Na obra é possível perceber elementos que remetem a agricultura familiar. Há a imagem de uma senhora negra catando guaraná, a fira do campo atrás e trabalhadores da roça. Seu intuito é falar da relação dessas comunidades com a produção do alimento.

Projeto Murais revitaliza e preserva espaços de convivência da UFBA​

Realizado a partir de edital, o projeto-piloto teve início em 2024 e contempla obras artísticas em muros de seis prédios da universidade no Campus de Ondina

 

Glenda Morais  (@_glenda_morais)  e Felipe Sena (@felipedisenna)

 

O ano de 2024 foi um período de mudança para os espaços de convivência da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com o uso de cores vibrantes, ilustrações que trazem pautas voltadas à preservação ambiental, representatividade e cultura, o Projeto Murais UFBA transformou seis muros de prédios ao longo do Campus de Ondina.

 

Realizado pela Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sumai), em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão (Proext) e a Escola de Belas Artes (EBA), além de revitalizar os espaços da universidade, o projeto possibilitou também a participação da comunidade acadêmica, que através de seus trabalhos, trouxe cor e arte para o campus em que transitam centenas de estudantes e visitantes diariamente.

 

A iniciativa contemplou produções visuais na parede da sede da Sumai, do Pavilhão de Aula Glauber Rocha (PAF III), do Pavilhão de Aula Reitor Felipe Serpa (PAF I), da Pró-Reitoria de Extensão (Proext) e do Restaurante Universitário Manoel José de Carvalho (RU). Os trabalhos foram elaborados pelos estudantes Júlia Zogbi, Miguel Gouvêa e Isadora Alecrim, Beatriz Calixto, Rejane Gonzaga e Josemar Santos, respectivamente.

 

 

A ideia do projeto partiu da preocupação do professor Antônio Lobo, coordenador da Coordenadoria de Meio Ambiente da SUMAI, com a melhoria dos espaços de circulação e convivência da universidade. Mesmo com a realização de reformas de requalificação, a coordenação percebeu a ausência de elementos que trouxessem mais cor e vivacidade a esses espaços, além de torná-los mais acolhedores. Assim, de início a proposta se chamaria Grafi UFBA, partindo da elaboração de murais apenas com grafite, mas novas sugestões fizeram a ideia se expandir para a elaboração de obras com pintura, stencil ou colagem.

 

“Nós nos preocupamos muito com a qualidade dos espaços, principalmente dos espaços de uso coletivo. Em função disso, já desenvolvemos vários projetos paisagísticos e várias áreas já foram requalificadas para trazer mais qualidade, bem-estar e segurança para a nossa comunidade. Mas mesmo com todo esse esforço, sentíamos a necessidade de algo que trouxesse mais cor, brilho e movimento artístico. A partir disso, começamos a pensar no Grafi UFBA que depois se transformou no Murais UFBA”, ressalta Antônio Lobo.

 

A partir do diálogo com a Proext, a Vice-Reitoria e a Escola de Belas Artes, o Projeto Murais tomou forma por meio de um edital, em 2023. Nele foram estabelecidos prazos de execução dos trabalhos, além da seleção dos artistas e das obras. O edital também contemplava os selecionados com o valor de R$3.000 para auxiliar nos custos com os materiais. A Pró-Reitoria de Extensão (Proext) foi a responsável pela elaboração do edital e por cuidar do cronograma de atividades, já a Escola de Belas Artes cuidou da seleção dos estudantes para a produção dos murais. A Sumai participou de todo o processo de execução do projeto, a partir da preparação das paredes, do suporte com andaimes e auxílio com colaboradores.

 

Etapas de execução

O impacto das pinturas realizadas no Campus de Ondina está ligada a dois aspectos que não se dissociam: a política ambiental da UFBA e a colaboração na formação da comunidade acadêmica. Isso, com o objetivo de promover um ambiente agradável, para o bom convívio dos estudantes que circulam por lá todos os dias.

 

“O objetivo principal dos murais é estabelecer, a partir do protagonismo estudantil, uma ocupação artística e cultural, uma dimensão de convívio, de cuidado, com os espaços comuns, com a universidade, como um lugar de circulação, e de construção de vínculos, de relação”, explica Rita Aquino, coordenadora da Pró-Reitoria de Extensão.

 

Para que o projeto fosse possível foi necessário um trabalho cuidadoso realizado antes da escolha das paredes em que as artes seriam realizadas, a partir de quatro critérios: “visibilidade, se o uso da área era intensivo ou não, por parte da comunidade, áreas que poderiam estar degradadas e estado de conservação das paredes”, explica Lobo.

 

“Nós criamos uma comissão com integrantes da Coordenação de Meio Ambiente, da Sumai, da Proext e da Escola de Belas Artes. Fizemos uma caminhada pelo Campus de Ondina, definido como local para esse primeiro projeto. A partir desse tour, escolhemos um leque de aproximadamente 12 áreas que poderiam servir para a elaboração dos murais”, continua.

 

Após essa espécie de curadoria, todas as áreas foram fotografadas e avaliadas em conjunto pelos membros dos órgãos envolvidos no projeto. A partir daí, dentre as 12 áreas inicialmente selecionadas, seis foram contempladas no edital. Por se tratar de um projeto-piloto, a equipe compreendeu a necessidade de mensurar a execução e os principais desafios na realização desses murais a ponto de avaliar a possibilidade de expansão.

 

 

Os artistas e seus murais ​

Para os artistas, executar um projeto vai além de realizar uma pintura, pois cada traço carrega consigo sua ancestralidade, experiências, vivências e por consequência o que ele deseja transmitir ao público. Na UFBA, não foi diferente. Todos os murais trazem inspirações pessoais de seus criadores, além de referências culturais.

 

Segundo Josemar Santos, mais conhecido como Sagaz, o mural na parede do Restaurante Universitário, chamado Colheita do Amor,  foi produzido em colaboração com Pipino, parceiro de trabalho e artista de Amélia Rodrigues. Os dois tinham como inspiração levar um pouco sobre a cultura do interior da Bahia e ilustrar a relação das comunidades com a produção de alimentos tradicionais. “Pensamos em trazer um pouco da agricultura familiar, através dessa conexão com o Restaurante Universitário, entendendo a importância da alimentação e do acesso ao alimento, a partir daí pensamos em representar as mulheres do campo, os ribeirinhos e os povos originários”, diz.

 

O reflexo de suas inspirações também é perceptível em outros pontos da obra. “Também trouxemos algumas frutas tropicais, que pudessem representar essa parte, tanto da  Bahia, quanto das pessoas do campo, do povo do Nordeste e entender a importância desse acesso à alimentação, assim como o direito à terra por esses povos”, complementa.

 

Sagaz, além de grafiteiro, é arte-educador há 16 anos e, junto com Pipino, realizou recentemente uma exposição no Teatro Gregório de Mattos, de nome Plantações de Autoestima. A exposição ficou em cartaz até o dia 11 de janeiro e contou um pouco sobre a trajetória dos dois artistas no movimento do grafite e da arte de rua.

 

Confira a entrevista feita com Sagaz, em que ele fala um pouco sobre sua trajetória: 

 

 

A parede da Sumai serviu de espaço para a criação da artista Júlia Zogbi. Batizada de  Eu Sou da Bahia, a obra busca representar a cultura baiana e recepcionar os visitantes e estudantes. “É importante criar laços de onde viemos, do nosso próprio povo, ao invés dos povos de outros lugares, que mal conhecemos, mal temos contato. Eu também me inspiro muito no cotidiano, tenho outros trabalhos envolvidos, até com coisas simples da vida, como tomar café, feiras, orelhões, coisas relacionadas ao que está ao nosso redor. Se for para as pessoas se sentirem representadas, que seja com coisas que estão à nossa volta”, defende.

 

Na imagem há a figura de uma menina sentada a frente de uma mural bem colorido, com elementos representativos da cultura baiana.
Imagem: Arquivo pessoal / Zúlia Zógbi ao lado do mural

Já para o estudante do BI em Artes, Miguel Gouvêa, ao produzir a obra Mudando o Curso dos Rios, em duas paredes do PAF III, a experiência, além de enriquecedora, serviu para esboçar pautas que ele considera de relevância frente ao cenário atual, seja na preservação dos povos originários como do meio ambiente e  das manifestações culturais que evocam ancestralidade.

 

Sua obra contou com o apoio das artistas Beatriz Calixto e Gabriela Sousa. Além disso é influenciada por várias referências acadêmicas e por artistas visuais como Arissana Pataxó e teóricos como Ailton Krenak, que o auxiliaram a pensar a relação da pintura com o texto utilizado. Outro fato interessante é que as figuras foram feitas a partir de uma técnica chamada “tempera ovo” e logo depois digitalizadas e aplicadas na parede.

 

Saiba mais sobre o processo de criação do mural por meio do relato de Miguel Gouvêa, no áudio abaixo:

Problemas e dificuldades​

Para o trabalho sair da forma que os artistas esperavam, foi necessário paciência e atenção aos mínimos detalhes. De acordo com Sagaz, ele levou só uma semana para desenhar o rosto da senhora, que está estampado na parede do RU. “Depois foi um mês para completar todo o painel, por causa da chuva. Ainda tive de esperar o material chegar, porque acabou a tinta”, conta.

 

Júlia, por sua vez, teve alguns problemas durante a execução da pintura por conta das chuvas. “Eu comecei a pintar a parede e começou a craquelar, a ter bolhas e a infiltrar. Eu tive que parar tudo, sendo que já tinha feito a sombra da roupa dela e do turbante, já tinha começado a colocar as fitas, a arruda, que fica do lado, e tive que parar tudo, porque a parede não durou duas chuvas. Inclusive, tem uma parte de um jardim, que é mais na frente, e estava muito infiltrado, com a chuva, começou a desmanchar”, explica Júlia.

 

 

Na imagem há a figura de uma menina realizando a pintura de um mural.
Imagem: Arquivo pessoal / Júlia Zógbi na execução do mural

 

Confira a entrevista realizada com Júlia Zógbi:

 

Outro problema, como apontado por Sagaz, é que as paredes deveriam ser divididas em tamanho por m2. Ou seja, o valor de R$3.000 ofertado poderia ter sido proporcional às medidas das paredes, lembrando que a sua foi a de maior tamanho, comparada com as outras.

 

Como este projeto foi piloto, ou seja, teve um caráter experimental, serviu de modelo para identificar os cuidados com os próximos que virão. “Aprendemos com o primeiro e vamos reajustar para o próximo ter uma remuneração mais justa. Vamos medir o tamanho, para remunerar a parte material das pinturas de forma mais condizente com as medidas das paredes”, afirma o coordenador Antônio Lobo.

 

 

Felipe Sena é graduando de Jornalismo na UFBA e trabalha com assessoria de comunicação. Já foi estagiário de cultura no jornal A TARDE e, devido à sua experiência, acreditou que a proposta de falar sobre o Murais da UFBA seria enriquecedor para a comunidade.

 

Glenda Morais é jornalista em formação pela UFBA e atua como estagiária de comunicação no  Ministério Público Federal na Bahia (MPF-BA). Apreciou o Projeto Murais UFBA desde a sua criação. Como amiga de um dos participantes comtemplados, considerou a possibilidade de falar sobre o projeto e dar visibilidade aos estudantes artistas.

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