Ilustração que representa a pluralidade de narrativas possibilitada pela ascenção do jornalismo independente nativo digital. Imagem gerada através de Inteligência Artificial - ChatGPT

Nativos digitais fortalecem o jornalismo independente brasileiro

Autonomia editorial, diversidade de fontes de financiamento e pluralidade de narrativas marcam produção dessas iniciativas 

 

Maiquele Romero (@maiquelerb), Madu Motta (@madumotta), Venicius Rodrigues (@veniciuzz) e Victor Conegundes (@conegz)

 

O fortalecimento do jornalismo independente no Brasil, especialmente a partir de meados da década de 2010, está diretamente ligado ao contexto de crise política, econômica e de credibilidade da mídia tradicional. Em meio à ascensão das redes sociais, à polarização e à desinformação, há uma efervescência dos chamados nativos digitais independentes — veículos que nasceram exclusivamente na internet e que se propõem a oferecer narrativas mais plurais, aprofundadas e sensíveis a marcadores sociais como raça, gênero e território. Exemplos como Nexo Jornal, Revista AzMina e Alma Preta demonstram que a autonomia editorial, o compromisso com os direitos humanos e a escuta das margens são centrais nesses projetos, que ocupam lacunas deixadas pela grande imprensa.

 

Ilustração que representa a pluralidade de narrativas possibilitada pela ascenção do jornalismo independente nativo digital. Imagem gerada através de Inteligência Artificial - ChatGPT
Imagem gerada através de Inteligência Artificial – ChatGPT

Contudo, apesar do crescimento dessas iniciativas e da adesão de um público cada vez mais engajado, os desafios à sustentabilidade são grandes. A dependência de plataformas digitais com algoritmos opacos, a dificuldade de captação de recursos e a necessidade de construir laços diretos com a audiência levaram esses veículos a apostar em modelos diversos de financiamento, como assinaturas, crowdfunding e filantropia. Ainda assim, sua atuação tem gerado impacto ao transformar não só os temas abordados, mas também a forma de fazer jornalismo — com maior vínculo comunitário, sensibilidade política e protagonismo de grupos historicamente silenciados.

 

Cenário brasileiro

A partir da chamada ‘Quarta Revolução Industrial’, diversas esferas da sociedade experimentaram novas perspectivas de trabalho com as tecnologias – o desenvolvimento amplo de automação, inteligência artificial, big data e blockchain romperam as fronteiras de convivência digital, sociabilidade e cidadania. O avanço tecnológico não se traduziu apenas em melhorias e personalização nas ferramentas para seus usuários, mas um ganho significativo de capital político e econômico para os magnatas da tecnologia – donos das Big Techs, empresas como Alphabet (Google), Meta (Facebook e Instagram), Apple e Amazon. 

 

Paula Miraglia em Seminário GJOL, 22/05/25, FACOM | Foto: Yara Sobral
Paula Miraglia em Seminário GJOL, 22/05/25, FACOM | Foto: Yara Sobral

 

Pela ótica do jornalismo, não só as estruturas tradicionais do “4° Poder” perderam espaço, mas a credibilidade da esfera como um todo foi desgastada. Paula Miraglia, cientista social e fundadora do Nexo Jornal e da Revista Gama comenta que a crise de confiança foi fundamental para desqualificar o jornalismo como fonte confiável, de forma que tanto membros dos poderes públicos, quanto magnatas das Big Techs se beneficiam dessa perda de autonomia.

 

Nesse contexto, paralelamente, existiu o nascimento de diversas plataformas de novos jornalismos independentes – chamados de nativos digitais. Estes portais, totalmente online, mostravam uma ponta de como seria a relação da notícia com os consumidores do jornalismo digital. De acordo com Maia Fortes, diretora-executiva da Associação de Jornalismo Digital (AJOR), a partir de 2015 existiu uma explosão de veículos nativos digitais. De acordo com a gestora, a AJOR nasce com 30 órgãos jornalísticos filiados e hoje contempla mais de 100. Para participar da associação o veículo precisa trabalhar três pontos principais: a promoção da diversidade, a defesa do jornalismo e da democracia, e, o empreendedorismo.

 

 

Paula Miraglia, Maia Fortes e Marília Moreira participam do Seminário GJOL - 30 anos de Jornalismo Digital com mediação de Lívia Vieira 22/05/25 | foto: Victor Conegundes
Paula Miraglia, Maia Fortes e Marília Moreira participam do Seminário GJOL – 30 anos de Jornalismo Digital com mediação de Lívia Vieira 22/05/25 | foto: Victor Conegundes

O ambiente de polarização, associado à disseminação acelerada de fake news, contribuiu para criar espaço tanto para projetos jornalísticos comprometidos com o fact-checking, a checagem de informações, quanto para veículos que buscavam oferecer análises aprofundadas e conteúdos alternativos às grandes redações. Os veículos nativos digitais nascem com uma premissa inovadora, a informação a um clique de distância. Democrática e acessível. Livre dos custos de produção da mídia impressa e com modelos de negócios mais experimentais, diversificados e, muitas vezes, sustentados por financiamento coletivo, doações, parcerias institucionais ou fundações.

 

 

 

Ascensão e consolidação

Com a crise da mídia tradicional e a crescente desconfiança do público, veículos de jornalismo independentes nativos digitais ocupam lacunas deixadas pela imprensa hegemônica e ganham força no Brasil, sobretudo a partir de meados dos anos 2010. Em um levantamento realizado entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016 para a construção do Mapa do Jornalismo Independente do Brasil, a Agência Pública chegou a constatação que, desde 2006, ao menos um novo projeto independente nasce por ano no país, mas entre 2013 e 2014, o número de novos veículos do tipo saltou de cinco para 18. Esse movimento marca uma virada no ecossistema jornalístico brasileiro, que buscando por pluralidade de narrativas, maior aprofundamento das notícias e fim de incômodos coletivos, contabilizava 217 veículos independentes até 2016, segundo levantamento da Agência Pública.

 

Neste levantamento destacam-se iniciativas como o Nexo Jornal, a Revista AzMina e o Alma Preta Jornalismo, que se consolidaram nos anos seguintes ao combinarem jornalismo de qualidade com autonomia editorial e atuação exclusivamente digital. No entanto, vale pontuar que nem todo veículo nativo digital é independente, assim como nem todo independente é nativo digital. A independência jornalística diz respeito à autonomia em relação a partidos, empresas, grupos religiosos, governos ou conglomerados de mídia. Já o termo “nativo digital” refere-se a organizações que nasceram e operam exclusivamente na internet. Muitas vezes, essas duas características se sobrepõem: veículos independentes encontram no digital um caminho para viabilizar e ampliar seu alcance, aproveitando as possibilidades tecnológicas e o acesso democratizado à informação a partir de sites,  newsletters, podcasts, redes sociais, etc. 

 

No caso do Mapa do Jornalismo Independente da Agência Pública, os critérios utilizados para incluir veículos no levantamento acabam por incluir apenas veículos independentes nativos digitais, uma vez que uma das premissas é que as organizações integrantes deveriam ter nascido na internet, além de:

  • Produzir primordialmente conteúdo jornalístico;
  • Serem projetos coletivos, que não se resumem a blogs;
  • Serem sites não ligados a grandes grupos de mídia, políticos, organizações ou empresas.

 

E quais são esses veículos? Apesar de o Mapa do Jornalismo Independente da Agência Pública reconhecer 217 iniciativas, um artigo intitulado “Atualização do Mapa do Jornalismo Independente no Brasil: modelos de negócio em funcionamento”, publicado em 2024 pelas pesquisadoras Stefanie Carlan da Silveira e Alessandra Natasha Costa Ramos, revela que, desses 217 veículos, somente 110 permaneciam ativos em 2021. A partir desses dados, identificamos que 86 seguem independentes e em atividade até 2025, eles estão mapeados no infográfico abaixo. 

 

No entanto, vale destacar que novas iniciativas de mapeamento foram realizadas desde então, entre elas o Project Oasis, pesquisa internacional realizada em parceria com a Ajor. O “Project Oasis: relatório sobre o Brasil”, publicado em fevereiro de 2025, traçou um panorama mais recente do jornalismo digital no país, catalogando 164 organizações independentes que nasceram no ambiente digital. Essa lista incluiu membros da Ajor (119 na ocasião), veículos já identificados no Panorama do Jornalismo Digital no Matopiba e Amazônia Legal, e outras iniciativas que atendiam aos critérios da pesquisa.

 

Mapa do Brasil com a localização das 164 iniciativas nativas digitais mapeadas pela Ajor em parceria com o Project Oasis. Fonte: Project Oasis Global Media directory

 

De acordo com os organizadores, esses critérios buscam identificar veículos nativos digitais independentes que operam com transparência editorial e produzem conteúdo original de interesse público. Com isso, no Brasil, a pesquisa amplia o entendimento sobre o ecossistema digital do jornalismo independente no país e se soma aos esforços anteriores para mapear o campo.

 

A pesquisa revela ainda que, embora algumas iniciativas tenham deixado de existir – como aponta a atualização do Mapa do Jornalismo Independente da Agência Pública – o cenário segue em movimento. Novos projetos continuam a surgir e ocupar lacunas, o que revela a vitalidade e a capacidade de renovação do jornalismo independente no ambiente digital, apesar dos desafios de financiamento.

 

Nexo Jornal

 

À época, os idealizadores do mapeamento da Agência Pública o consideraram uma ideia ambiciosa, mas necessária num momento de ruptura e renascimento do jornalismo. Essa ruptura envolve a busca por alternativas mais transparentes, críticas e investigativas, diante das limitações da imprensa hegemônica, marcada por coberturas aceleradas e pouco contextualizadas. É nesse contexto que surge, por exemplo, o Nexo Jornal, fundado em 2015 por Paula Miraglia, Renata Rizzi e Conrado Corsalette. A proposta do veículo é justamente oferecer contexto e profundidade às notícias, indo além do factual imediato. “A gente viu aí uma possibilidade de olhar para temas que o jornalismo às vezes trata muito focado na notícia do dia a dia, o que se chama de hard news ou breaking news, com mais atenção”, explicou Miraglia.

 

Ilustração: Nexo evidencia sua importância em anúncio no seu site | Reprodução Nexo Jornal

 

Na perspectiva dos leitores, essa abordagem faz diferença na hora de escolher onde se informar. “Sempre que uma notícia me chama mais atenção, eu vou ver o que um veículo independente produziu sobre aquilo porque considero que eles abordam algumas questões com mais sensibilidade”, comenta a professora infantil, Yasmin Bomfim. Essa sensibilidade a qual ela se refere é justamente uma contextualização maior das notícias, assim como maior cuidado com o que está sendo pautado sobre grupos minorizados.

 

Alma Preta Jornalismo

 

Além da busca por conteúdos mais aprofundados, a necessidade de maior diversidade nas redações e narrativas, impulsiona a criação de veículos mais plurais com recortes de raça e gênero, como o Alma Preta Jornalismo.

 Ilustração no site do portal | Reprodução Alma Preta
Ilustração no site do portal | Reprodução Alma Preta

O veículo se denomina como uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial do Brasil e tem como missão informar a sociedade a partir da perspectiva racial negra e periférica, entendendo que, para isso, deve realizar um trabalho posicionado e transparente, sem a ideia de neutralidade ou imparcialidade difundida pelos veículos tradicionais. “De forma geral, todos os profissionais que atuam na Alma Preta agem de um mesmo ponto de partida: um olhar racial, de gênero, território e diverso para as pautas.”, comenta Dindara Paz, jornalista e repórter do Alma Preta Jornalismo. E é justamente esse olhar bem definido que atrai o público, muitas vezes incomodado, como Yasmin, com a forma que grupos minorizados são pautados pela mídia hegemônica.

 

 

Dindara Paz, repórter do Alma Preta Jornalismo

A respeito disso, Dindara acredita que o jornalismo tradicional brasileiro vive uma crise de identidade por ter passado tanto tempo dominando a narrativa: “O jornalismo independente é o novo jornalismo e espero que seja o do futuro com muito mais investimento e visibilidade”. O Alma Preta, do qual faz parte há 4 anos, é um vislumbre desse futuro.

 

Revista AzMina

 

Ilustração: Revista completa 10 anos em 2024 | Reprodução AzMina

 

Às vezes, um incômodo individual, torna-se coletivo e desse incômodo também surgem  iniciativas a fim de solucioná-lo. Foi o caso da Revista AzMina, veículo focado na cobertura de temas variados com recorte de gênero, considerando também perspectivas de raça/etnia, classe e orientação sexual.

 

A Revista surgiu em 2015 de uma inquietação “Não só com a opressão de gênero, mas também com a forma como o jornalismo sobre e para mulheres era feito”, relata Helena Bertho, jornalista e cofundadora da organização. “A gente se incomodava com a violência contra a mulher e também com como ela era mostrada na mídia. Naquela época, ainda se falava em crime passional, se noticiava estupro falando sobre a roupa da vítima.”. Essa indignação, que impulsionou o surgimento de veículos como a AzMina, ecoava uma crescente demanda social pelo combate público às violências sofridas pelas mulheres.

 

Não à toa, também em 2015, o país avançava em sua legislação com a Lei nº 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio, que passou a classificar o assassinato de mulheres por razões de gênero como crime hediondo, não passional. Ainda assim, apesar de em menor escala, não é difícil ver, até hoje, veículos da mídia hegemônica reproduzindo o discurso de “crime passional” quando deveriam adereçar o feminicídio.

 

Fotos: Redação de AzMina em 2022 | Reprodução AzMina

 

Sob o olhar de quem faz o jornalismo independente, isso acontece porque nem sempre a demanda social dialoga com o jornalismo hegemônico. Por isso, Marília Moreira, jornalista e diretora institucional da Revista, acredita que esses veículos nascem justamente para preencher essa lacuna: “que é a lacuna não só do jornalismo, mas a lacuna social, na esfera política mais ampla”.

 

Formas de financiamento

Com a ascensão desses veículos independentes no período, novas formas de financiamentos e sustentabilidade foram criados por perfis de jornalismo independentes, inovando na forma como um site ou perfil pode ser financiado, trazendo novas ferramentas que hoje são adotadas por diversos meios, inclusive alguns tradicionais. Esse processo foi necessário, pois os veículos independentes necessitavam de apoio financeiro, de forma que conseguissem manter seu conteúdo alinhado com a ideia primária dos produtos. 

 

A partir dessas questões, o público leitor se tornou essencial para a continuação desses veículos, a partir de ferramentas que os faziam participantes ativos como o crowdfunding, assinaturas e diversas outros meios de financiamento que possibilitam o público de apoiar essas iniciativas que se identificam com o conteúdo, além dos produtos não se ligarem a publicidades que podem interferir na transparência. 

 

No entanto, a sustentabilidade financeira continua sendo um dos principais desafios enfrentados por essas iniciativas, que apostam em estratégias diversas para manter a operação e preservar sua independência editorial.

 

Entre os exemplos que diversificam suas estratégias, estão o AzMina e o Nexo Jornal. Ambas as iniciativas compartilham trajetórias que combinam inovação, engajamento com a audiência e uma constante busca por modelos de financiamento viáveis.

 

Helena Bertho, fundadora do AzMina, relata que o principal obstáculo enfrentado pelo veículo é o de captação de recursos. Segundo ela, continuar fazendo um jornalismo em que elas acreditam de forma independente financeiramente é um dos fatores mais desafiadores. Esse é um dos pontos que se diferem do jornalismo tradicional que tem como principal fonte de sustentabilidade a publicidade.  

 

Além da questão financeira, ela aponta outro desafio estrutural: a dependência das grandes plataformas de distribuição de conteúdo. “Estamos eternamente dependendo de plataformas para alcançar o público. Plataformas que não são transparentes, que mudam seu algoritmo o tempo todo e que priorizam critérios muitas vezes opostos aos que são centrais ao bom jornalismo”, critica.

 

Para contornar esses desafios, o AzMina aposta em uma combinação de fontes de receita. “A principal fonte de recurso é a filantropia”, explica Helena. O veículo foi fundado em 2015 com um financiamento coletivo inicial e, desde então, realizou outras campanhas de crowdfunding, além de manter uma base de apoiadores recorrentes.

 

“A contribuição recorrente da comunidade é uma parte pequena do orçamento hoje, é um formato pra gente inseguro e difícil de sustentar. Mas temos uma estratégia de membership, onde construímos e pensamos como fomentar a colaboração. Porque, no fim das contas, é um recurso que permite o jornalismo mais livre”, defende.

 

O Nexo Jornal é outro exemplo de veículo nativo digital que consolidou um modelo de negócio baseado na assinatura de conteúdo, além de se destacar por construir parcerias inovadoras como a assinatura em conjunto com o The New York Times.

 

Paula Miraglia, relata sobre a crise de sustentabilidade dos meios de comunicação e o impacto disso no meio digital:  “A publicidade sempre foi um elemento muito importante para a sustentabilidade do jornalismo, e hoje as plataformas como o Google, as plataformas da Meta, mesmo a Amazon, elas concentram a parte mais expressiva dessa receita. Então, os veículos estão colocados numa situação onde eles têm que repensar o nosso modelo de negócios”, relata.

 

Tanto o AzMina quanto o Nexo destacam a complexidade de atuar em um ambiente onde as regras de distribuição de conteúdo são definidas por algoritmos de plataformas privadas. Essa dependência exige que os veículos invistam em formas de contato direto com sua audiência, como newsletters.

 

O modelo de assinatura adotado pelo Nexo, como o “paywal”, tem permitido ao veículo uma maior previsibilidade orçamentária, mas não elimina os desafios inerentes ao ambiente digital, como a fidelização de leitores pagantes e a necessidade constante de inovação.

 

Outra alternativa são as ajudas de custo para matérias específicas, como exemplifica Paula, sobre a campanha da Agência Pública para financiar o jornalismo investigativo para poder investigar as bets, jogos de apostas que estão sendo alvo de profundas investigações, além de ser um tema que tem grande repercussão na esfera pública: “A agência pública lançou uma campanha” Ajude  a Pública a investigar as bets”, que é um tema que está mobilizando a sociedade brasileira e merece uma investigação aprofundada e sobretudo de um veículo que não tem nenhum conflito de interesse, como a Pública, que obviamente não tem, não recebe dinheiro de anúncio de bet. Mas esse é um jornalismo investigativo, um jornalismo que custa caro e é de interesse público. Então nada mais natural que a pública peça ajuda da sociedade para poder investigar as bets”. 

 

Projetos como o AzMina e o Nexo Jornal mostram que é possível construir alternativas à grande imprensa tradicional, apostando na qualidade da informação, na inovação editorial e na construção de comunidades engajadas.

 

Novas vozes, novas pautas

Ao se afastar do eixo tradicional da grande imprensa, esses veículos constroem narrativas mais próximas das realidades vividas por comunidades periféricas, populações negras, mulheres e outros grupos historicamente invisibilizados. A produção de conteúdo parte de uma relação direta com o território e com as experiências locais, o que favorece uma escuta mais sensível e representativa.

 

Essa mudança de perspectiva também impacta o que é considerado notícia. Histórias que antes ficavam à margem ganham centralidade, e lançam novos olhares sobre temas como cultura, segurança e direitos. Ao colocar outras experiências no centro, o jornalismo amplia seus horizontes e muda suas abordagens, repensando tanto os critérios de notícia quanto as formas de apuração e distribuição da informação.

 

Reivindicar o direito de narrar a própria história é também disputar os sentidos que circulam na esfera pública. Ao priorizar experiências antes silenciadas, esses veículos reconfiguram a lógica da escuta. A atuação a partir de territórios periféricos e de marcadores como raça e gênero não é apenas uma escolha editorial, mas uma forma de reposicionar quem historicamente esteve fora do centro do discurso midiático. “Por séculos, a história da população preta e periférica foi contada a partir de quem tinha o poder na narrativa – e sempre foi assim desde a colonização. Essa lógica de descolonizar a comunicação é romper com essa ideia do ‘outro’ e falar sobre as nossas vivências a partir das nossas subjetividades”, afirma Dindara Paz.

 

Foto: O Manual de Redação da Alma Preta Jornalismo | Reprodução Alma Preta

 

Essa mudança de perspectiva não se resume à cobertura de determinados temas, mas envolve um compromisso contínuo com as comunidades retratadas. A prática jornalística passa a ser entendida também como um gesto de responsabilidade coletiva, em que comunicar é inseparável de fortalecer vínculos e disputar direitos. “De todas as histórias que tive a oportunidade de conhecer e escrever sobre, o que ainda me marca é o fato do meu trabalho me impulsionar a ser uma pessoa e uma profissional melhor para a minha comunidade”, conta. “É perceber que o jornalismo que eu faço é um compromisso não só de profissão, mas de vida com as causas que acredito”.

 

O fortalecimento de veículos que atuam a partir de experiências negras e periféricas tem provocado uma transformação significativa no jornalismo. Mais do que incluir novas vozes, esses projetos propõem formas próprias de narrar, com referências culturais, políticas e territoriais que rompem com a lógica tradicional da imprensa. Ao assumir uma escuta atenta e engajada, reafirmam que informar também é um ato político.

 

Para Dindara, essa mudança é inevitável: “Hoje, é impossível pensar no jornalismo sem pensar em raça, gênero, território e diversidade como um todo. O futuro do jornalismo é (e deve ser) diversos, de modo que todas as pessoas tenham o direito de falar sobre si e para as duas comunidades”. O crescimento dessas iniciativas mostra que é possível produzir informação de forma plural, crítica e mais conectada com as realidades que compõem o país.

 

 

 

 

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Maiquele Romero é estudante de jornalismo na UFBA. Atualmente, trabalha com assessoria de comunicação e se interessa por pautas relacionadas à sociedade e cultura.

Madu Motta é estudante de jornalismo na UFBA estagiária de produção da Radio Educadora e gosta de escrever sobre cultura.

Venicius Rodrigues é estudante de jornalismo na UFBA e atua como repórter no jornal A TARDE  e se interessa por jornalismo cultural e fotografia.

Victor Conegundes é graduando em jornalismo pela UFBA, estagiário na Assessoria de Comunicação do Teatro Castro Alves, tem como enfoque pautas de Arte, Moda e Cultura.

 

A pauta surgiu do interesse em entender como o jornalismo independente tem ocupado lacunas deixadas pela grande imprensa.

 

 

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