Crescimento das rodas culturais é impulsionado pelas redes sociais
Carlos Eduardo (@cefs_2003) e Liz Barretto (@_lizbarretto)
Navegando nas redes sociais, é comum se deparar com um universo de cortes dos mais variados conteúdos. Entre eles, trechos de batalhas de rima tem se destacado, especialmente no TikTok, plataforma chinesa de vídeos curtos. A #batalhaderima acumula mais de 300 mil publicações e bilhões de views na rede social.
O novo boom das batalhas, propiciado pelas mídias digitais, começou em 2020, e trouxe para os holofotes uma prática antiga, que chegou ao país na década de 90. Inseridas no movimento Hip Hop, as rodas culturais garantem aos jovens periféricos a possibilidade de produzir e consumir cultura.
“Aquilo que servia para trazer violência e morte, através das brigas de gangues, passou a ser utilizado como um meio de vida, de alavancar a perspectiva de mudança e transformação na vida dos jovens”, destaca Jorge Hilton, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e autor do livro Bahia com H de HipHop.
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No YouTube, as principais batalhas do Brasil já transmitem seus eventos – que geralmente ocorrem semanalmente – e são assistidas por milhares de fãs. Na Bahia, a Batalha da Torre é o principal expoente: o canal da batalha conta com 80 mil inscritos na plataforma e se coloca como um dos berços de vários artistas.
“A importância dos MCs nas redes sociais é gigantesca, porque antes era tudo restrito às gravadoras e a quem detinha os meios de comunicação para as coisas serem divulgadas, mas hoje já há uma democratização”, afirma Hilton.
Bahia, a terra da rima
A força baiana nas rinhas de MCs fica evidente quando se observa os rimadores do estado que se destacam nacionalmente ao longo do tempo. A primeira da lista é Mirapotira. Pilar do movimento, ela foi a primeira representante da Bahia na edição de estreia do Duelo de MCs Nacional em 2012 – principal competição do país. No evento, realizado anualmente em Belo Horizonte (MG), Mira, que era a única mulher na disputa, chegou até a final, perdendo para o mineiro Douglas Din.
Em 2014, também no Nacional, outro baiano fez história. Larício Gonzaga se tornou o primeiro nordestino a ganhar a disputa, derrotando o mineiro Capanga na final. Atualmente, além de rimar, Larício é apresentador da Freestyle Monster Series (FMS) – liga profissional de batalha de rima.
Seguindo o legado da Bahia de fazer história no nacional, Bl4ck chegou a Belo Horizonte em 2016, aos 13 anos, se tornando o MC mais novo a participar do Duelo Nacional e o mais jovem campeão estadual da história. Em 2021, o baiano conquistou o título do Red Bull FrancaMente – competição nacional organizada pela Red Bull.
Atualmente, a presença de artistas baianos na cena continua a aumentar, trazendo cada vez mais reconhecimento para o estado e revelando grandes nomes no cenário nacional.
“A cena está vivenciando, não só na Bahia, como no Brasil, o seu melhor momento desde o surgimento do Hip Hop. Nunca vi antes algo como se vê hoje, no sentido de valorizações gerais desses MCs nas mais diferentes áreas”, conclui o professor Jorge Hilton.
Um exemplo desse sucesso é JayA Luuck, o mais famoso MC de Batalha da Bahia. Cria da Batalha da Torre, ele ganhou destaque a partir de 2019, protagonizando embates históricos em rodas culturais do Sudeste como: Batalha da Aldeia, Batalha de Estudantes (SP) e o Mar de Monstros.
O artista também se destaca na carreira musical. Ele possui 1,8 milhão de ouvintes mensais no Spotify, e ‘Nemo’, sua faixa solo mais famosa, acumula 98 milhões de visualizações no YouTube. Poesia Acústica #10 – Recomeçar, projeto da produtora Pineapple Storm, que JyaA fez parte, superou 180 milhões de views na plataforma de vídeo.
Quatro vezes campeão estadual, Japa é um dos principais MCs da atualidade. O baiano, que é o maior campeão da Batalha da Torre, com 22 títulos, vai levando a bandeira da Bahia e a camisa do Vitória, para os grandes eventos do país, como a BDA de Aniversário, o Jardim das Flores e o Draft do Coliseu. No Duelo de MCs Nacional de 2024, ele fez uma campanha histórica e parou apenas em Martzin (MG), na final.
Salvador conta diversas batalhas que compõem o circuito de rodas culturais. Elas contribuem para o desenvolvimento do rap baiano e ocupam espaços públicos da cidade levando arte e cultura a diversas regiões.
Um talento fora do eixo
Felipe Santana, conhecido nas ruas como Yoga, é mais um MC do estado que se destaca nacionalmente. Rimando desde 2017, Yoga conheceu as batalhas aos 14 anos, por influência de um tio. Suas principais referências nas rodas culturais são os paulistas Kant e Salvador, e o capixaba César – campeão nacional de 2017 e considerado por muitos um dos maiores da história do freestyle.

No início de sua carreira, Felipe dividia a atenção com o trabalho de auxiliar administrativo de um hospital em Salvador. É só a partir de 2020, que ele passa a se dedicar exclusivamente às batalhas. “Comecei a aparecer em compilation, ganhar um ‘oi’ de artistas que eu admiro e aí a brincadeira começou a ficar séria”, afirma o artista.
Em 2024, Yoga ganhou ainda mais destaque por sua técnica e jeito único de rimar. Ao longo do ano, ele participou de grandes eventos de rima, entre eles: o Interestadual da Aldeia, conhecido como “Brasileirão do rap”, chegando até a final e sendo derrotado pelo paulista Jotapê.
O MC também participou de um momento marcante para o rap nordestino. Junto com JayA Luuck e Japa, ele formou o primeiro trio nordestino da história do Aniversário da Aldeia. Para Yoga, o momento foi a realização de um grande sonho.
“Eu lembro que em 2020, no auge da pandemia, eu estava em ligação como JayA e ele falou que se fosse um trio da Aldeia, eu, ele e Japa, ele rimaria, com certeza. E isso aconteceu quatro anos depois. Foi uma realização muito maneira, porque a gente veio da mesma batalha e estava disputando o maior evento de batalha de rima do Brasil”, disse.
A presença do trio na BDA 8 anos foi importante para o fortalecimento do movimento ‘Fora do Eixo’. A iniciativa é formada por diversos MCs, como Gomes (DF), Menor (AM), Vinicius ZN (PE), e busca a valorização de artistas e batalhas que estão fora do holofote do eixo Rio-SP.
No que diz respeito ao cenário de sua terra natal, o artista acredita que as batalhas tendem a crescer pela qualidade dos embates, mas há a necessidade de melhorias na estrutura e no aumento da visibilidade dos eventos locais.
“Querendo ou não a dificuldade já acontece há alguns anos, porém eu já vejo a melhoria. Acredito que daqui até o fim do ano a situação vai estar melhor, e isso vai incentivar a galera que organiza a se dedicar mais ainda […] Era uma onda pequena e agora é uma onda imensa. Se souber navegar, já era”, destacou Yoga.
Yoga viaja o Brasil rimando em diferentes competições, mas sempre vem a Salvador rimar em sua batalha de origem: a Batalha da Torre.
Fábrica de MC’s
Sábado é dia de rap no Parque dos Ventos, no bairro da Boca do Rio, em Salvador. É nesse espaço que acontece, semanalmente, a Batalha da Torre. O evento reúne ao longo de suas edições MCs da capital, do interior e também de outros estados.
Criada em 2017, a batalha formou os principais MCs baianos com destaque nacional. Antes de brilhar Brasil afora, nomes como JayA Luuck, Yoga, Japa e Bl4ck duelaram muito na Torre. Vitor Carvalho, um dos organizadores da roda cultural, ressalta a felicidade em ver artistas formados na batalha entre os melhores do Brasil.
“É muito gratificante. Eles quando vão lá para fora falam da Torre, sempre dão esse ‘salve’. A gente vê que o nosso trabalho tem importância. Se não fosse a torre talvez não teria um JayA [Luuck], um Japa, um Bl4ck. A gente enxerga que isso faz parte da construção da carreira deles e da cena daqui”, afirma.

Mesmo sendo uma das principais batalhas da região Norte/Nordeste, a Torre enfrenta desafios financeiros, já que não recebe nenhum apoio para organização das rodas. O aporte, tanto para premiação dos MCs, quanto para compra de equipamentos de som e para gravação de vídeos é feito pelos próprios organizadores.
“O desafio maior é a questão de incentivo, porque hoje em dia a gente gasta do nosso bolso […] Em questão de edital, a gente já tentou, mas nunca conseguiu, e de forma direta, chegarem na gente nunca rolou e eu acho muito difícil que role”, afirmou Carvalho.
Em meios a essas dificuldades, Vitor destaca a importância das redes sociais na atração de público para as batalhas e, consequentemente, o crescimento do movimento. Em dezembro de 2024, a Batalha da Torre realizou uma edição especial de trio, que contou com os principais nomes da cena baiana e destaques de outros estados.
O evento realizado em um bar no Rio Vermelho, teve casa cheia e milhares de visualizações no canal do YouTube da batalha. Ao final da noite, JayA Luuck, Japa e Yoga foram os grandes campeões.
Maiores campeões da Torre
Batalhas em alta
A força das Batalhas nas redes sociais tem como resultado principal o desempenho dos Mestres de Cerimônia (MCs), mas outras figuras são importantes e merecem destaque nesse cenário: os criadores de conteúdo estão entre elas. Seja fazendo as compilações de rimas marcantes para as diversas plataformas, seja reagindo diariamente nas rodas culturais, eles ajudam a propagar o movimento na internet.
O baiano Everton Bomfim, conhecido como Mendigo na Reação, é um dos produtores de conteúdo que vem ganhando destaque no mundo das batalhas. Reagindo às rinhas de MCs, ele possui mais de 100 mil seguidores, somando TikTok, YouTube e Instagram.
“A primeira vez que eu pisei em uma roda cultural, de fato, [foi] aqui onde moro, no final de linha do Rio Sena, no Subúrbio. Eu me apaixonei, porque eu me identificava muito com a galera rimando. Tinha uns moleques com cabelo do jeito que eu queria ter e que eu tinha medo às vezes de deixar crescer. Eu falei c******mano, os moleques de roupa larga, as mina também de cabelo black, igual a mim, falei legal é isso aqui que eu quero”, afirmou.
A possibilidade de monetizar os vídeos no TikTok e no YouTube foi um dos fatores que auxiliou o Mendigo na Reação a conseguir um retorno financeiro e crescer no mundo das batalhas. Com menos de um ano fazendo reacts, ele foi convidado pelos organizadores da Batalha da Aldeia para ser repórter da BDA 7 anos, evento de rima anual que celebra o aniversário da mesma.
Além de Everton, outros canais e criadores de conteúdo se destacam no ambiente das batalhas. São muitos os exemplos da proporção do movimento, seja fazendo compilações como os canais do YouTube Centro das Batalhas (340 mil inscritos) e Rimas Compilation HD (1,16 milhão de inscritos), ou reagindo ao vivo as batalhas como Kant (513 mil inscritos), que também é MC, e Batalhas Mil Grau (175 mil inscritos).
“Eu vejo a mídia como algo importante assim como em qualquer outro meio, porque as mídias são, de fato, o que fazem circular. Claro que não são muitos em comparação aos outros subnichos, mas o papel da mídia eu diria que é sobretudo informar e fazer circular cada vez mais”, afirma o Mendigo.
A técnica por trás do ‘improvisado’
O trabalho dos jurados de rima vem se tornando cada vez mais importante com o crescimento das rinhas de MCs. Com os fãs torcendo muitas vezes para artistas específicos, o resultado da votação do público em vários eventos passou a não corresponder ao que realmente foi a batalha. Com isso, as organizações precisaram tirar o poder de voto do público, e deixar essa responsabilidade apenas para os jurados.
Alan Carlos, o Alansa, é um dos responsáveis por realizar esse julgamento. O baiano do Engenho Velho da Federação atua nos principais eventos de rima do país e faz parte da organização 3° Round – Circuito Baiano de Rima, que vai realizar um nacional de MCs em Salvador, em 2025.
Em relação aos critérios que os jurados utilizam para avaliar as batalhas, Alan Carlos aponta que depende de cada juiz, organização e varia conforme o estilo de rima utilizado pelos MCs. A Batalha do Tanque, no Rio de Janeiro, por exemplo, é marcada pelo estilo ‘gastação’, na qual artistas focam em rimas mais descontraídas. Já na Bahia, os rimadores focam mais nas rimas com forte ideologia.
“Cada jurado interpreta mediante as suas vivências, mediante o que entende de cada verso. As interpretações podem ser diferentes, os jurados podem discordar. Uma vivência de nicho pessoal pode mudar minha percepção sobre uma rima, meu entendimento sobre anime pode mudar a percepção de uma rima, meu entendimento sobre cinema, sobre letramento racial, pode mudar a minha interpretação de uma rima e fazer ela pontuar mais ou menos”, ressalta.
Apesar dos desafios da profissão, ele se sente realizado com o trabalho e acredita que pode contribuir cada vez mais para o crescimento da cena. “A partir do momento que você senta na mesa e é um jurado, você não presta […] Mas fora isso [o hate], é muito legal para mim estar vivendo da análise de arte, da batalha de hip hop, viajando o Brasil, conhecendo pessoas”, destaca o jurado.
Foto de capa: Organização Batalha da Torre
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Carlos Eduardo Ferreira é estudante do 6° semestre de Jornalismo. Tem experiência em sites e rádio. Atualmente, é estagiário da Rádio Sociedade da Bahia.
Liz Barretto é estudante do 6° semestre de Jornalismo. Tem passagens em site, rádio e TV. Atualmente, é estagiária da Record Bahia.
Escolhemos a pauta por acompanharmos o cenário nacional das batalhas de rima e nos orgulharmos com a presença de baianos em eventos de destaque.