Em meio ao aumento do uso de injetáveis para emagrecimento, Salvador e Região Metropolitana contabilizaram 237 roubos a farmácias em nove meses
Isabel Queiroz (@belqueirozs) e Isabella Mota (@isabellaamota_)
Entre janeiro e setembro deste ano, Salvador e cidades da Região Metropolitana registraram 237 roubos a farmácias e drogarias, de acordo com levantamento da Polícia Civil, enviado a pedido da reportagem. Em alguns desses casos, os alvos dos assaltos eram medicamentos injetáveis, como a semaglutida (Ozempic, Wegovy) e a tirzepatida (Mounjaro), que imitam hormônios intestinais para promover a perda de peso. Os casos chamam atenção para um mercado paralelo alimentado, alvo de recentes operações da Polícia Federal, pelo desejo de pessoas em alcançarem um corpo magro por formas alternativas.
Com o surgimento de algumas tendências estéticas nas redes sociais, o retorno da busca pelo corpo magro tem ganhado força nos últimos anos. Uma das formas mais divulgadas para alcançar o objetivo tem sido o uso de medicamentos, conhecidos como “canetas emagrecedoras”, o que tem causado alerta de especialistas em saúde. O uso de remédios como Ozempic e Mounjaro, principalmente entre celebridades, criou uma normalização perigosa da utilização sem prescrição médica.

Os medicamentos, desenvolvidos originalmente para o tratamento do diabetes tipo 2, quando utilizados sem orientação profissional para fins de emagrecimento e sem levar em conta os efeitos colaterais, apresentam riscos significativos à saúde, como explica a nutróloga Aritana Alves. “Os principais efeitos colaterais são perda excessiva de massa muscular, com risco elevado de sarcopenia – baixa massa muscular e diminuição de força e funcionalidade -, piora da composição corporal, com perda excessiva de músculo e aumento da quantidade de tecido adiposo no corpo. Além do risco de desidratação, por manejo inadequado de possíveis efeitos colaterais como náuseas ou vômitos”.

A onda de celebridades e influenciadores que emagreceram rapidamente com o Ozempic ocorreu a partir de 2023. Nomes como Wesley Safadão, Jojo Todynho, Maya Massafera, além de personalidades internacionais como a apresentadora Oprah Winfrey e o empresário Elon Musk, assumiram publicamente o uso do medicamento.
“Esses medicamentos ganharam muita visibilidade porque realmente ajudam a reduzir o apetite e facilitam o emagrecimento. Eles têm muitos benefícios, então você vai ver aí muita gente falando bem deles. Porém, muitas pessoas veem neles uma solução para anos de angústia e frustração com as dietas tradicionais. Então, o problema é que virou moda e muita gente usa sem avaliação médica, e aí os riscos aumentam bastante”, disse a nutricionista pós-graduada em Clínica Funcional, Maisa Barberino.

O que são e como agem as medicações injetáveis?
Criados originalmente para o tratamento do diabetes tipo 2, os fármacos aumentam a sensação de saciedade, retardam o esvaziamento gástrico e controlam os índices glicêmicos. Conhecidos como ‘canetas emagrecedoras’ devido a seus efeitos, os medicamentos são ministrados de forma subcutânea e imitam hormônios naturais envolvidos na regulação de apetite e saciedade.
Ao potencializar a ação desses hormônios, os medicamentos reduzem a ingestão de alimentos, à medida que leva à perda de peso. O tratamento mensal pode chegar até R$3,6 mil, mas o uso indiscriminado e sem acompanhamento médico pode custar ainda mais caro.
Conforme detalham as especialistas consultadas pela reportagem, sintomas como náusea, diarreia, vômito e constipação são algumas das queixas de pacientes que fazem o uso das medicações. De acordo com a nutricionista Maisa Barberino, os pacientes podem adquirir deficiências nutricionais com o uso contínuo dos medicamentos, como baixa ingestão de proteína, poucas fibras, desidratação, deficiência de vitaminas e minerais.
“São elementos importantes para manter o nosso corpo saudável e com uma boa imunidade. E aí também aumenta o risco de perder massa magra e desregula todo o metabolismo, porque quando está no processo de emagrecimento, não se perde só gordura, se perde massa magra também. E com o uso desses medicamentos, você perde peso mais rápido, então você vai perder gordura e vai perder massa”, alerta Barberino.
A estudante Maria Clara*, de 22 anos, moradora de Salvador, relatou à reportagem sua experiência com medicação injetável para emagrecimento e alertou sobre os riscos do uso sem acompanhamento médico. “Eu decidi pesquisar sobre os efeitos e como agia o mounjaro, e como eu estava com obesidade grau 1, decidi usar, mesmo sem prescrição médica, consulta ou conversar com profissional da saúde. Na primeira semana foi tranquilo, comecei a ficar um pouco enjoada, mas ainda tinha apetite”, relata a estudante, que preferiu não ser formalmente identificada, por isso, utilizamos um nome fictício.
“A partir da segunda semana, eu já não conseguia comer mais do que quatro colheres de comida e já ficava empanzinada, então eu preferia simplesmente não comer, porque se eu forçasse, iria vomitar. Então, decidi parar de tomar com um mês de tratamento, porque não fazia sentido pra mim continuar a usar, levando em consideração como afetou negativamente a minha qualidade de vida. Se eu pudesse voltar no tempo, não teria tomado, porque poderia ter acontecido coisas piores”, lamentou Maria Clara.
Pacientes devem estar atentos aos riscos
Quando prescritos e acompanhados por médicos, esses medicamentos podem continuar tendo efeito de emagrecimento, mas de uma forma segura. “O médico decidiu passar o Mounjaro para minha filha pela necessidade de baixar a insulina, que estava muito alta, e, com isso, ajudar a diminuir o apetite e ela automaticamente perder peso. Ela já estava com 98 kg, quase chegando aos três dígitos, correndo o risco de ter vários problemas de saúde, além da diabetes”. Esse é um relato de Joana*, nome fictício, que escolheu não se identificar por questões pessoais que envolvem a filha menor de idade.
“Eu já conhecia o remédio pela televisão, já tinha visto algumas reportagens falando sobre esses medicamentos para emagrecer. Mas não imaginei que algum dia a minha filha poderia usar.” O médico que está acompanhando a jovem é um nutrólogo. O acompanhamento é completo, monitorando a quantidade de massa magra e de gordura perdida, e qual parte do corpo ainda precisa perder mais peso. Além disso, o nutrólogo não deixa de orientar sobre a atividade física. “O que ele mais orienta é que ela faça atividade física, qualquer que seja. Vai ter um desmame: quando ela já estiver com um peso ideal e parar o medicamento, é bom que já esteja adaptada à atividade física”.
Ao comentar sobre as mudanças e os efeitos colaterais, a mãe relata a perda de apetite e alterações emocionais da filha. “Logo no início, ela ficou muito sensível, irritada, chorava. Eu percebi que houve uma mudança. Tinha dias em que ela comia pouco, apenas por obrigação, mas é uma diminuição muito significativa no apetite”, conta Joana.
Apesar disso, ela também destaca que o medicamento trouxe mudanças positivas na relação da filha com a alimentação. Segundo a mãe, atualmente a jovem consegue manter uma dieta mais equilibrada e saudável. “Ela mudou muito a alimentação, está comendo de forma mais saudável, principalmente proteínas. O médico pediu que ela consumisse bastante proteína para ajudar a não perder massa magra”, explica. Joana ainda pontua que, fisicamente, a filha não apresentou outras reações além da redução do apetite. “Quando ela tenta comer algum tipo de alimento que não seja saudável, o organismo rejeita. Ela não consegue comer muito e, quando come, acaba passando mal”, relata.
A nutróloga Aritana, explica que o problema não está no uso do medicamento para a perda de peso, como em casos de pacientes que possuem obesidade crônica: “O Mounjaro e O Ozempic são medicações indicadas para pacientes portadores de obesidade. Além de comorbidades, como Diabetes Mellitus, Dislipidemia, uma vez que esses pacientes têm um maior risco de desenvolver doenças metabólicas relacionadas à obesidade, como Doenças cardiovasculares (Infarto Agudo do Miocárdio, Acidente Vascular Cerebral).
Entretanto, reforça os riscos para o uso sem prescrição ou acompanhamento médico, “é imprescindível manter o acompanhamento, pois é através dele que o paciente poderá ter as orientações necessárias para evitar a perda excessiva de massa magra, como aporte adequado de proteína nas refeições, realização de atividade física resistida, como por exemplo musculação, suplementação adequada, além do manejo de possíveis efeitos colaterais que podem impactar na saúde muscular do indivíduo”.
Isabel Queiroz é estudante de Jornalismo na FACOM | UFBA e repórter de Economia no jornal impresso A Tarde. Atua também no projeto @entreempontos como coordenadora de imagem e repórter. Possui experiência com jornalismo social e foi editora-chefe da 7ª edição da revista JaÉ: Gerações, publicação da Agência Experimental da FACOM, que abordou sobre cicatrizes invisíveis deixadas por infâncias e juventudes marcadas pela desigualdade, violência e ausência de oportunidades. Além disso, é apaixonada por literatura e por pautas de comportamento.
Isabella Mota é estudante de Jornalismo na FACOM | UFBA, com experiência em cobertura política, eleições e Justiça. Foi setorista da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) e da Câmara Municipal de Camaçari. Em 2025, foi finalista da premiação Expocom Nordeste, na categoria Jornalismo Impresso, com a reportagem ““Passou por mim e não me olhou”: Em períodos de alta estação, crianças e adolescentes protagonizam cenas de trabalho infantil em Salvador”. Atualmente é estagiária no Intercept Brasil.
A motivação da pauta surgiu com a viralização de conteúdos que incentivam a magreza e romantizam o uso de medicamentos injetáveis para emagrecimento. O tema ganhou relevância diante da naturalização do uso das substâncias, da pressão estética reforçada nas redes sociais e da circulação de informações incompletas ou enganosas que contribuem para a banalização dos riscos e consumo indiscriminado desses medicamentos.
