao sentir a vontade — quiçá a necessidade para “não ficar dependendo de mainha e painho para tudo” — de ganhar o próprio dinheiro, Andréa começou a procurar o primeiro estágio. O desejo dela começou a se transformar em realidade quando uma colega de faculdade a indicou para o cargo de assistente de produção na TV Cabrália, que até então era afiliada do SBT no município de Itabuna.

 

“Eu estava com a idade aflorando, na fase de querer ter uma roupinha, ter uma coisinha. E aí essa minha amiga me falou ‘Ó, tem uma vaga. A TV Cabrália está selecionando’, conta Andréa. No primeiro momento, pensou: ‘imagina, nem ideia do que significa televisão’ Primeira das muitas surpresas que viriam, ela recebeu a notícia: “Fui chamada para ficar”.

 

A primeira reportagem

 

Faltando pouco tempo para completar sete meses na emissora itabunense, durante um dia de plantão de São José, padroeiro do município, Andréa passou por uma surpresa: o repórter que assumiria o plantão em seu turno não pôde comparecer, e seu chefe, Daniel Tamer, imediatamente disse “vai você”. 

 

A confiança em uma estagiária que não era graduada na profissão não chegou para o editor à toa: no turno oposto, Andréa Silva pedia para acompanhar equipes de reportagem e fazer tudo o que o repórter fazia: apurar, escrever passagens (momento em que o repórter aparece em uma reportagem) e outras atividades do repórter profissional. 

 

Andréa assumiu o desafio, que fluiu bem. Depois, retornou à TV. Prestes a finalizar a jornada, um outro acontecimento: um grave acidente na rodovia de Itabuna. Mais uma vez, uma reportagem apurada e gravada foi ao ar. “A partir daí, eu mantive a minha função de produtora, mas sempre sendo puxada para a rua. Alguém faltava, Daniel me escalava, alguém precisava de uma equipe a mais no fim de semana, ele me colocava”.

 

A chegada em Salvador

 

Contratada na TV Cabrália, a estagiária tornou-se uma repórter. Foi então que, em 1995, a TV Itapoan, por meio de Genildo Lavinsky, a convidou para integrar mais um rosto em sua tela. 

 

“Eu falei: ‘Meu Deus, eu topo’. Aí caiu minha ficha. Nesse exato momento eu falei para ele: ‘Só que há uma questão’. ‘Qual?’ ‘Eu não sou profissional'”. Andréa ainda não possuía o DRT (Registro Profissional da Delegacia Regional do Trabalho) para atuar como repórter. No Brasil, o diploma de Jornalismo foi obrigatório até 2009, antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

 

“Ele falou: ‘não, mas espera aí, vamos resolver isso aí’. Isso não vai ser um impeditivo de você crescer’”. A sugestão de Genildo foi que ela seguisse como produtora até credenciar-se pela DRT, que conseguiu após deslocar-se todos os sábados de Salvador para Cruz das Almas, local onde fez o curso técnico de radialista que a habilitou para tal. Ainda durante o curso, o sindicato da categoria a considerou apta para atuar no vídeo. 

 

Em 1996, Andréa foi convidada a sair da afiliada da Record para ir à TV Bahia. Foto: Arquivo/Tv Bahia

 

“Eu vim para cá para a vaga de Lívia Calmon, excelente repórter, uma mulher negra, linda, que eu admirava demais, e ela foi chamada para a Rede Globo Rio”, explica. 

 

Deixar sua cidade natal, onde vivia com a família, arriscar duas propostas ousadas sem ainda haver se graduado em Jornalismo são decisões que atestam que o medo não paralisa Andréa. E não paralisar também significa não estagnar-se: mesmo após se consolidar como um rosto marcante da TV Bahia, a repórter decidiu graduar-se na área.

 

Uma nova formação

 

Criada em 2001, a Faculdade Social da Bahia (FSBA) atualmente é o Centro Universitário Social da Bahia (UNISBA). Uma das ex-alunas da instituição chama-se Andréa Silva. 

 

“Eu fiz a parte técnica, me legalizei para atuar na área, e quando eu vim para cá, para a TV Bahia, comecei a perceber pessoas com currículos maravilhosos”. Com recato, a jornalista admite que se sentia envergonhada e com medo de tornar-se limitada. “Falei: ‘Quer saber? Eu vou entrar na faculdade’”. Seria esse mais um medo vencido?

 

Mônica Carvalho, jornalista e assessora de imprensa, foi sua colega de sala e conta que observou ao seu lado além de uma amiga, uma estudante atenta, participativa e comprometida. Apesar de se conhecerem desde antes da graduação, as duas se aproximaram ainda mais no Trabalho de Conclusão de Curso, que fizeram uma exposição fotográfica sobre o Rio Vermelho. “Nossas noites registrando, em fotos, a boemia do Rio Vermelho foram intensas e memoráveis”.

 

De grandes projetos a um grande telejornal

 

“Andréa presta atenção no ambiente inteiro, então ela se movimenta, ela vê pessoas, ela conversa, ela consegue enxergar o outro, e isso é combustível para ela”, é o que atesta Daniella Silva, chefe de produção da TV Bahia. Daniella trabalhou pela primeira vez com a apresentadora quando era editora-chefe do Jornal da Manhã, em 2011. Para ela, a experiência foi a de ver uma profissional atenta e dedicada como se todo dia fosse o primeiro. 

 

Andréa Silva, para Rogério Araújo, editor de imagens da TV Bahia, não é nada diferente do que se vê na tevê. “Editando suas matérias, pude capturar mais de perto sua sensibilidade, a doçura, a empatia com as pessoas”, descreve seu primeiro contato com Andréa. Ao conduzir quadros como o Desaparecidos e o Minha Vida no Buzu, a jornalista mostrou que se colocar no lugar do próximo é requisito basal do jornalismo.

 

Ao conduzir quadros como o Desaparecidos e o Minha Vida no Buzu, a jornalista mostrou que se colocar no lugar do próximo é requisito basal do jornalismo.

 

Ao conduzir quadros como o Desaparecidos e o Minha Vida no Buzu, a jornalista mostrou que se colocar no lugar do próximo é requisito basal do jornalismo. Foto: Arquivo/ TV Bahia

“Eu nem falo Andréa, eu falo Dedéa, ou Déa. A profissão, a maternidade e ser da mesma cidade fazemme sentir mais especial, pelo simples fato de ser da mesma cidade que ela. Quando Andrea foi oficializada como apresentadora do Bahia Meio Dia, eu chorei. Achei que foi uma prova de reconhecimento  absurda do trabalho e da profissional Andréa Silva”, completa Daniella.

 

Reconhecimento esse que aflorou após a ideia do colega de profissão, o apresentador Ricardo Ishmael. Em 2005, quando ele chegou na TV Bahia, iniciou uma relação de confiança e parceria com a apresentadora. “Eu sempre achei que a Andréa Silva tinha, como de fato tem, um perfil para apresentação. Para além da grande repórter que ela é e que todo o Brasil conhece, ela tem também uma característica para o estúdio. Eu sempre achei isso e defendia isso”. 

 

Ricardo propôs à diretora de Jornalismo, Ana Raquel Copetti, e à gerente de Jornalismo, Sheron Monalisa, o retorno de Andréa Silva para o estúdio como apresentadora temporária, como já havia ocorrido em outros momentos. 

 

 

As chefes concordaram e, então, tudo mudou para a jornalista: “Leve, como são as coisas feitas por ela, deu muito certo, funcionou muito, aquilo que a gente chama de liga de química bateu, tanto que logo na sequência veio o convite para que ela fosse para o Bahia Meio Dia”, conclui Ricardo. 

 

 

“Bia, eu olho para você e imagino que é minha filha”

 

Querida nas ruas, nas telas e no Jornalismo, Andréa é como é. É como todo mundo que não conhece imagina, é como muitos almejam ser, até para essa que vos escreve. Não há como ser jornalista ou estudante e não admirar o trabalho de Andréa Silva. E esse é um dos primeiros registros que eu, estagiária há quase dois anos na TV Bahia, pude comprovar. 

 

“Bia tem idade para ser minha filha”, costuma repetir. Um dia, era um plantão de sábado e uma matéria em que eu fui a repórter estava prevista para ser exibida. Pensei: “Por que não assistir no estúdio? Hoje é ela quem vai apresentar, não tenho motivos para sentir vergonha”.

 

Quando cheguei, ela sorriu e perguntou: “A matéria de hoje é sua?”. Acenei que sim. No ponto, ela perguntou: “Camilinha [editora-chefe do Bahia Meio Dia], posso chamar Bia para falar ao vivo?”. Com o consentimento, perguntou se eu aceitaria. Balancei a cabeça devagarzinho, negando. “Vamos, menina”, carinhosamente. Com a resposta, me senti mais segura e aceitei. O resultado você confere a seguir: 

 

https://globoplay.globo.com/v/14005037/

 

“Bia fez um material tão bacana, eu fiquei tão feliz com aquilo e foi tão espontâneo, tão natural”, escuto, com os olhos marejados, Andréa me contar por que resolveu, em um sábado, mudar tudo na carreira de uma estudante no dia 11 de outubro de 2025. 

 

E assim, seguimos a acompanhar a história da repórter que nunca se viu estagnada pelo medo, agora, no estúdio do Bahia Meio Dia. Andréa Silva transcende a imagem da jornalista respeitada; ela é a prova viva de que a curiosidade, a dedicação e, acima de tudo, a empatia genuína com as histórias das pessoas são o verdadeiro motor de uma carreira brilhante e inspiradora, como a própria afirma: “É meu lema, minha vitória, meu troféu. Ter medo, mas não paralisar”. 

 

Bia Nascimento – Estudante de Jornalismo da FACOM | UFBA, atualmente é estagiária na TV Bahia, onde atua na produção, reportagem e edição do Parceiros do Bahia Meio Dia, quadro especial do telejornal veiculado aos sábados. Além disso, atua na produção dos telejornais diários da emissora. Bia também é fundadora e editora-chefe do portal Entrepontos.

 

A motivação para esta reportagem surgiu a partir das lembranças que todos que a conheceram contaram ao longo das entrevistas presentes nesta matéria, inclusive pelo relato da autora, e que quem acompanha o telejornalismo baiano pode atestar.

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