Saberes indígenas transformam a educação

Política pública do MEC garante a capacitação de professores, produção de materiais e valorização das línguas e culturas tradicionais

 

Yan Gustavo Barbosa ( yan_rhuriz )

 

O dia começa com rodas de conversa, cadernos abertos, cantos tradicionais e computadores ligados no laboratório da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Cerca de 40 professores indígenas de diferentes povos do Oeste baiano (Tuxá, Atikum e Kiriri) se reúnem para o encontro mensal da formação continuada da Ação Saberes Indígenas na Escola (ASIE), política pública instituída pelo Ministério da Educação em 2013, no âmbito da SECADI/MEC, regulamentada por normativas como a Portaria nº 98/2013 e a Resolução FNDE nº 54/2013.

 

 

Registro/ Yan Gustavo , Registro representando os três povos

 

A aula acompanhada pela reportagem integra o calendário formativo da ASIE  Núcleo UFBA, responsável por articular, junto às comunidades indígenas, uma proposta pedagógica que respeita a diversidade sociocultural e linguística dos povos indígenas da Bahia. O núcleo está ligado ao Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Departamento de Antropologia e Etnologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH).

 

Card. oficial da formação.

 

Ao longo do encontro, os debates não se restringem a metodologias convencionais: o foco está nos saberes do território, nas línguas originárias, na memória coletiva e na construção de materiais didáticos próprios, elaborados pelos próprios professores indígenas. A ASIE se consolidou nacionalmente como uma das políticas mais estruturantes para a educação escolar indígena ao garantir formação continuada específica, especialmente nos anos

iniciais do ensino fundamental e nos processos de alfabetização em contextos multilíngues. Na prática observada em sala, isso se traduz em atividades que dialogam com a oralidade, o letramento em língua indígena, o ensino do português como segunda língua e a produção coletiva de currículos diferenciados, reafirmando o direito constitucional dos povos indígenas a uma educação alinhada aos seus projetos de vida.

 

Durante a formação, que no mês de novembro incluiu letramento digital, Etnomatemática, língua portuguesa e o uso de IA em contextos educacionais Indígenas, dias 21, 22 e 23 de novembro, realizadas no laboratório do Instituto de Computação da UFBA e no Instituto Anísio Teixeira, a reportagem  conversou com Larissa Raiara, representante da Coordenação de Educação Indígena da Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC) e supervisora do Núcleo UFBA no território Oeste. Ela explica que a ASIE fortalece a produção de materiais didáticos próprios a partir dos saberes tradicionais.

 

 

Registro/ Yan Gustavo, Aula do dia 21/11 no laboratório do instituto de computação da UFBA.

 

Segundo Larissa, embora o MEC estabeleça uma carga mínima de 130 horas, na Bahia, a política avançou significativamente e hoje está inserida no currículo das escolas indígenas, tendo os saberes indígenas como um dos pilares da rede estadual. “É uma política abraçada pelos povos indígenas, porque envolve toda a comunidade escolar: professores, estudantes, lideranças, caciques, pajés e famílias”, destaca. Atualmente, a ASIE atende professores cursistas, distribuídos em quatro núcleos: UFBA, UFSB ( Universidade Federal do Sul da Bahia), IFBA ( Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia), e UNEB ( Universidade do estado da Bahia), alcançando mais de 26 polos, 27 escolas indígenas e mais de 15 escolas da rede municipal. 

 

No decorrer da formação que acompanhamos, a turma de professores apresentou esboços de livros, cartilhas, jogos, cantos e registros audiovisuais produzidos ao longo deste ano. A elaboração desses materiais didáticos, prevista na legislação da ASIE e orientada pelo Manual de Gestão da Ação, transforma a escola indígena em um espaço de criação cultural, onde o conhecimento nasce no território e retorna à comunidade.

 

Parceria fortalece política pública 

 

A implementação da ASIE ocorre por meio da articulação entre povos indígenas, Instituições de Ensino Superior (IES), secretarias municipais e estaduais de educação, MEC e FNDE que  é uma autarquia Federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) no Brasil, responsável por executar políticas educacionais e gerenciar programas que financiam a educação básica, como merenda escolar, livros didáticos, transporte escolar (PNATE) e financiamento estudantil (Fies) . Esse modelo colaborativo foi recentemente fortalecido com a Portaria SECADI nº 37/2025, que institui a Rede de Colaboração da Ação Saberes Indígenas na Escola (ReCo-Asie), ampliando o alcance da política e a autonomia das comunidades. No contexto baiano, a UNEB, por meio do Centro Opará – Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, também desempenha papel estratégico na execução da ASIE. Durante o período de isolamento social da pandemia, o Opará disponibilizou materiais pedagógicos em formato online, garantindo a continuidade das formações e a preservação dos saberes tradicionais.

 

Já a UFBA, que em 2025 sediou cinco das formações realizadas, é um ator central da política ao ofertar cursos e apoiar pesquisas em diálogo com os territórios. Em 2024, a universidade lançou a Licenciatura Intercultural Indígena, curso presencial em regime de alternância, com habilitações em Humanidades, Artes/Linguagens/Literaturas, Letramento Digital e Ciências, atendendo à demanda histórica dos povos indígenas da Bahia.

 

Para a coordenadora geral da ASIE no Núcleo UFBA, Débora Abdalla Santos, professora titular do Instituto de Computação da UFBA, acompanhar esses encontros é testemunhar a potência da política pública. “A ASIE é um dos principais programas do governo federal para a educação escolar indígena, pois articula universidades, estados, municípios e comunidades indígenas. Trabalhar com professores indígenas é garantir o futuro desses povos em coexistência com a diversidade do viver humano”, afirma.

 

 

Registro/ Yan Gustavo, Débora Abdalla, Larissa Raiara e Potyara filha de uma das cursistas.

 

Entre os participantes da formação está Luciene Beatriz, do povo Atikum, do município de Cotegipe, no Oeste da Bahia, que atua como orientadora da ASIE pelo Núcleo UFBA. Para ela, a política fortalece a cultura e impede que os saberes se percam com o tempo. “O Saberes Indígenas na Escola valoriza a nossa cultura, os saberes dos nossos anciãos e nos ajuda a levar tudo isso para a sala de aula”, relata.

 

Ao final do dia de acompanhamento, entre partilhas, reflexões e produções coletivas, fica evidente que a Ação Saberes Indígenas na Escola, vivenciada no cotidiano das formações do Núcleo UFBA, vai além de uma política educacional. Ela se afirma como um espaço de autonomia, identidade e resistência, garantindo que crianças indígenas aprendam sem romper com suas raízes e que as universidades públicas cumpram seu papel na construção de um Brasil verdadeiramente plural

 

 

Registro/ Solon Luiz, comunicador da ação, encerramento das formações de 2025.

 

Mini bio: Yan Gustavo Souza Barbosa – Yan Rhuiz, é meu nome indigna. Sou da etnia Mongoyó, cuja aldeia fica no Sudoeste da Bahia. Sou estudante do 6o. Semestre de Jornalismo na FACOM | UFBA. Tenho interesse em assuntos que cruzam ancestralidade, juventude e comunicação comunitária. Sou membro da Articulação Brasileira de Indígenas Jornalistas (Abrinjor).

 

Minha motivação para escrever esta reportagem nasce do meu interesse por jornalismo comunitário, ativismos e narrativas que valorizam a cultura. Contar essa história significa olhar para um modo de educar que rompe expectativas: a trajetória de uma professora que conquistou seu espaço não pelos caminhos acadêmicos tradicionais, mas pela força de sua experiência, cultura e história de vida. Ao narrar sua atuação, busco reconhecer e legitimar saberes que muitas vezes ficam à margem, mas que são fundamentais para repensar o que entendemos como educação.

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