Desde os diários pessoais até plataformas profissionais de conteúdo, os weblogs transformaram o modo como se faz, consome e distribui jornalismo na era digital
Bianca Souza (@_biahsp) e Júlia Lordelo (@ju_lordelo)
Era 2001 e grandes emissoras ainda processavam as consequências dos atentados às Torres Gêmeas nos Estados Unidos. Havia a espera das versões de fontes oficiais e os sites jornalísticos assistiam a queda dos servidores pelo alto número de acessos simultâneos.
Um ano depois, um blogueiro sob o pseudônimo de Salam Pax atualizava seu site, o Where is Raed?, em tempo real, com informações colhidas de fontes locais e noticiários árabes diante da ofensiva ao Iraque. Este é o ponto de partida para a crescente divulgação de fatos noticiosos em blogs.
Se antes os weblogs – ou simplesmente “blogs”- eram voltados para reflexões pessoais, listas de filmes favoritos, diários de viagem e até críticas culturais, sem a exigência de conhecimento técnico mediante plataformas de publicação tais como Blogger ou WordPress, os relatos independentes de acontecimentos acabaram por revelar o potencial jornalísticos, um cenário é marcado por experimentações e transformações.
A jornalista, doutora em Comunicação e autora do livro Blog do Noblat: estilo e autoria em jornalismo, Teresa Leonel, observa que os blogs nascem para cobrir a lacuna de uma amplitude dos fatos, a qual a imprensa não conseguia dar conta. “A mídia tradicional estava, e ainda continua, centrada na temporalidade, ou seja, o curto tempo, a fragmentação da informação e a velocidade com a qual a gente passa o lide, o quê, como, onde foi, quando e quem foi.”

Ela ainda aponta que os blogs se consolidaram na complementação do conteúdo dos fatos e na relação com o leitor, colocando o internauta num lugar de reflexão. “O blog desenhou um outro caminho para jornalista, ele tornou o texto mais acessível, trouxe uma narrativa mais contextualizada dos fatos que estão ocorrendo”, afirma a jornalista.
Confira a entrevista completa:
É na alta do consumo dos conteúdos com viés analítico e jornalístico nas plataformas de weblogs que, com delay, o Brasil assistiu ao boom de portais independentes, alguns feitos propriamente pelos chamados “jornalistas-blogueiros”, outros por autodeclarados críticos em temas específicos.
No Brasil, um destaque foi o Blog do Noblat, do jornalista Ricardo Noblat, lançado no portal IG, em 2004, com as pautas mais voltadas para política. Já consolidado,o blog migra para o portal Estadão, do Estado de S.Paulo (2006), depois para O Globo Online (2007) e, no mesmo ano, muda para o site da Revista Veja, do Grupo Abril. Hoje, a página integra o portal Metrópoles, um dos sites de notícias mais lidos no Brasil.
A publicação Weblogs reinventam o uso da Internet, em 2001, no portal digital da Folha, na editoria de informática, a Tec, evidencia a atenção e interesse dos veículos sobre o assunto. Alexandre Versignassi, autor do texto, não só relata a praticidade do uso de um blog com um passo-a-passo para o usuário criar sua página, mas também indica um espaço de descoberta para os jornalistas diante de possibilidades de escrita e sobre a noção de comunidade criada nestes ambientes virtuais.
Autonomia, credibilidade e ética
Essa descentralização informacional, no entanto, foi um processo que tencionou a indústria jornalística hegemônica. A disputa pela audiência e a defesa pela credibilidade levaram o Estadão, em 2007, a criar uma campanha contra os blogueiros.
A resposta veio rápida, uma ‘contra-campanha’ declarada e direcionada foi organizada pelos blogueiros.
Inicialmente, os veículos de mídia tradicionais resistiram, mas adotaram os blogs para reportagens especiais por perceberem o potencial de engajamento, como é o caso do New York Times, The Guardian, Folha de S.Paulo, e até mesmo o Estadão. Basta navegar pela seção “Blogs e Colunas” no site do tradicional O Estado de S. Paulo.
Colunistas ganharam seções com atualizações mais frequentes e os blogs de cultura, política, economia e esportes se multiplicaram. O formato foi adotado como uma extensão da reportagem tradicional, mais flexível e responsiva. Agora, a “autenticidade” também passava a ser posta como um valor jornalístico – até para aqueles que nunca haviam frequentado a faculdade de comunicação.
“Se a pessoa tem um bom repertório, de ética e de conhecimento, ela pode até ser melhor do que um jornalista, mesmo não tendo a formação”, opina Pablo Reis, jornalista e escritor baiano.
Pablo Reis, que hoje apresenta o telejornal Aratu Notícias e o programa de entrevistas Linha de Frente – este veiculado também na Rádio Antena 1 -, tem uma relação de longa data com os blogs, consumindo-os e assinando um que levava seu próprio nome.
“Para mim, hoje, um dos principais jornalistas investigativos do mundo não é jornalista, é advogado de formação: Glenn Greenwald. A história dele é muito em cima disso, um blog em que ele primeiro publicava coisas da área do direito, e, depois, foi recebendo denúncias e informações que fizeram ele começar a publicar matérias jornalísticas. Interessou ao Washington Post, que começou também a republicar as coisas dele”, contextualiza Pablo.
Sim, conseguiam ser mais autênticos, com inegável fluidez de texto e bandeira branca para o caráter opinativo, nada tão protocolar. Mas Pablo admite que o caso de Greenwald é exceção, sem deixar de alfinetar o fazer jornalístico de muitos profissionais. “Só que é raro, né? É raro a pessoa de fora do jornalismo ser melhor jornalista, assim como cada vez mais os jornalistas em si estão sendo menos jornalistas na minha avaliação”, conclui.
Confira a entrevista íntegra
É nesse caráter tênue e na produção informacional descentralizada que se concentram os blogs. De acordo com João Pedro Pitombo, repórter da Folha e mestre em comunicação pela UFBA, os blogs borram as fronteiras entre o jornalismo e o conteúdo amador. E são esses questionamentos que sustentam a discussão permanente sobre credibilidade, checagem de fatos e responsabilidade editorial.
“Os blogs acabaram sendo determinantes nessa descentralização da produção jornalística, e acho que esse é um cenário que gera desafios na medida em que muita parte desse conteúdo é produzido em blogs, não seguindo alguns dos pilares básicos do jornalismo, como a própria apuração.” – João Pedro Pitombo.
Confira a entrevista completa:
E se a disputa pela autenticidade do discurso e pela cativação pública se dividia entre os blogueiros e os grandes veículos, a partir do crescimento do consumo nas redes sociais e no YouTube, a produção de conteúdo se tornou ainda mais fragmentada, impondo mais descontrole na validação de veracidade.
“Sempre houve questionamentos em relação ao padrão ético do jornalismo praticado por parte desses blogs, muito pelo fato de que os sistemas de controle muitas vezes eram precários e levavam ao público informações que nem sempre eram devidamente checadas ou passavam pelo crivo de um editor”, comenta João.
A adoção de outras plataformas midiáticas impôs novos paradigmas – até de senso etimológicos, com os blogueiros (propriamente dos blogs) e os influenciadores digitais (popularmente chamados de blogueiros pela exibição de conteúdos pessoais, do dia a dia).
“Tanto que com o passar do tempo houve até uma certa estigmatização do termo blogueiro, que passou a ser utilizado para classificar para autores de conteúdo que publicam informações não confiáveis”, finaliza.
Grandes veículos: onde fica a blogosfera?
Assim como o Noblat, diversos jornalistas brasileiros também ganharam uma seção personalizada em grandes veículos, onde podem publicar suas próprias apurações, críticas e até crônicas. A seção, no entanto, entitulada de “Blogs e Colunas”, acabou por suprimir exatamente o que o diferencia o jornalista-blogueiro de um colunista: o pertencimento àquele ecossistema interativo, intitulado de blogosfera.
Reinaldo Azevedo, Rita Lisauskas e Andréia Sadi são exemplos ativos desse fenômenos. Eles continuam a ter leitores que se interessam pelos assuntos característicos das postagens, mas não há entre essas pessoas vínculo com a página e troca de opiniões pelos comentários.
“O senso de comunidade que caracterizou a blogosfera na sua origem acabou se perdendo ao longo do tempo. Eu vi que os veículos passaram a se conectar cada vez menos com páginas externas, por meio de links, o que era fundamentalmente o que incentivava o debate na blogosfera em uma era anterior à popularização das redes sociais”, concluiu João Pitombo.
O retorno em novos formatos
Um movimento de retorno ao conteúdo mais profundo e autoral ganha força e novas plataformas como Medium e Substack, que resgataram o modelo do blog, agora com foco em assinaturas e nichos especializados, que iam além da apropriação das colunas.
A lógica se inverte: agora, o autor é a marca, e os leitores são uma comunidade disposta a pagar por conteúdo de qualidade, com identidade e profundidade pela relação de confiança estabelecida.
Só em 2022, havia mais de 600 milhões de blogs ativos e que em um único mês, em média, 70 milhões de novos posts são publicados no WordPress, segundo o portal Growth Badger.
A intersecção contínua entre opinião, narrativa pessoal, jornalismo factual e integração das práticas de jornalismo mais livres e autônomas permite aos blogs ir para além dos limites editoriais.
Num cenário de desinformação, excesso de dados e saturação de feeds, os blogs e suas novas versões se apresentam como alternativas de curadoria e reflexão e o compromisso de ética com o leitor. Mais do que um formato, representam escolha de informar com voz própria e mais proximidade com aquele que o consome.
Bianca Souza é estudante de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UFBA. Já atuou como voluntária na Produtora Júnior e estagiou na assessoria de comunicação do Ministério Público Federal na Bahia. Possui interesses em comunicação, tecnologia e sociedade.
Júlia Lordelo é estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e criadora do Cbx em Pauta, perfil no Instagram dedicado à Cidade Baixa, região onde nasceu em Salvador. Atualmente, estagia como repórter no Grupo Metropole e produz para rádio, site e YouTube do portal. Possui interesse em comunicação digital, cultura e sociedade.
O estudo dos blogs com cunho jornalístico, da esfera de interatividade possibilitada por eles à sua integração a veículos tradicionais, foi o ponto de interesse para realização da reportagem.
* O ChatGPT foi utilizado como suporte na edição dos áudios.