Uso de smartphones dobrou entre 2005 e 2011 e impactou o jornalismo digital

O uso de celulares, ainda que limitado, substituiu grandes equipamentos e começa a construir um novo olhar sobre a prática jornalística

 

Caique Yan (@caiq.yan) e Milena Rocha (@mil3nar)

 

O período entre 2005 e 2011 marca a entrada tímida, mas já sinalizadora de mudanças futuras, dos celulares como essenciais no jornalismo profissional. Ainda não era um fenômeno estruturante, mas os aparelhos já começavam a ser utilizados no envio e produção de fotos, textos, vídeos e áudios. O que significa, para a prática jornalística, ter na palma da mão um dispositivo capaz de captar, editar e transmitir informações em tempo real?

 

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) indicavam que, de 2005 para 2011, o número de pessoas com 10 anos ou mais de idade que tinham telefone móvel celular para uso pessoal saltou de 55,7 milhões para 115,4 milhões, um aumento de 36,6% para 69,1%. As redações, atravessadas por esse novo dispositivo, também acompanharam esse movimento, e os jornalistas, transversalizados por tal tecnologia, passaram a incorporar o dispositivo na rotina profissional.Trazendo para a atualidade, dados de 2023 já apontam que 163,8 milhões de pessoas tinham celular, o equivalente a 87,6% da população.

 

Para o professor da Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Washington José de Souza Filho, o dispositivo assume um caráter híbrido, à medida que incorpora as capacidades operativas dos computadores e da telefonia móvel. Mais do que um suporte técnico, o celular se torna um instrumento cotidiano de produção jornalística. “Não é como se fosse algo pontual. É como se o jornalista estivesse o tempo inteiro atuando profissionalmente, se algo acontece na frente dele, se algo se relaciona com um fato, ele vai registrar. E isso leva a outra discussão: a transformação do papel do jornalista. Ele passa a poder realizar mais tarefas do que fazia antes. Por exemplo, se antes ele era apenas um repórter, responsável pelos textos, agora ele precisa fazer o registro fotográfico. E, muitas vezes, esse registro, mesmo que ele não seja cinegrafista, vai complementar a matéria dele. Isso virou prática em alguns veículos”, detalha.

 

Os aparelhos  podem ser utilizados como câmera digital, navegador web, mensageiro instantâneo, cliente de email, receptor de televisão, plataforma de games, tocador de música e sintonizador de rádio. Ou seja, uma complexa convergência entre telefone, computador e telecomunicações num único artefacto, pontua o professor Washington José de Souza Filho.

 

Fatos de grande repercussão, como os atentados de Londres em 2005, foram registrados por pessoas que estavam nas estações de metrô e ônibus, locais que foram alvos das explosões, e rapidamente repercutiram na internet e nos meios de comunicação tradicionais. Veículos como a BBC utilizaram imagens captadas por esses transeuntes para compor a cobertura. 

 

Esse levantamento compõe um dos apontamentos trazidos por Fernando Firmino da Silva, professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em sua tese de doutorado “Jornalismo Móvel Digital: Uso das Tecnologias Móveis Digitais e a Reconfiguração das Rotinas de Produção da Reportagem de Campo”, defendida no Póscom em 2013 e publicada em livro pela Edufba em 2013, é considerada uma das primeiras do Brasil sobre a temática. Na tese, Firmino cita alguns modelos usados no jornalismo, no contexto brasileiro, com foco em três redações específicas: Extra Online (RJ), JC Online (PE) e A Tarde Online (BA), observadas entre 2008 e 2010.

 

Modelos como o Nokia N95 e o Nokia N85 aparecem em situações práticas de apuração, captação de imagens, transmissões ao vivo e envio de conteúdo diretamente do local do fato. Esses aparelhos lideraram esse movimento por serem acessíveis, versáteis e com bom suporte a vídeo e conexão 3G. 

 

“O jornalismo móvel digital (Mojo) tem um marco muito claro: a partir de 2005 com as primeiras experiências mais sistematizadas e, principalmente, em 2007 com o projeto da Reuters com o kit de jornalistas móveis constituído por um microfone unidirecional, um teclado da Nokia e um smartphone N95 e conexão 3G. Os seus correspondentes utilizaram essa estrutura e isso trouxe uma visibilidade mundial para a prática. Posteriormente, experiências em organizações jornalísticas começaram a emergir. No Brasil, tivemos na Band, no Extra do Rio, no JC Online do Recife, no A Tarde de Salvador, Zero Hora de Porto Alegre, e outros. Entre 2005 e 2010 tivemos essas primeiras experiências localizadas e o jornalismo móvel funcionando como modalidade dentro das redações. Tivemos algumas experiências de jornalistas sem redação na Espanha, de projetos nativos digitais”, detalha Fernando Firmino, que também é coordenador do Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Mobilidade – MOBJOR. 

 

Imagem: reprodução/ projeto da Reuters com o kit de jornalistas móveis – NRK BETA, 2007

Além do panorama de 2005 a 2010, o professor Firmino, em entrevista por e-mail, aprofunda as discussões sobre o jornalismo móvel e trata de transformações recentes no que concerne ao tema. Embora houvesse, naquele período, aparelhos mais avançados tecnologicamente, como o iPhone, o Motorola RAZR V3 ou o Samsung Galaxy S, muitos destes não estavam disponíveis no mercado nacional ou tinham custo elevado. 

 

Confira aqui o texto completo de Fernando Firmino 

 

“Nos bolsos de poucos”

 

Mergulhado pela nostalgia, Eddye Almeida, 40 anos, servidor público estadual, morador do IAPI, em Salvador, relembra com entusiasmo os tempos em que usava os aparelhos. Ele conta que possuía tanto o Nokia N95 quanto o N85 durante o período mencionado e destaca como esses dispositivos marcaram uma fase especial de sua juventude. “Meu foco não era exatamente o jornalismo, mas como eu era novo na época, achava massa poder olhar as notícias pelo celular. Eu achava aquilo o futuro, sabe? O Nokia N95 era incrível, tinha uma câmera boa pra aquele tempo, filmava direitinho, e a internet 3G já era um diferencial. O design era estiloso, aquele que deslizava para cima e pra baixo… chamava atenção. Eu usava pra tudo: ouvir música, tirar foto, assistir vídeo. Era como ter um computador no bolso. E o mais doido é que, na minha periferia, ninguém tinha um celular desses”, detalhou Eddye Carlos.

 

 

 

“A ideia de um repórter cobrir um fato ao vivo era revolucionária”

 

A jornalista Iloma Sales, coordenadora da Editoria Mobi do jornal A Tarde entre 2008 e 2011, relata ter vivido intensamente as primeiras experiências com o uso do celular no jornalismo. Apesar das limitações dos aparelhos na época, como baixa qualidade de imagem, som e conexão, destaca as novas possibilidades de mobilidade e agilidade na cobertura.

Imagem: Iloma Sales / Arquivo pessoal

 

Iloma relembra o período em que começou a explorar o envio de fotos e vídeos diretamente do celular para as redações, mesmo com conexões precárias, como o EDGE,  que permitia o compartilhamento de arquivos e mensagens entre dispositivos, e o 3G ainda em fase inicial.

 

“ A ideia de um repórter poder cobrir um fato ao vivo, de onde estivesse, sem precisar de uma equipe técnica completa ou de um equipamento profissional, era revolucionária”. Ela conta que foi também nesse período que começaram a experimentar formatos mais leves e instantâneos, que dialogassem melhor com o ambiente digital em expansão. “Nesta revolução, lembro bem da primeira cobertura ao vivo, via celular, de um grande evento baiano: o carnaval”. 

 

Segundo Iloma, as limitações eram evidentes: baixa qualidade de áudio e vídeo, dificuldades de edição no próprio aparelho, instabilidade das conexões móveis e até o ceticismo de algumas redações quanto à credibilidade do conteúdo produzido via celular. Ainda assim, ela conclui que tudo isso, de certa forma, contribuiu para a construção de um novo olhar sobre o fazer jornalístico: mais ágil, descentralizado e conectado com o cotidiano das pessoas.

 

Já Danile Rebouças, que foi repórter de Cidades no jornal A Tarde (2006 a 2011), com passagem por revistas como Contigo, da Editora Abril, e atualmente jornalista do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), aponta para o baixo uso dos celulares nos ambientes de trabalho jornalístico em Salvador durante o período de 2005 a 2010. “O cenário era o mesmo na produção: um veículo de reportagem cheio de equipamentos. Utilizávamos muito o celular para chamadas básicas com a fonte e a produção do jornal. No mais, as nossas trocas eram mais por e-mail, mas usávamos mais os notebooks”.

 

“Quando os smartphones surgiram, em 2007, eu estava na TVE, e a ideia do celular como ferramenta de trabalho jornalístico ainda não era muito latente”, reforça o professor Washington José de Souza Filho. “O celular era apenas um instrumento que ampliava um pouco as formas de comunicação”, complementa.

 

Mobilidade e convergência

 

Com a produção jornalística baseada nas tecnologias sem fio (3G, 4G, Wi-Fi, Bluetooth, WiMax), disponíveis no período (2005-2010) e nos dispositivos móveis digitais como smartphones, os repórteres passaram a ter integrado num mesmo dispositivo  as funções de produção (gravador digital), de emissão/distribuição (centrado nas conexões sem fio) e de recepção (rádio).

 

Durante a abertura do evento que celebrou as três décadas de existência do jornalismo digital no Brasil, Portugal e Espanha, promovido pelo Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line (GJOL | UFBA), realizado em maio de 2025, o professor da Universidade da Beira Interior (UBI), em Portugal, João Canavilhas, trouxe reflexões sobre o papel técnico do celular. Em sua  palestra, destacou que, sob a ótica da convergência, o aparelho é central para a compreensão do jornalismo móvel e do jornalismo locativo como práticas potencializadoras da produção em mobilidade.

 

Foto: Reprodução: GJOL: Professor João Canavilhas (UBI, Portugal)

 

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Caique Yan Conceição de Amorim  é estudante de Jornalismo na Facom/UFBA e Bacharel Interdisciplinar em Humanidades. Atua como repórter e desenvolve pesquisa científica acadêmica. Fora do âmbito profissional, é apaixonado pelas artes, especialmente música e cinema.

 

Milena Rocha  é jornalista em formação, comunicadora, estagiária do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS – BA) e repórter do portal O Consumidor 

 

A ideia da pauta surgiu de um tom nostálgico e curioso, ao relembrarmos nossa relação com os celulares desde a infância

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