Praias de Salvador apresentam índices de balneabilidade inadequados, com esgoto e lixo que contaminam a orla da cidade
Ana Francisca (@a.annafran) e Júlia Naomi (@vhjulianaomi)
Morar a poucas quadras da praia em uma cidade solar. Para muitos, esta ideia soa como um sonho, que une a rotina de trabalho à possibilidade de descansar à beira-mar. Em uma península, como a capital baiana, este cotidiano poderia ser ainda mais comum na vida da população. Salvador é abraçada por uma orla continental com mais de 64 km de extensão, mas este diálogo tão próximo entre mar e terra é frequentemente interrompido pela poluição.

No último balanço do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) disponível para consulta no site, divulgado em 16 de maio de 2025, 20 praias de Salvador foram classificadas como impróprias para banho, entre 38 pontos monitorados.
O órgão, responsável por gerenciar políticas ambientais e de recursos hídricos na Bahia, realiza coletas e análises de amostras para quantificar a presença da bactéria Escherichia coli, indício de poluição recente por fezes humanas ou animais. Quando a concentração da bactéria é elevada, a praia é classificada como imprópria, de modo que o contato com a água pode gerar riscos à saúde. O risco aumenta em regiões com cobertura de saneamento básico incipiente e esgoto irregular.
Segundo o governo do estado, os resultados deveriam ser atualizados semanalmente no site oficial e no aplicativo Vai dar Praia, porém, no momento da apuração, as informações estavam indisponíveis ou de difícil acesso. A equipe do Identidade Digital tentou contato com o Inema para obter dados recentes, mas não obteve resposta em tempo hábil para a publicação.
Mapa de praias apontadas como impróprias no balanço do Inema de 16 de maio de 2025
De acordo com o engenheiro ambiental e sanitarista Bruno Nazar, as praias classificadas como impróprias com mais frequência ao longo dos últimos anos foram as da Armação, Boca do Rio, Patamares, Periperi e Penha. A contaminação ocorre principalmente pelo arraste de detritos na época de chuvas e pela drenagem de bacias hidrográficas poluídas no mar.
Os rios que influenciam na balneabilidade das praias mencionadas são:
- Boca do Rio – Rio das Pedras
- Armação e Pituba – Rio das Tripas e Rio Camarajipe
- Periperi – Rio Paraguai
- Jaguaribe e Patamares – Rio Jaguaribe
Assim, Nazar explica que o problema antecede as areias do mar. Com o avanço urbano desordenado, aumenta também o número de lançamentos de esgoto irregular nos rios, sem qualquer tipo de tratamento. Essa carga poluente eleva a presença de bactérias e sobrecarrega o sistema público de esgotamento e agrava problemas de drenagem. A Praia da Barra, nas proximidades do restaurante Barravento, a Praia de Ondina e a da Paciência, no Rio Vermelho, além de diversas outras, também são exemplos de lugares em que se realiza esse descarte.
O engenheiro também critica características de iniciativas recentes de revitalização da orla de Salvador. “O perfil das obras executadas até então foram de impermeabilização do solo, com calçadas extensas de concreto, remoção da vegetação preexistente e pouca arborização”. O resultado é uma orla mais quente, com pouca infiltração de água, drenagem precária e um volume crescente de lixo e sedimentos levados para o mar toda vez que chove.
Luciano Alves, engenheiro sanitarista e mestre em Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) complementa que este não é um problema restrito a Salvador. “As grandes cidades litorâneas do país elas têm sofrido por causa da especulação imobiliária em torno de áreas costeiras. Ao longo dos anos isso tem impactado na balneabilidade, pela ausência do saneamento básico nessas regiões, que embora sejam muito cobiçadas, em grande parte das vezes carecem da infraestrutura”.
O especialista, que é doutorando em Energia pela UFBA, reflete que desde a infância, a população aprende sobre a potabilidade da água, que é adequação para o consumo, mas muitas vezes não faz ideia de que existem parâmetros de avaliação relacionados ao contato primário recreativo. Estes indicadores são regidos pela Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) nº 274/2000.
Contatada pela reportagem, a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) afirma que Salvador tem a maior cobertura de esgotamento sanitário do Norte e Nordeste, alcançando 88,54% de atendimento pelo serviço, segundo o Instituto Trata Brasil.
Além disso, esclarece que todos os resíduos coletado pela rede pública de esgotamento sanitário operada pela empresa na capital baiana passam por diversas etapas de tratamento antes de serem enviados para o oceano a mais de 2 mil quilômetros da costa e 27 metros de profundidade, por meio de uma tubulação chamada emissário submarino.
“Os sistemas de drenagem pluvial que coleta água da chuva, sob responsabilidade da prefeitura, e bacias hidrográficas que seguem para as praias da cidade não recebem esgoto da rede coletora de esgoto da Embasa. Esses sistemas são separados e independentes”, complementa.

Ainda assim, existe um percentual da cidade que fica desassistido. Os desafios para a universalização do serviço, segundo a empresa, “estão principalmente relacionados com as ocupações irregulares em áreas com alta concentração de pessoas e muitas vezes com urbanização precária, que dificulta a expansão da infraestrutura, além da topografia complexa, com muitas áreas íngremes e de difícil acesso”. A Embasa afirma que está acelerando investimentos e ampliando o serviço em toda a sua área de atuação.
Morar à beira-mar
“Moro próximo da Praia de Armação. Vejo o movimento na praia, que não é muito, e se limita unicamente à faixa de areia. Até tinha uns pescadores por aqui, mas não os vejo mais. Além das correntezas perigosas, o mau cheiro incomoda bastante”, relata Bernardo Maia, 20, estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação (FACOM) da UFBA. Morador do bairro da Boca do Rio, ele não frequenta as praias mais próximas de sua casa e costuma aproveitar os dias de sol no Porto da Barra, Gamboa e, ocasionalmente, em Patamares.
Mesmo com as condições descritas, o estudante acredita que o trecho de praia em seu bairro não é o mais crítico e que a poluição é ainda mais acentuada no Costa Azul e em Piatã. “Estudei por muito tempo no bairro [Costa Azul] e sempre sofria com o fedor dos dejetos dos rios que deságuam na praia. Passando pela orla de bicicleta, a situação ainda piora. Tem córregos largos de águas escuras e com um mau cheiro insuportável”, descreve.
Cézare Lacerda, 22, estudante de Bacharelado Interdisciplinar de Humanidades do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) da UFBA, mora próximo às praias da Pituba e do Costa Azul e confirma a inviabilidade de aproveitar as praias na vizinhança. “Para ir à praia eu prefiro sair daqui, porque a água é toda suja e dá pra ver o óleo despejado na água sem me esforçar muito, além de ser um mar agitado e o comércio estar totalmente voltado para o calçadão”, descreve.
Ele, que costuma ir à praia toda a semana durante as férias, frequenta mais as praias de Itapuã, Flamengo e Porto da Barra, quando deseja apreciar o pôr do sol. Para o deslocamento, pega carona com os amigos e ‘confia no julgamento do piloto’ sobre a qualidade da água no local, mas acredita que praias mais frequentadas tendem a ser mais limpas, uma vez que praias sem banhistas muitas vezes se tornam local de descarte para lixo comum.

Já a designer de moda Fernanda Borges, 21, menciona um problema que reflete a falta de educação da população em geral: a poluição deixada pelos próprios banhistas. “A pessoa vai, bebe, come, se diverte… e deixa plástico, garrafa, resto de comida na areia. Aí a maré sobe e leva tudo pro mar”.
Ela, que participa de um grupo de estudos sobre oceanografia por hobby e é entusiasta da vida marinha, confessa que, assim como muitas outras pessoas, não pensa muito na qualidade da água no momento de escolher onde descansar.
“Para ser sincera, quando a pessoa decide ir pra praia, ela não escolhe pensando ‘ah, essa é menos poluída’. A maioria vai pelo prazer mesmo. Grande parte da galera de Salvador gosta de beber, então escolhe justamente as praias mais movimentadas, cheias, com música, farra e muita bebida”, afirma. A designer, no entanto, prefere curtir em locais mais vazios e de mar calmo.
Mesmo quando a intenção é apenas aproveitar um dia de lazer, seja de forma tranquila ou mais animada, cada pessoa deve se responsabilizar pelo lixo que produz. “Se pararmos para pensar, eu acho que o primeiro passo para tornar as praias mais próprias para banho é a conscientização das pessoas. Não adianta a prefeitura fazer campanha, mutirão, fiscalização, se o próprio povo volta no dia seguinte e bagunça tudo de novo”, reflete Fernanda.
Responsabilidade de todos
Com o objetivo promover a educação sobre o aproveitamento consciente das praias de Salvador, o projeto Fundo da Folia realiza encontros, oficinas, palestras e a exibição de um documentário sobre sua própria história sob demanda, em escolas, universidades, museus, salas de cinema e empresas dos mais variados perfis.

O Fundo da Folia é uma iniciativa criada em 2010. Após o carnaval de Salvador, um grupo de surfistas decidiu mergulhar na região da Barra e se deparou com diversos tipos de lixo deixado pela folia. O impacto da cena fez com eles postassem a situação nas redes sociais, para conscientizar a população. Desde de lá, a iniciativa virou projeto que movimenta mergulhadores voluntários que amam o meio ambiente e têm interesse em ajudar nas limpeza subaquática e costeira durante todo o ano.
Ao longo de seus 15 anos, o grupo já realizou mais de 300 limpezas. Só em 2025, até o momento de escrita da reportagem, foram 57 ações, superando o recorde de 55 no ano anterior. Bernardo Mussi, um dos criadores da iniciativa, comenta que a meta é alcançar 60 até o fim de dezembro.
Segundo ele, em épocas de sol e praias cheias, os resíduos mais comuns são aqueles descartados pelos frequentadores: latas e garrafas de cerveja, garrafas pet, copos, pratos, talheres e canudos descartáveis, embalagens de salgadinhos e lanches em geral, espetos de queijo e camarão, dentre outros. Quando o tempo muda, porém, o resultado das coletas é diferente, pois tem origem no lixo que é arrastado da cidade para o mar devido à falta de drenagem.

“Em épocas de chuvas intensas, encontramos, além desses, vários outros tipos de resíduos como roupas, pedaços de eletrodomésticos, todo o tipo de produto plástico, de borracha e metal, além de muitas embalagens dos mais diversos produtos. É uma prova que o saneamento básico é um tema importantíssimo nas discussões sobre a poluição dos rios e oceanos”, destaca.
Para o mergulhador, o maior desafio enfrentado pelo grupo, que não possui compromisso político, ideológico ou comercial com qualquer instituição pública ou privada, é continuar impactando as pessoas positivamente em relação aos cuidados com o meio ambiente. A percepção dele é que pouca coisa mudou de 2010 para cá em relação à atitude das pessoas: “Basta ir a uma praia nos finais de semana para verificar”.
Apesar dessa constatação, ele diz que a maior motivação do grupo que realiza o projeto, é sentir que estão fazendo algo pequeno para a cidade, mas muito grande para cada um dos integrantes. “Saber que somos, da maneira como funcionamos, o grupo que impulsionou a criação do Parque Marinho da Barra é algo muito gratificante. Porque é um legado incrível que fica para a cidade e para as próximas gerações, uma realização palpável, concreta que tanto nos orgulha e motiva a seguir em frente”, celebra.
O decreto nº 30.953, de 12 de abril de 2019, reconhece a importância da biodiversidade presente nos 322.142 m² situados entre o Farol da Barra (Forte de Santo Antônio) e o Forte de Santa Maria. Também estabelece objetivos e diretrizes para proteger esse ecossistema, estimular pesquisas científicas e promover ações de educação ambiental.

A área, delimitada por boias aquáticas desde 2021, abriga espécies como a tartaruga-cabeçuda, a tartaruga-verde e a tartaruga-de-pente, além de corais e algas nativos que se encontram ameaçados de extinção. O local também reúne importantes sítios arqueológicos subaquáticos, como os naufrágios do Maraldi (1875), Bretagne (1903) e Germânia (1876).
“A cidade de Salvador possui uma das costas litorâneas mais belas do Brasil e mais importantes também, assim como a Baía de Todos os Santos tem uma relevância histórica imensa”, defende o engenheiro ambiental e sanitarista Bruno Nazar. Ele ressalta a importância de respeitarmos esses espaços, cultural e ambiental e focar na sustentabilidade socioeconômica da região.
Ana Francisca – Estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e integrante do Programa de Educação tutorial em Comunicação (PETCOM). Tem como principais interesses o jornalismo cultural e ambiental.
Júlia Naomi – Estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA . Escreve para editorias de educação e tecnologia e possui interesse em políticas públicas, jornalismo ambiental e rural.
A escolha da pauta foi motivada pelo amor compartilhado por Salvador, pelo mar, pelo meio ambiente e pelo direito à cidade.
