Jornalista gravando conteúdo para o TikTok. Imagem gerada através de Inteligência Artificial - ChatGPT

A renovação do jornalismo a partir do TikTok

Apesar dos entraves, o jornalismo encontra maneiras de se inserir na plataforma para a conquista de um novo público, especialmente entre os anos de 2020 a 2025.

 

Duda Santa Rita (@dudasritta) e Laura Pita (@_laurapita_)

 

Nos últimos cinco anos, o jornalismo está passando por profundas transformações, marcadas pela migração dos conteúdos para plataformas digitais, que impõem linguagens mais ágeis e formatos que dialoguem diretamente com as suas dinâmicas. Nesse contexto, com vídeos curtos e dinâmicos, o TikTok chegou ao Brasil em 2017 e, desde então, veículos jornalísticos estão atentos à rede social, buscando estratégias para se inserir na plataforma, que se torna cada vez mais popular. 

 

Entre os obstáculos para a inclusão de conteúdos jornalísticos na plataforma, está o posicionamento do próprio TikTok. “O TikTok é uma fonte de entretenimento e enriquecimento onde você pode descobrir, criar e se conectar com outras pessoas em todo o mundo. Nossa missão é inspirar a criatividade e trazer alegria”, diz o texto de apresentação das diretrizes da rede social

 

Ao se posicionar  como uma plataforma de entretenimento, o TikTok se isenta de responsabilidades infocomunicacionais, como afirmou Paula Miraglia, fundadora e CEO da Momentum Journalism & Tech Task Force, em sua participação no “Seminário GJOL – 30 anos de Jornalismo Digital”. “O TikTok foge das notícias. Eles não querem ser uma plataforma de notícias, porque isso implicaria em responsabilidades: pagar produtores de conteúdo, estar sujeitos à regulação, assumir compromissos editoriais. E eles não querem esse envolvimento. Por isso, insistem que são apenas uma plataforma de entretenimento”.

 

Contudo,  marcas jornalísticas estão encontrando maneiras de se posicionar na plataforma digital reposicionando sua linguagem. “No TikTok, onde a atenção do público é disputada por criadores de conteúdo e influenciadores, os veículos podem se reposicionar como marcas contemporâneas, próximas e adaptadas às novas dinâmicas comunicacionais”, explica Caroline Falcão,  doutoranda no Póscom da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com pesquisa sobre TikTok no jornalismo e  integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line (GJOL). “Estar onde o público está e falar a sua linguagem é hoje o principal interesse de quem deseja permanecer como referência informativa em uma era de intensas transformações midiáticas”, complementa.

 

O professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCOM) e do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Felipe Moura, considera a inovação importante para o jornalismo conquistar um novo público. “Estamos diante de uma crise dos modelos de negócios no jornalismo, especialmente no que diz respeito à distribuição e ao consumo de conteúdo. Nesse contexto, o interesse central dos veículos, ao aderirem ao TikTok, é reencontrar – ou até encontrar pela primeira vez – uma audiência que não consome mais conteúdo jornalístico pelas vias tradicionais”. 

 

De acordo com dados publicados em janeiro de 2025 pelo TikTok e analisados pela plataforma Data Reportal, os usuários com idades entre 25 e 34 anos representam 35,3% do público-alvo global dos anúncios da plataforma. Em seguida, os usuários de 18 a 24 anos compõem 30,7% desse público. Esses números indicam que o TikTok é especialmente popular entre membros da Geração Z e millennials mais jovens e, de acordo com Felipe Moura, o movimento dos veículos de comunicação em direção ao TikTok representa uma tentativa concreta de alcançar essa audiência.

Dados sobre as idades dos usuários do TikTok publicados em janeiro de 2025.
Dados sobre as idades dos usuários do TikTok publicados em janeiro de 2025.

 Essa geração de jovens apresenta comportamentos infocomunicacionais particulares, como salientou João Canavilhas, professor da Universidade de Beira Interior e investigador do LABCOM (Comunicação e Artes), na mesa de abertura do Seminário GJOL. “Eles hoje são aquilo que nós chamamos de consumidores acidentais de informação. Tropeçam numa notícia em uma rede social e se calhar vão atrás”.  

 

Por isso, é preciso que os veículos jornalísticos compreendam as lógicas do TikTok para que consigam de fato alcançar o público almejado, como avalia Felipe Moura. “É preciso que os jornais, primeiro, compreendam perfeitamente as lógicas de funcionamento dessa plataforma, incluindo aquilo que seriam seus entraves, para que sejam superados e esse jornalismo, praticado nessa plataforma, redunde, finalmente, na recuperação ou até no estabelecimento, pela primeira vez, de um tipo de contrato de leitura entre público e jornalismo.” 

 

Entender essa lógica exige cuidados, a fim de manter a integridade do trabalho jornalístico. “A própria natureza da plataforma, que, em princípio, faz circular mais vídeos curtos e vídeos que atendam a uma determinada estética que flerta com o humor, com o entretenimento, muito mais do que com a notícia, é certamente o grande entrave ético e de linguagem. Como que eu vou dar conta de comunicar aquilo que se espera do jornalismo em vídeos muito curtos e que precisam aderir a uma estética mais ligada ao entretenimento e ao próprio humor?”, reflete Felipe Moura. “O formato do TikTok – baseado em vídeos curtos, diretos e visualmente impactantes – pode entrar em conflito com a necessidade de contextualização, apuração e análise, elementos centrais da prática jornalística”, complementa Caroline Falcão. 

 

Experimentação pode favorecer inovação

 

A limitação de tempo dos vídeos no TikTok – que permite até dez  minutos, mas favorece conteúdos de cerca de um minuto – impõe aos jornalistas o desafio de reinventar suas formas de comunicar. “Enfrentá-lo certamente passa pela capacidade do jornalismo de inovação e renovação frente ao avanço tecnológico e a essa espécie de “ditadura do vídeo” que a gente vive atualmente”, afirma Felipe Moura. “Quando envolve editorias como política, economia, a cobertura das cidades, saúde e educação,  o desafio aumenta, no sentido de que as informações a serem comunicadas normalmente não são comportadas por um formato de vídeos curtos, normalmente com 30 segundos ou um minuto”, completa. 

 

Assim como a questão da duração, o formato dos vídeos curtos também interfere no conteúdo jornalístico que vai para o TikTok. Acácia Vieira, assistente de redes sociais do Jornal Massa, aponta que uma das alternativas para essas situações é reestruturar a notícia. “Nesses casos, a gente sempre vai escolher um recorte mais específico, ou, até mesmo, a depender do conteúdo, a gente vai dividir em partes, em séries”, conta. Além do impasse de encaixar todas as informações referentes ao fato noticiado dentro de, no máximo, um minuto e 30 segundos, é preciso estar atento ao formato. “O próprio formato de captação, edição e, depois, publicação de vídeos, que nas plataformas digitais em geral privilegia o vídeo no formato vertical, em detrimento do formato horizontal frontal – que foi aquele a partir do qual historicamente a gente aprendeu a produzir VTs telejornalísticos padrão”, explica Felipe Moura.

 

Aspectos que podem ser considerados, por um lado, limitantes para a prática jornalística dentro da plataforma, simultaneamente, fornecem um terreno fértil para transformações. Para Caroline Falcão, as características específicas de conteúdo dentro do TikTok estabelece um ambiente propício para a experimentação, “O TikTok demanda uma abordagem multimodal, combinando vídeo, áudio, texto na tela e até mesmo elementos da cultura digital, como memes, trilhas sonoras e desafios virais, para alcançar e engajar diferentes públicos”. Segundo a jornalista e pesquisadora, o desafio está em “encontrar o equilíbrio entre a inovação – por meio da criação de conteúdos originais e nativos da plataforma – e a eficiência na distribuição, reaproveitando reportagens em formatos compatíveis”.

 

Com tantas possibilidades, a produção de conteúdo jornalístico para o TikTok surge acompanhada da necessidade de entender seu algoritmo e recursos, para que assim a notícia chegue ao público – um caminho inverso àquele conhecido pelo jornalismo. Fator esse que muitas vezes afasta esses profissionais, como afirma Caroline Falcão: “Há também uma barreira técnica relevante, muitos profissionais ainda não dominam as ferramentas específicas da plataforma, como edição rápida, uso de memes, trilhas sonoras populares ou adaptação às tendências que mudam de forma acelerada”. 

 

 

Em um ambiente dinâmico e apressado, são indispensáveis estratégias que auxiliem na constante disputa pela atenção do público. Para Ian Alves, repórter e social media da BBC News Brasil, uma opção são as ancoragens de informação. “Pensando em um universo tão corrido como o TikTok, em que os vídeos são curtos e as pessoas estão consumindo freneticamente, uma coisa interessante pode ser fazer ancoragens visuais com o seu site ou com a sua marca”, explica. “Por exemplo, pode ser interessante você colocar a data do conteúdo sobre o que você está falando. Ou mesmo na fala que você vai fazer, você se referir bastante ao tempo em que isso aconteceu e aos nomes completos dos agentes da notícia”, complementa Ian.

 

Com um modelo de negócios movimentado por acessos e cliques, o sucesso das matérias muitas vezes é definido pelo seu engajamento, ou seja, a quantidade de interações relacionadas à publicação, como curtidas, comentários e compartilhamentos. Apesar de ser um dos dados usados para medir o alcance e impacto do conteúdo, essa demanda crescente, por vezes, entra em conflito com os critérios de noticiabilidade e qualidade da produção jornalística. “Outro ponto é a pressão por engajamento, que pode incentivar a simplificação excessiva ou mesmo a tentação de sensacionalismo”, aponta Caroline Falcão.

 

 

Furando bolhas 

 

Conteúdos jornalísticos resultantes de parcerias com o TikTok têm se destacado como uma das formas que vídeos de caráter informativos cheguem na For You Page (FYP) de mais pessoas. Marília Moreira, diretora-institucional do Instituto AzMina, organização independente que luta pela equidade de gênero, citou, em sua fala no Seminário GJOL, o aumento do alcance do perfil do nativo digital através de uma colaboração com a plataforma. “Entre novembro e dezembro do ano passado, tivemos uma grande visibilidade por conta de uma parceria com o TikTok em uma campanha sobre feminicídio. Eles viabilizaram a distribuição de conteúdos nossos sobre violência doméstica, o que ajudou a furar algumas bolhas.”

 

Durante o seminário, Maia Fortes, diretora-executiva da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), destacou  que, apesar do impulso gerado pelas parcerias, os efeitos dessa ação são temporários. “Um exemplo marcante foi o da Lupa, que teve o canal associado que cresceu mais rápido e entendeu melhor o funcionamento da plataforma. Mas, a partir do momento em que esse apoio deixa de existir, os resultados também caem. Isso expressa, de forma objetiva, a fragilidade desse modelo”, reforça Maia.

 

Combatendo a desinformação

 

Segundo o Digital News Report de 2024, relatório do Instituto Reuters da Universidade de Oxford na Inglaterra, o público vê o TikTok – seguido do X, antigo Twitter – como uma das principais redes de desinformação, gerando maior desconfiança no consumo de informações veiculadas pela plataforma. Nesse cenário, a presença dos jornais na rede representa também uma posição ativa do jornalismo para o combate a essa tendência. “Usar o próprio formato do TikTok – como dueto, costura (stitch) e vídeos-resposta – é uma estratégia eficiente para dialogar diretamente com desinformações virais”, explica Caroline Falcão. “As redações podem investir ainda em parcerias com iniciativas de fact-checking para criar séries de vídeos curtos que desmintam boatos populares, usando hashtags padronizadas para aumentar a visibilidade dessas checagens”, sugere.

 

Como expõe Felipe Moura: “Se a má informação está presente no TikTok, é preciso que a boa informação esteja também.” A tendência do jornalismo em se estabelecer na plataforma é uma realidade, seja para conquistar uma audiência mais jovem, combater a desinformação, explorar novos recursos e formatos, ou mesmo captar e direcionar novos leitores para um site ou portal. Afinal, assim como em outros momentos da história do fazer jornalístico, essa é mais uma evidência de que o jornalismo, em constante transformação, sabe encontrar seu espaço até nos formatos mais inesperados.

 

 

Duda Santa Rita – Estudante de Jornalismo da FACOM | UFBA, atua com comunicação interna e redes sociais. Tem como principais interesses música, cultura e relações internacionais.

 

Laura Pita – Estudante de Jornalismo da FACOM | UFBA, repórter estagiária do caderno de Economia do Jornal A Tarde.

 

A escolha da pauta surgiu a partir de pesquisas sobre as transformações na atuação do Jornalismo Digital nos últimos cinco anos (2020–2025). Desde 2020, a popularidade do TikTok cresceu significativamente, tornando-se uma das principais plataformas entre o público jovem. Assim, o tema se mostra relevante dentro do panorama dos 30 anos de Jornalismo Digital, ao evidenciar como as mudanças tecnológicas e comportamentais impactam diretamente a prática jornalística.

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