Largo de São Lázaro atrai baianos e turistas nas noites de sexta, mas o limite de horário imposto pela prefeitura vem desagradando especialmente os comerciantes locais
Lucas Ramos
O Samba de São Lázaro tornou-se um dos grandes presentes que comovem a cena local e vem atraindo também centenas de visitantes que chegam em Salvador. É um ascendente representante da resistência cultural e comunitária da cidade ao promover um festejo popular que atrai olhares e ressignifica a importância e significado de um destino simbólico para a história local.
O Largo de São Lázaro, que abriga a Igreja de São Lázaro e São Jorge, também concentra uma quantidade considerável de bares ao seu redor. Localizado no bairro da Federação, é ponto de uma das vistas mais altas da capital baiana. A acessibilidade em questão de custos, juntamente com a proximidade dos campi da Universidade Federal da Bahia, podem ser considerados fórmulas de grande relevância para o crescimento de visitas ao destino. Sendo um dos tradicionais espaços ao ar livre para festas de recepção aos novos alunos – as famosas calouradas independentes – comumente organizadas pelos centros acadêmicos da instituição, o Samba de São Lázaro para além do recinto universitário, o posiciona como um dos principais eventos da vida noturna na cidade.
Um dos grandes momentos de auge da localidade ocorreu justamente durante o período pandêmico, quando ficou conhecido popularmente como “samba clandestino”, por driblar as restrições direcionadas da prefeitura quanto ao limite de acesso e pessoas em um mesmo espaço público. Foi dentro desse contexto que o Samba de São Lázaro foi propriamente batizado e divulgado como a festa ao ar livre que conhecemos hoje. No entanto, nos últimos meses, o evento tem enfrentado impasses e chegou até a ser suspenso oficialmente, a partir de uma nota oficial dos organizadores divulgada na página oficial do Instagram do evento. Na tentativa de selar um acordo, a Prefeitura de Salvador, junto às restrições reivindicadas pelo vereador Duda Sanches (União Brasil), propuseram limitar os horários das festividades até as 22h.
Segundo as autoridades, há questões que interferem na política de boa vizinhança, como o som alto da música ao longo da madrugada e a limpeza do espaço, que atinge tanto a comunidade de São Lázaro quanto os prédios ao longo da Rua Aristides Novis, principal acesso ao largo. A medida tem gerado insatisfação entre organizadores, artistas e a comunidade local, que veem na tradição do samba uma importante fonte de sustento e visibilidade cultural.
“Qual lazer vou poder dar aos meus filhos?”
“A gente tá sentindo falta dos dias de festa porque é um meio de sustento. Esse horário que o vereador sugeriu ficou ruim para a gente. Como vou pagar minhas contas ou colocar comida na mesa dos meus filhos?”, desabafou Taís Galvão da Silva, 30, comerciante e moradora da região. Segundo Taís, o alto custo para organização dos eventos, como o pagamento do alvará e das bandas, torna inviável manter o samba dentro das novas regras, especialmente porque o auge da festa acontece após as 22h, comprometendo o fluxo de vendas e, como consequência, o sustento de várias famílias da comunidade.

Apesar das tentativas de um desfecho e resolução para as condições de funcionamento do Samba estarem em negociação entre os organizadores e as secretarias de Cultura (Secult) e de Desenvolvimento Urbano (Sedur), ainda não houve uma definição própria e os horários seguem limitados. A primeira edição de 2025 do evento ocorreu de forma inédita no Pelourinho, com ingressos à venda nas plataformas digitais. A segunda edição do ano foi anunciada para o mesmo local e até chegou a vender ingressos, no entanto, foi cancelada no dia do evento.
Samba Criolo Show
Além da opção para curtir a música ao vivo na rua, uma outra alternativa para quem busca um momento de lazer no largo é o Samba Criolo Show, realizado no Bar Recanto da Dilma. Raimundo José Valério dos Santos, ou Rai Show, 61, é mecânico em uma oficina pela manhã e, nas noites de sexta, assume o posto de integrante da banda e também de organizador do evento. Em atividade musical desde 1979, comenta que o Samba Criolo Show acontece há dez anos, sempre a partir das 20h.
Rai também comenta sobre a variedade de perfis de turistas que visitam a Igreja de São Lázaro e acabam despertando interesse em conhecer mais sobre o festejo, e dá créditos a nomes como Regina Casé, por comparecer a uma das edições e ajudar a popularizar através de divulgação em suas redes sociais. “Regina esteve aqui umas quatro vezes e compartilhou fotos no Instagram. O samba colocou São Lázaro no mapa cultural, com visitantes de todo o Brasil vindo conhecer nossa tradição”. O artista também destaca como o samba transformou a área em um centro de atração cultural. “Isso aqui é uma fonte de lucratividade. Muitos aproveitam as sextas-feiras para ganhar seu dinheirinho”, afirma.
Nesse espectro de destaque, o Recanto da Dilma também inclui-se como um ponto de referência, abrigando projetos sociais e artísticos que envolvem tanto os moradores quanto estudantes da próxima UFBA. Carlos Fernando Nogueira Nascimento, 42, tosador e músico, destacou o impacto social do local. “Hoje é um projeto cultural consolidado. As sextas-feiras reúnem músicos de diferentes bandas e gerações, criando um espaço de aprendizado e convivência”, explicou. Carlos, que já conhecia Rai Show, diz que a integração ao grupo do Samba surgiu de forma despretensiosa, pois frequentava o espaço por lazer e, integrando outro projeto de samba paralelo, decidiu conciliar ambas as paixões.

A integração comunitária vai além da música. Eventos como o Samba Criolo Show possibilitam que a comunidade local e visitantes compartilhem experiências, fortalecendo laços e promovendo o desenvolvimento da região. Além disso, os comerciantes locais, como barraqueiros e vendedores ambulantes, encontram nesses eventos uma oportunidade de sustento e crescimento econômico.
Alexsandro do Couto Bahia, músico e professor da UFBA, reforça a importância do Samba Criolo Show como uma tradição que transcende gerações. “Esse é o primórdio. Há anos ele representa a verdadeira essência do samba raiz, e nós, músicos, temos muito orgulho de manter essa chama viva”, disse Alexsandro, que também é ex-músico da Sony Music e colaborou com grandes nomes do samba nacional, como Alcione e Leci Brandão. Ele reforça também o espírito de união entre o grupo: “Somos uma equipe unida, uma verdadeira família que se encontra todas as sextas-feiras. Cada músico traz seu talento, seja na percussão, no violão ou no canto, criando uma harmonia.”
“Temos uma união e relação com a musicalidade. Nos tornamos uma família.”
A reportagem procurou as Secretarias de Cultura (Secult) e Desenvolvimento Urbano (Sedur) de Salvador para obter esclarecimentos sobre os trâmites e status da negociação com os organizadores do Samba de São Lázaro. Até o fechamento desta matéria, não houve retorno de ambas as instituições. O espaço permanece aberto para manifestações futuras.
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Lucas Ramos é bacharel em Humanidades e estudante de Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia. É estrategista de conteúdo no Grupo Caffeine Army e tem experiência com social media. A motivação pela matéria se deu pelo interesse em apurar os trâmites em referências culturais na vida noturna de Salvador, sobretudo no que diz respeito ao seu tom de reinvenção e resistência.