Apesar de ser o formato de distribuição dominante atualmente, o jornalismo digital não foi bem recebido pela comunidade jornalística.
Gabriel Vintina (@gabrielvintina) e Maria Clara Costa (@mclaracj)
Em 2025, o jornalismo digital brasileiro completa 30 anos. Três décadas separam os primeiros experimentos com sites improvisados e linguagem copiada do impresso das sofisticadas estratégias multimidiáticas e algoritmos que hoje disputam a atenção do público. Essa transformação, que redefiniu a prática jornalística no país, começou de forma tímida — e, em muitos casos, desacreditada — entre os anos de 1995 e 2000. À época, poucos profissionais da imprensa imaginavam que aquela rede experimental se tornaria o novo ambiente dominante da informação.
Para entender como o digital começou a moldar o jornalismo no Brasil, conversamos com duas figuras que acompanharam esse processo de perto: o professor e pesquisador português João Canavilhas, um dos mais respeitados nomes da área;e o jornalista baiano Alberto Oliveira, pioneiro na digitalização de veículos na Bahia e atual editor do portal LEIAMAISba . Mas não se pode falar da gênese desse ecossistema sem destacar um terceiro protagonista: o GJOL – Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line, nascido na Bahia, que desde 1995 estuda, documenta e impulsiona o jornalismo nas redes digitais.
“Muita gente se perguntava, será que é possível trabalhar, em termos acadêmicos sérios, fenômenos que são tão efêmeros? Foi justamente essa percepção que nós tínhamos, da rapidez com que isso vinha tendo lugar, com a profundidade das transformações que estavam acontecendo, que era preciso registrar isso tudo”, relatou o professor Marcos Palacios, um dos fundadores do GJOL, em depoimento registrado em vídeo para o Seminário de comemoração de 30 anos do grupo.
Essa descrença não foi exclusividade brasileira: a chegada da internet às redações encontrou portas entreabertas e olhares desconfiados também em Portugal. “Na época, os jornalistas achavam que seria uma tecnologia que eventualmente não teria muita importância para a atividade. Encararam-na como algo novo e que provavelmente iria desaparecer”, relembra Canavilhas.

Primeiros passos
O ano de 1995 marcou a comercialização da internet no Brasil. No ano seguinte, nascia a primeira versão online do jornal A Tarde, em Salvador — um marco da digitalização regional. Mas o projeto não surgiu da direção ou da redação do jornal: nasceu, literalmente, da casa do então editor de Economia, Alberto Oliveira. “O primeiro site de A Tarde foi inteiramente construído por mim (em HTML), e durante vários meses o atualizei diariamente a partir de minha casa. A Tarde não possuía nenhum computador com acesso à internet”.
Interface do site A Tarde do ano 2000 – Vídeo: Wayback Machine
Oliveira, que também desenvolveu o projeto do iG Bahia, afirma que, naquele momento, a compreensão sobre a mudança em curso era praticamente inexistente. “À época, raras pessoas tinham alguma consciência da revolução que estava sendo gestada na área de Comunicação. A internet, para a esmagadora maioria, era apenas um passatempo de nerds amalucados”, afirma.
A resistência ao digital era institucional. “A redação de A Tarde, ao menos enquanto lá estive, nunca abraçou e nunca valorizou o meio digital”, completa Oliveira. A transformação, portanto, veio de fora para dentro, empurrada por um público cada vez mais conectado e curioso. Canavilhas concorda: “Dá-me a sensação que as pessoas, à medida que viam a tecnologia evoluindo e viam muitas vezes também noutros países, começaram a ser mais exigentes com a mídia dos seus países. A mudança foi imposta de fora para dentro. E não foi do lado da oferta para a procura.”
GJOL: a pesquisa como transformação
Enquanto as redações hesitavam, na Bahia um grupo começava a estudar o fenômeno com seriedade acadêmica. Criado em 1995, o GJOL – Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line – foi pioneiro no Brasil ao se dedicar exclusivamente à investigação do jornalismo digital. “Chegamos a ser motivo de risos e brincadeiras pelos corredores da faculdade. Mas nós tínhamos clareza de que estávamos fazendo história”, conta o professor Elias Machado, um dos idealizadores do grupo, em depoimento no vídeo de comemoração de 30 anos do GJOL.

Vinculado à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o grupo foi oficialmente registrado no CNPq em 1997 e, desde então, se consolidou como referência nacional e internacional.
O GJOL é hoje coordenado pelas professoras Suzana Barbosa e Lívia Vieira e pertence à Linha de Pesquisa Comunicação e Cultura Digital do Póscom | UFBA. A atuação do grupo se dá nos pilares do ensino, pesquisa e extensão, reunindo doutores, mestres e graduandos, assim como pesquisadores de diversas universidades brasileiras, o que o torna uma verdadeira rede de pesquisa em jornalismo digital.
Com ampla atuação em temas como inovação jornalística, cibercultura e novas linguagens, o GJOL também estabeleceu cooperações com instituições acadêmicas de renome em Portugal, Espanha, Argentina, México, França, Cuba, Reino Unido, Alemanha e Holanda.
Em sua trajetória, o grupo também teve papel importante na formação de docentes e pesquisadores que hoje replicam e expandem suas metodologias por todo o Brasil. Cada mestre ou doutor formado no grupo, ao assumir cargos de docência, amplia a capilaridade do grupo e leva seus conceitos a universidades federais e estaduais de todas as regiões do país.
Um novo jornalismo
Com o tempo, o jornalismo digital passou a buscar não apenas a migração do conteúdo impresso, mas o desenvolvimento de uma linguagem própria. Segundo Canavilhas, esse processo se deu em fases. “Num primeiro momento, os jornais limitavam-se a transpor os conteúdos do papel para a internet. Depois, começaram a pensar numa linguagem específica que utilizasse o hipertexto para contar histórias de forma diferente. E, já mais tarde, passou-se a explorar som, imagem e personalização — a chamada multidimensionalidade.”
A adaptação, no entanto, não foi simples. Oliveira destaca que é mais fácil construir um portal já pensado para o digital do que adaptar um jornal com lógica impressa. “Um projeto de jornalismo cuja concepção, desde o nascedouro, seja voltada para o meio digital faz muito mais sentido”, afirma. Ele lamenta, no entanto, que grande parte do jornalismo brasileiro ainda esteja aquém do que se espera. “Infelizmente, o jornalismo praticado hoje é, no máximo, um arremedo do que deveria ser. Continuamos perdendo importância, credibilidade e confiabilidade.”
A crítica vai além da tecnologia: toca na formação e na prática cotidiana. “Deixamos, há muito, de fazer jornalismo. Quantos jornalistas, no Brasil, valorizam e conhecem e exercem, por exemplo, o jornalismo de dados?”.
Mesmo diante das dificuldades, a pesquisa segue como um pilar fundamental para a reinvenção do jornalismo. Iniciativas como o GJOL, dentre outros grupos espalhados pelo país, mostram que, enquanto as redações debatiam o que fazer com a internet, havia quem já estivesse a estudar os caminhos possíveis. E hoje, com a chegada da Inteligência Artificial e novos desafios tecnológicos, a lição parece ainda mais valiosa: o futuro do jornalismo passa não apenas pela adoção de novas ferramentas, mas pelo pensamento crítico e ético sobre como e por que usá-las.
Acesse pelo link abaixo a linha do tempo completa dos principais eventos que marcaram o Jornalismo Digital durante os anos de 1995 a 2000.
Gabriel Vintina – Estudante de Jornalismo da FACOM | UFBA, estagiário de produção da Tv Bahia, atua como repórter e produtor de conteúdo freelance.
Maria Clara Costa – Estudante de Jornalismo da FACOM | UFBA e membro da Liga de Jornalismo Esportivo da UFBA (LJEU ).
A motivação para escolha da pauta surgiu durante a pesquisa para o especial 30 anos de Jornalismo Digital. Em complemento, realizamos as entrevistas com o pesquisador João Canavilhas e o jornalista Alberto Oliveira que contribuíram para a matéria ao trazer uma perspectiva crítica e testemunhal do período.